Depois de 55 anos, a morte do guerrilheiro comunista Carlos Marighella teve um novo capítulo nesta terça-feira, 14. O Ministério Público Federal (MPF) denunciou quatro policiais e um médico-legista sob a acusação de envolvimento no assassinato do terrorista, que queria implantar colunas guerrilheiras como em Cuba de Fidel Castro e Che Guevara.
Filho de uma família pobre, Carlos Marighella nasceu em Salvador no ano de 1911. O pai dele era um imigrante italiano que trabalhava como operário e motorista de caminhão de lixo. A mãe, filha de escravizados, era uma empregada doméstica da capital baiana.
Aos 21 anos, ele foi preso pela primeira vez após escrever um poema com críticas ao interventor Juracy Magalhães, que havia sido nomeado pelo ex-presidente Getúlio Vargas. Torturado pela polícia de Getúlio, ele foi solto meses depois e, a partir daí, começou a ter relevância entre os comunistas.
Em 1934, Marighella abandonou o curso de engenharia civil da Escola Politécnica da Bahia para ingressar no Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 1946, elegeu-se deputado federal constituinte pela sigla, mas perdeu o mandato dois anos depois, quando o PCB foi posto na clandestinidade.
Entre os anos de 1953 e 1954, foi convidado pelo Comitê Central do Partido Comunista da China e morou no país para conhecer de perto os efeitos da revolução vermelha de 1949.
Dias antes do golpe militar de 31 de março de 1964, Marighella ajudou a redigir o discurso de José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, que integrava a associação de marinheiros do Rio e liderava uma greve dos militares. A declaração inflamada acabou servindo como um estopim para a derrubada do presidente João Goulart.
Marighella foi o inimigo nº1 da ditadura militar
Um mês depois do golpe, ele foi baleado e preso por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão que atuava na repressão da ditadura militar, no Rio. A prisão de Marighella aconteceu dentro de um cinema. Ele foi libertado em 1965, após uma decisão judicial.
Após desavenças com o PCB, Marighella foi expulso do partido e fundou a Aliança Libertadora Nacional (ALN). O grupo realizava assaltos a bancos com o intuito de financiar guerrilhas e sequestros de figuras públicas. Um dos raptados pela ALN foi o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969.
Marighella foi considerado o inimigo público nº 1 da ditadura. Ele defendia que a resistência ao regime militar deveria ser armada, tanto no campo como nas cidades. Seu objetivo era criar colunas guerrilheiras, a exemplo do que fizeram Fidel Castro e Che Guevara em Cuba.
Livro de Marighella orientou guerrilheiros
Em 1969, ele escreveu o livro Minimanual do Guerrilheiro Urbano que servia para orientar comunistas que queriam utilizar táticas de guerrilha em seus países. Segundo Marighella, era necessário imobilizar o inimigo, desgastá-lo psicologicamente e abrir caminho para a guerrilha rural e o Exército de Libertação Popular.
Na análise do almirante Sérgio Tasso Vasques de Aquino para a série História Oral do Exército, Marighella ditou as regras doutrinárias a serem empregadas pelos terroristas. “Eles visavam em essência, a neutralizar o ânimo nacional, a conquistar as mentes e os corações pelo terror”, afirmou.
“Torna-se necessário a qualquer guerrilheiro urbano ter sempre presente que só pode manter-se vivo se estiver disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão, se estiver decidido, mas decidido mesmo, a expropriar a riqueza dos grandes capitalistas, dos latifundiários e dos imperialistas”, diz um trecho do Minimanual do Guerrilheiro Urbano.
Na obra, ele diz ainda que o “terrorismo é uma arma que o revolucionário não pode abandonar.” Também diz que “execução é matar um espião norte-americano, um agente da ditadura, um torturador da policia, ou uma personalidade fascista no governo que está envolvido em crimes e perseguições contra os patriotas, ou de um ‘dedo duro’, informante, agente policial, um provocador da policia”.
A obra de Marighella influenciaria grupos implicados em assassinatos, sequestros e em atentados na Itália, como as Brigadas Vermelhas, e na Alemanha Federal, como o Baader-Meinhoff.
Marighella foi morto durante uma emboscada
Na noite do dia 4 de novembro de 1969, por volta das 20h15, policiais do Dops surpreenderam Marighella na Alameda Casa Branca, que fica localizado no bairro de Jardins, na zona sul de São Paulo. Eles usaram dois frades dominicanos capturados e torturados na sede do órgão para atrair Marighella para uma armadilha.
Quando chegou ao encontro marcado com os frades, Marighella entrou em um Fusca. O guerrilheiro não percebeu que os perseguidores se escondiam no quarteirão da Alameda Casa Branca, aguardando a sua chegada.
De acordo com a denúncia do MPF, entre os policiais que participaram da emboscada estavam Amador Navarro Parra, Luiz Antônio Mariano, Walter Francisco e Djalma Oliveira da Silva, todos subordinados ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, chefe do Dops. Os quatro foram denunciados por assassinato pelo MPF. O Estadão não conseguiu localizar seus defensores.
“Logo após a retirada dos Freis do carro, Sérgio Fleury se aproximou do veículo e efetuou o primeiro disparo executório contra a vítima. Na sequência, a vítima foi atingida por outros três ou quatro disparos. Inclusive, o disparo fatal que atingiu Carlos Marighella foi dado com arma a curtíssima distância, de menos de oito centímetros, ou seja, quase encostada no corpo da vítima. Referido disparo, dado no tórax de Marighella, atravessou o seu corpo e saiu pelas costas. Provavelmente o disparo foi feito pela carabina calibre 44 de João Carlos Tralli, enfiada por uma janela do Fusca, quase grudada em Marighella”, descreve a denúncia do MPF.
A execução e a emboscada, práticas que foram adotadas pelo Dops para o assassinato de Marighella, também eram ensinadas pelo próprio Minimanual do Guerrilheiro Urbano.
A ALN continuou em atividade até o ano de 1974, mas não teve a mesma atuação que tinha com a morte do guerrilheiro. O sucessor de Marighella no comando do grupo foi Joaquim Câmara Ferreira, que teve o mesmo destino. Ele foi assassinado por agentes do Dops em 1970, no bairro paulistano de Indianápolis.
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