O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) afirmou que a investigação sobre uma suposta espionagem ilegal na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é “uma salada de narrativas”. Em entrevista à GloboNews, o ex-diretor da Abin, alvo de buscas nesta quinta-feira, 25, declarou que o Ministério Público e o Judiciário “foram envolvidos” por um núcleo da Polícia Federal.
“Quando eu tive agora o acesso ao parecer do MP (Ministério Público) e à decisão judicial, o que nós vemos é uma salada de narrativas, inclusive, antigas e já superadas, colocadas para imputar negativamente, criminalmente, no nome da gente, sem qualquer conjunto probatório”, disse Ramagem. “Os policiais federais que estavam comigo, (nós) nunca tivemos a utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas.”
De acordo com a PF, uma “organização criminosa” se instalou na agência. O objetivo seria “monitorar ilegalmente autoridades públicas e outras pessoas”, usando ferramentas de geolocalização de celulares sem autorização judicial. A investigação encontrou registros de que a Abin tentou produzir provas que relacionassem ministros do STF e deputados federais de oposição a Bolsonaro ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
A Polícia Federal também afirma que servidores da Abin produziram informações que teriam ajudado, por exemplo, na defesa dos filhos de Bolsonaro em investigações criminais. Relatórios da agência teriam sido compartilhados para subsidiar tanto o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na investigação das “rachadinhas” e quanto Jair Renan em inquéritos sobre tráfico de influência, estelionato e lavagem de dinheiro.
A investigação sobre Jair Renan foi aberta depois que o jornal O Globo divulgou que o filho do presidente teria recebido um carro elétrico de representantes da Gramazini Granitos e Mármores Thomazini, avaliado em R$ 90 mil. O ex-diretor da Abin negou ter elaborado relatórios no caso do senador, mas admitiu atuação da Abin para Jair Renan.
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“Nós fomos saber que carro era esse que estavam imputando a ele (Jair Renan). Acredito que inteligência de proteção tem essa possibilidade sim. Nós só verificamos quem estava usando o carro e apenas foi isso o relatado”, declarou.
O sistema de monitoramento usado indevidamente por servidores da Abin durante a gestão de Bolsonaro é capaz de detectar um indivíduo com base na localização de aparelhos que usam as redes 2G, 3G e 4G. Para encontrar o alvo, basta digitar o número do seu contato telefônico no programa e acompanhar em um mapa a última posição.
Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o FirstMile se baseia em torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões para captar os dados de cada aparelho telefônico e, então, devolver o histórico de deslocamento do dono do celular.
Segundo Alexandre Ramagem, o sistema não é de interceptação ou invasão. “Na realidade, é um sistema grosseiro de localização. É um sistema que diz se a pessoa está em Copacabana, se está na Barra (bairros do Rio de Janeiro) ou em Brasília”, afirmou. “Essa ferramenta é legal dentro da Abin.”
Quando eu tive agora o acesso ao parecer do MP e à decisão judicial, o que nós vemos é uma salada de narrativas, inclusive, antigas e já superadas, colocadas para imputar negativamente, criminalmente, no nome da gente, sem qualquer conjunto probatório
Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin
Alexandre Ramagem foi questionado pela GloboNews sobre o motivo de a Polícia Federal ter encontrado documentos sobre a investigação, um celular e um computador da Abin no gabinete dele. O deputado disse que os papeis eram de sua gestão.
“Se houve computador que era da Abin e telefone que era da Abin, foram trocados por novos que foram devolvidos e sem utilização há mais de três anos. A prova pericial vai mostrar. Poderia devolver, mas estava ali, pensei que fosse da Polícia Federal, antigo”, afirmou.
À TV, Alexandre Ramagem declarou ter amigos na Abin e negou ter obtido informações antecipadas sobre a investigação. O parlamentar disse não ter contato com os policiais e agentes da PF que fazem a investigação sobre a “Abin Paralela”, como a estrutura tem sido chamada. “Se teve vazamento de informação, tem que ser apurado lá de dentro”, disse.
O deputado relatou que ele próprio pediu a abertura de investigação interna sobre o uso do sistema quando dirigia a Abin. Ramagem afimou que “queria padronizar o sistema e saber quem estava fazendo errado”.
O ex-comandante da Abin alegou também que “queria organizar como a ferramenta trabalhava e fizemos a auditoria específica para isso”. Segundo Ramagem, ele foi “ouvir o diretor responsável pelas senhas e pela gestão para demonstrar como funciona ou para melhor funcionar” o sistema.
“Quando se negaram a me informar como eles estavam trabalhando com a ferramenta, eu exonerei esse diretor, que era o chefe dessa ferramenta, e encaminhei todo o procedimento para a Corregedoria”, declarou.
Durante a entrevista, Alexandre Ramagem teceu críticas aos colegas de PF. Segundo o ex-diretor, todo o trabalho da Polícia foi feito com base no pedido de investigação feito por ele “lá atrás, das desconfianças que nós fizemos”.
“Agora, quando eu analiso o que foi feito aqui, essa salada de narrativas para chegar a uma incriminação, eu vejo que o Ministério Público e o Judiciário foram envolvidos por um núcleo da Polícia Federal que está querendo, sem provas, incriminar”, disse.
“O que se vê aqui é essa nova Polícia Federal, não de Estado, mas de governo, perseguidora, contra policiais que eram responsáveis pelos grandes trabalhos da gloriosa, antiga Polícia Federal.”
Currículo de promotora do caso Marielle estava no servidor
A Polícia Federal também encontrou documentos que indicam que o sistema de inteligência da Abin foi usado indevidamente para monitorar uma promotora de Justiça do Rio de Janeiro que investigou o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Um currículo da promotora teria sido achado na Abin.
“Verifiquei que não tem nada a ver com o sistema. É um currículo da promotora e parece que uma informação que circulou aí”, alegou. “A inteligência é coleta de dados e informações. Se tem no servidor e eu não sei quem acessou, tem que verificar a Polícia Federal quem alimentou, quem retirou, quem colocou, quem é a pessoa que botou o currículo da promotora e perguntar a essa pessoa o porquê.”
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