Ramagem rebate acusações de ter integrado ‘Abin paralela’ e atribui culpa a ex-diretor

Ex-delegado da PF comandou a ABIN de fevereiro de 2019 até abril de 2022. Em vídeo no Instagram, ele diz que nunca determinou nenhum monitoramento da agência e acusa ex-diretor

PUBLICIDADE

Foto do author André Shalders

BRASÍLIA - Ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) no governo de Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem disse, em vídeo publicado no Instagram neste sábado, 3, que nunca ordenou nenhum monitoramento de autoridades usando o sistema First Mile enquanto chefiou a agência. O First Mile é um equipamento de espionagem que invade as redes das operadoras de telefonia para determinar a localização aproximada de um aparelho celular – e, por extensão, do seu proprietário. Em janeiro deste ano, a Polícia Federal (PF) chegou a cumprir mandado de busca e apreensão em endereços de Ramagem, por suspeita de uso ilegal da ABIN no monitoramento de adversários políticos da família Bolsonaro.

O ex-diretor da ABIN sob Jair Bolsonaro e hoje deputado federal, Alexandre Ramagem Foto: ESTADAO

PUBLICIDADE

Na publicação do Instagram, Ramagem diz que nunca determinou nenhum monitoramento usando o First Mile e nem mandou apagar os logs (registros) de uso do sistema. Ele também afirma ter mandado fazer uma revisão geral dos processos e ferramentas da ABIN logo no começo da sua gestão, seguida de uma apuração específica sobre o uso do First Mile por parte do Departamento de Operações da agência. Ramagem também diz, sem citá-lo nominalmente, que quem controlava o uso do First Mile à época era o ex-secretário de Planejamento e Gestão da agência, Paulo Maurício Fortunato Pinto. Ele foi exonerado do cargo em outubro do ano passado, após a PF apreender 171,8 mil dólares em dinheiro vivo na casa dele.

“Então, na gestão Lula, quem é que voltou para a alta administração da ABIN? A pessoa, o oficial de inteligência (Paulo Maurício Fortunato Pinto), que eu havia exonerado. Ele voltou numa posição superior. Na posição de Secretário de Planejamento e Gestão. A função que eu tinha pedido, que faz todas as averiguações”, diz ele.

“Com base em notícias de operações da Polícia Federal, é ele quem tem suspeitas de estar apagando logs (registros). As notícias, quando cumpriram mandado de busca na casa dele, foi lá que encontraram 170 mil dólares (USD), quase R$ 1 milhão. Então, aqui você está verificando quem é a ABIN paralela”, diz Ramagem. A reportagem do Estadão não conseguiu contato com Fortunato Pinto.

Publicidade

Nesta sexta-feira (03) veio a público uma lista de autoridades que teriam sido monitoradas de forma ilegal pela ABIN. A relação inclui ministros do Supremo Tribunal Federal, como Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes; ex-ministros do governo Bolsonaro, como Abraham Weintraub (Educação) e Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública); e congressistas, como o deputado Kim Kataguiri (União-SP) e os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), dentro vários outros. A PF não confirma a relação.

“O sistema First Mile é um sistema que não faz interceptação. É um sistema que não entra em conversas, é um sistema que faz geolocalização grosseira, assim como os Estados faziam na época da pandemia para verificar onde estavam as pessoas. Diversas instituições possuem e utilizam ferramentas como o First Mile e outras”, diz Ramagem no vídeo. “Agora, se essa utilização não é bem discriminada, não é individualizado do porquê da utilização, se não há fundamentação no interesse público, a utilização está irregular. Está ilícita”, diz.

Após ordenar uma revisão geral dos processos da ABIN – órgão que funcionava de maneira “analógica”, segundo ele – Ramagem diz ter pedido uma investigação específica sobre o uso do First Mile. Paulo Maurício Fortunato Pinto, à época à frente do departamento que utilizava o sistema, teria se recusado a prestar informações detalhadas. “Exoneramos o diretor de operações em razão do (uso do) First Mile. Logo em seguida, nem uma semana depois, em 30 de agosto de 2021, elaborei determinação em ofício à corregedoria da ABIN, para verificação em conformidade de contratação do First Mile, exclusivamente. (...) tendo em vista a maior sensibilidade do seu objeto em comparação com todos os demais”, diz ele.

Pouco depois, diz Ramagem, chegou até ele um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que incluía indícios de mau uso do First Mile. O PAD é a investigação interna de um órgão público para apurar irregularidades, e pode resultar até mesmo na demissão de um servidor, entre outras consequências. “Nesse PAD, havia menção de irregularidade do First Mile. Então, além da auditoria geral que culminou no meu pedido de investigação própria do First Mile, eu ainda, num PAD, tendo notícia, pedi para abrir 3 outras sindicâncias investigativas, isso em setembro de 2021″, diz Ramagem.

Publicidade

Hoje deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro, Ramagem deve prestar depoimento à PF sobre a “ABIN paralela” no dia 27 de fevereiro. A investigação sobre o mau uso da agência durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) é conduzida por meio de um inquérito no Supremo Tribunal Federal, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.

No vídeo, Ramagem diz ainda que a Polícia Federal não tem provas do envolvimento dele com o uso irregular do First Mile. “Pergunto à Polícia Federal. Há alguma notícia de que eu pedi ou fiz, apaguei logs (registros) do sistema? Não, não há. Não tem. O sistema não foi comprado por mim, e eu que fiz todas as auditorias do sistema”, diz ele.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.