Por Wilson Tosta
Um casamento que, como tudo na política brasileira, é de conveniência, está perto de completar quatro anos em clima de crise na relação. Trata-se da aliança entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB). Ela surgiu no segundo turno de 2006, quando o presidente tentava a reeleição, e o hoje chefe do Executivo fluminense, ainda senador, enfrentava Denise Frossard (PPS) na disputa pelo Palácio Guanabara.
Presos um ao outro e sem muitas opções... Foto: Marcos de Paula/AE
Quando decidiram se unir, foi uma virada e tanto: na disputa pelo governo local, Lula apoiara o senador Marcelo Crivella (PRB) e o ex-deputado Vladimir Palmeira (PT), eliminados no primeiro turno; Cabral era o candidato do casal Anthony e Rosinha Garotinho, então duros adversários do presidente. Mas o senso de sobrevivência eleitoral foi mais forte: Lula e Cabral se aliaram e até agora estão juntos.
Quem ganhou mais nessa relação? Difícil dizer, mas o governador parece ter lucrado mais. Cabral abriu o Estado para Lula, que, em seu primeiro mandato, visitou pouco, por causa de atitudes que considerava hostis do casal Garotinho (e do então prefeito da capital, Cesar Maia, do PFL) ao governo federal: agora, atinge recordes de popularidade também entre os flumienses.
"É um pai para o Rio", disse o governador em várias ocasiões. Já o presidente trouxe um pacotão de obras da União, via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além do seu apoio,fundamental, por exemplo, na eleição de 2008.
Naquele ano, o presidente resolveu esquecer a dura oposição que, no PSDB, Eduardo Paes, postulante do PMDB cabralista à prefeitura, lhe fizera via CPI dos Correios, no escândalo do mensalão petista, e pediu que os cariocas votassem no ex-desafeto. Pedido fundamental: Paes venceu Fernando Gabeira (PV) na briga pela prefeitura da capital por pouco mais de 55 mil votos.
Agora, o governador apresenta mais uma conta ao presidente: a da crise dos royalties do petróleo. Cabral complicou-se nas conversas sobre o projeto do pré-sal, quando, logo no início, declarou que o Rio não seria "roubado" - indiretamente chamando de ladrões aqueles que se opunham à sua proposta e dificultando um acordo.
Aprovada a Emenda Ibsen, mobilizou funcionários públicos, prefeitos do interior e trabalhadores de obras do PAC para uma estranha manifestação na qual não discursou e que desfilou pela Avenida Rio Branco sob a palavra de ordem "Contra a covardia". Veladamente, chamava seus opositores na questão de covardes e afastava ainda mais a solução negociada.
Depois disso tudo, colocou no colo do presidente a obrigação de vetar integralmente o projeto desde já, quando a proposta ainda tramita no Senado, anúncio que soaria autoritário e poderia inviabilizar de vez a conversa. Não admira que o Planalto tenha pedido discrição ao governador, enquanto seus emissários investem em uma tentativa de acordo que não leve o Estado à falência.
O pior, para Cabral, é que, com a crise, suas opções se afunilaram. Ele agora depende do presidente para que não tenha de enfrentar, na eleição de 2010, a acusação de, por inabilidade, ter perdido os royalties do petróleo para outros Estados. Responsabilizar Lula - um presidente cuja popularidade raspa os 80% - está fora do radar do governador, se quiser realmente ser reeleito, principalmente depois que Gabeira anunciou sua candidatura ao governo, com apoio tucano.
A crise tira força, por exemplo, da operação política que Cabral ensaiara no início do ano, quandopressionou o governo pela retirada da candidatura de Anthony Garotinho (PR), agora integrante da base aliada, ao governo estadual. O governador gostaria que Dilma Rousseff tivesse, no Rio, só um palanque: o seu. Dependente de Lula devido à crise dos roylaties e com um governo de resultados modestos, talvez tenha de desistir da ideia.
Cabral poderia se afastar do presidente por causa da crise? Em tese, sim, e isso não seria novidade para quem, no passado, rompeu com outros padrinhos poíticos, como Marcello Alencar em 1998 e o casal Garotinho em 2006/2007, Mas o risco seria enorme, para um político conhecido por sua aversão a arriscar.
Lula também não pode desprezar um governador que ainda lidera pesquisas de intenção de voto, controla a máquina pública e administra o Estado com segundo maior PIB e terceiro maior eleitorado do País, além de influência nacional, fundamentais para Dilma. Não dá para pensar em descartá-lo, mesmo porque o próprio presidente - atendendo a mais um pedido de Cabral - inviabilizou a candidatura do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, ao governo do Estado pelo PT.
Presos um ao outro e sem muitas opções, Cabral e Lula precisam discutir a relação. Conseguirão?
Texto atualizado no dia 29/03, às 14h40, para correção de datas