“Recebi esse vídeo ontem… tirem suas conclusões”, escreveu Jorge Seif (PL–SC) em uma postagem de Facebook sobre os atos golpistas em Brasília, feita às 7h do dia 28 de fevereiro. O senador catarinense, poucas horas depois de políticos da oposição protocolarem requerimento de abertura da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), tentava convencer seus seguidores de que o vandalismo teria sido protagonizado por “infiltrados” – e não por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro que acamparam por meses na frente de quartéis pedindo intervenção militar.
O material era apenas um compilado de imagens de baixa qualidade, editadas grosseiramente com setas vermelhas denunciando a alegada presença de extremistas plantados, sem nenhum critério objetivo.
Assim como Seif, outros 14 parlamentares que agora fazem parte da CPMI do 8 de Janeiro, instalada na quinta-feira, 25 de maio, disseminaram conteúdos nas redes sociais dando a entender que a tese de infiltração seria uma possibilidade real ou até provável. Porém, a alegação é enganosa: não está apoiada em fatos nem encontra respaldo nas investigações em andamento.
O Estadão Verifica analisou postagens feitas por todos os 32 parlamentares titulares e 32 suplentes da CPMI, no Facebook e no Instagram, desde o dia das invasões às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Buscas por palavras-chave detectaram 56 itens sobre infiltrados, publicados ao longo dos últimos cinco meses, como forma de influenciar a opinião pública a favor da abertura da investigação no Congresso. A coletânea de desinformação gerou mais de 880 mil curtidas, comentários e compartilhamentos.
O campeão em número de publicações é o senador Eduardo Girão (Novo-CE), que adotou uma espécie de mantra em discursos e entrevistas sobre a CPMI. “Quem depredou merece uma punição exemplar, seja de direita, de esquerda ou infiltrado”, alega o político em um dos 15 posts encontrados pela reportagem. Em outros, diz que black blocs infiltrados, “ao que tudo indica”, participaram da quebradeira em Brasília. Ele se tornou membro titular da CPMI graças a um acordo de seu partido com o PL no Senado.
Proponente da CPMI, o deputado André Fernandes (PL-CE), também faz parte da lista. Em gravação divulgada no dia 1.º de março, defendeu que a cena de destruição “não representa o povo patriota brasileiro” e que se deveria investigar quem foram os verdadeiros autores: “Estamos aqui para saber a verdade. Foram extremistas? Foram infiltrados? Houve omissão? O que de fato aconteceu no 8 de janeiro?”
Fernandes é um dos cinco parlamentares investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) por incitação aos atos golpistas em Brasília. Nesta quinta-feira, 25, a Polícia Federal concluiu que o deputado incitou a prática de crimes no dia 8 de janeiro. Em relatório enviado ao ministro Alexandre de Moraes, os investigadores destacaram publicações feitas pelo parlamentar.
O deputado Eduardo Bolsonaro (SP) e o senador Flávio Bolsonaro (RJ), suplentes na CPMI pelo bloco do PL, também disseminaram a história nas redes. O deputado publicou ao menos sete posts sobre infiltrados na manifestação golpista. “Eu duvido que uma investigação bem feita não vá encontrar diversos infiltrados. Certamente o PT está querendo esconder os seus apadrinhados que colocou lá para incentivar esses atos”, disse, sem apresentar nenhuma prova, em discurso no plenário da Câmara editado para a internet. Seu pai, Jair Bolsonaro, é investigado como possível autor intelectual dos atos e prestou depoimento na PF em abril.
Membro titular da CPMI, o senador Magno Malta (PL-ES) tentou emplacar a tese em ao menos três ocasiões. “A investigação vai mostrar quem é infiltrado, quem não é; quem cometeu erro, quem não cometeu, mas dentro de um ordenamento jurídico”, afirmou, em vídeo exibido 473 mil vezes no Facebook. Nos outros, argumenta que protestos bolsonaristas sempre foram pacíficos e que o vazamento de imagens do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) teria sido feito por alguém que “estava sem dormir sabendo que essa coisa era mentira”.
Outro político próximo de Bolsonaro que constantemente tenta culpar o governo Luiz Inácio Lula da Silva pela depredação do patrimônio público é o senador Marcos do Val (Podemos-ES). Em gravação no YouTube, Do Val fez uma separação entre “extremistas infiltrados” e pessoas “de direita” na manifestação com base em roupas, mochilas e máscaras que estavam usando. Ele também repetiu em diversos materiais que teria provas de que o governo federal deixou a invasão ocorrer a mando do petista, mas só poderia mostrar durante os trabalhos da CPMI, ajudando a alimentar a onda.
“Fica cada vez mais claro: o governo Lula forjou a quebradeira do dia 8 de janeiro”, escreveu em três publicações diferentes o deputado federal Filipe Barros (PL-PR). A afirmação se baseia no fato de que o ex-ministro Gonçalves Dias, demitido do GSI, estava dentro do Palácio do Planalto no curso da invasão – o que evidentemente não sustenta a alegação de que o ato golpista teria sido armado. Em outro post, Barros teceu ataques contra um fotógrafo da Reuters que se tornou alvo de uma campanha de desinformação nas redes. O deputado é um dos titulares da CPMI pela Câmara.
A contagem envolve ainda outros dois membros efetivos da CPMI: a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, e o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP). Damares agradeceu em suas redes sociais a mensagem do líder do partido no Senado, Mecias de Jesus (Republicanos-MA), que defende a identificação “de todos os envolvidos, sejam eles extremistas ou infiltrados”. Sampaio argumentou em post que a CPMI deveria se debruçar sobre a ideia de que ex-integrantes de partidos de esquerda teriam participado dos atos golpistas contra Lula. Alegação semelhante circulou nas redes do deputado Evair de Melo (PP-ES).
Entre os suplentes, além de Seif, Melo e dos filhos de Bolsonaro, aparecem no levantamento os deputados Marco Feliciano (PL-SP), Maurício Marcon (Podemos-RS) e os senadores Luis Carlos Heinze (Progressistas-RS) e Izalci Lucas (PSDB-DF). Feliciano insinuou em vídeo que o golpista que quebrou o relógio de d. João VI e aparece vestido com uma camiseta estampada com o rosto de Bolsonaro não seria apoiador do ex-presidente, entre outras postagens, enquanto Heinze publicou em sua conta que os infiltrados foram “revelados em diversos vídeos que circulam na internet”.
Marcon alegou em vídeo que a CPMI deve investigar se houve “patrocínio de membros, de pessoas que dizem que defendem a democracia e muitas vezes não defendem”. Em entrevista reproduzida em sua conta de Facebook, Izalci insinuou que infiltrados poderiam já estar presentes nas sedes dos Três Poderes antes dos ataques. “Não podemos admitir que idosos, crianças e diversas pessoas que acreditaram se tratar de uma manifestação pacífica paguem o preço por infiltrados e criminosos”, afirmou em outro post.
Bolsonaristas planejaram e gravaram o ataque
A tese de que a depredação foi obra de infiltrados, difundida desde as primeiras horas após a destruição nas sedes dos Três Poderes, ignora que os ataques foram premeditados e que apoiadores de Bolsonaro postaram mensagens públicas convocando para o ato em aplicativos de mensagens e nas redes sociais. Os golpistas criaram até um código para a invasão em Brasília, batizada de “Festa da Selma”.
Apoiadores de Bolsonaro produziram imagens de si próprios durante os ataques, nas quais expressaram o desejo de “colapsar o sistema” e “tomar o poder de assalto”. O Estadão analisou cerca de 26 horas de lives, além de fotos, mensagens de aplicativos, posts de redes sociais e listas de passageiros de ônibus, e identificou 88 extremistas no meio da baderna – todos eram apoiadores do ex-presidente.
Sem base em evidências, resta a tese dos infiltrados se apoiar em desinformação. O Estadão Verifica desmentiu uma série de conteúdos nesse sentido. Eles enganavam, por exemplo, sobre o horário marcado no relógio destruído no Planalto, a linha do tempo dos ataques, o uso de uma bandeira do PT furtada no Congresso por um manifestante golpista e uma lista de supostos infiltrados que, na realidade, continha fotos de homens presos em El Salvador, entre outras falsidades.
O que dizem os citados
O Estadão procurou todos os parlamentares citados no levantamento e indagou no que se baseiam as alegações sobre infiltrados no 8 de janeiro.
Alguns políticos encaminharam texto divulgado pela Revista Oeste sobre a presença de supostos “filiados de partidos de esquerda” entre os presos. Três mulheres têm registros ativos de filiação na Justiça Eleitoral: ao PPS (2001), atual Cidadania; ao PT (2007); e ao PPL (2015), depois incorporado ao PCdoB. O texto foi atualizado após contestações apresentadas por duas das mulheres citadas. A primeira disse que nunca foi filiada a nenhum partido político e que luta contra as pautas de esquerda. Parente da segunda disse que ela é contra o PT. A terceira não foi ouvida pelo site, mas publicou vídeos nas redes sociais no dia dos atos golpistas dizendo que “o povo não quer o comunismo”.
Jorge Seif disse à reportagem que as declarações foram feitas “diante das imagens veiculadas na imprensa e de vídeos amplamente divulgados na internet”.
Eduardo Girão afirmou que se manifestou “não podendo, efetivamente, garantir que tal fato tenha ocorrido”, mas que foram colhidos “graves indícios” em vídeos e notícias de veículos independentes de que haveriam infiltrados no 8 de janeiro. O senador defende que se averigue o evento “em sua totalidade”.
Marcos do Val disse que vai apresentar “documentos, imagens e provas” durante os trabalhos da comissão.
Marco Feliciano justificou os posts dizendo que “aconteceu algo estranho no 8 de janeiro” e que os protestos na frente de quartéis ocorreram de “maneira ordeira” durante meses, diferentemente da ocasião.
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Carlos Sampaio negou ter feito qualquer insinuação de que houve infiltrados e disse que apenas compartilhou o título remetendo a supostos ex-filiados a partidos de esquerda porque defende que a comissão analise se o conteúdo é verídico. Seu partido, o PSDB, participa de federação com o Cidadania, um dos partidos citados como sendo de esquerda no texto.
Luis Carlos Heinze disse que, ao falar em infiltrados, em janeiro, “registrou o pleito dos seus eleitores, que cobravam ação diante das imagens que circulavam à época”.
Damares Alves afirmou que apenas compartilhou “uma postagem do líder de seu partido, na qual ele informava que a indicaria como membro titular da CPMI do 8 de janeiro”.
Maurício Marcon afirmou que o texto da Revista Oeste representa os fatos e as evidências de que dispõe.
Já Izalci Lucas disse que existem “indícios” de ação de infiltrados a serem apurados, sem prestar mais esclarecimentos.
Magno Malta declarou que é preciso investigar para descobrir individualmente “quem causou toda a destruição por meio do terrorismo”, mas que “tudo se encaminha” para a existência de infiltrados, segundo informações que recolheu após o 8 de janeiro.
Flávio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, Filipe Barros, Evair de Melo e André Fernandes não se manifestaram.
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