BRASÍLIA - A reação do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos à morte do ex-oficial da Polícia Militar do Rio Adriano Magalhães da Nóbrega, conhecido como “capitão” Adriano, faz parte de uma guerra de narrativas que envolve a família Bolsonaro e seus opositores. Na prática, o círculo próximo do presidente avalia que ele se adiantou a uma possível exploração política do caso por parte dos governadores adversários Rui Costa (PT), da Bahia, e Wilson Witzel (PSC), do Rio.
Policiais que respondem aos dois governadores conduziram a operação de busca que terminou com a execução de “capitão” Adriano. Oficialmente, não há informações sobre a atuação de agentes federais nas investigações da morte do ex-policial acusado de chefiar a milícia “Escritório do Crime”, radicada na favela de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. No ano passado, ex-policiais militares acusados de fazer parte da organização criminosa foram presos na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), adversária política dos Bolsonaro.
O presidente e os filhos têm dito que existe potencial de “armação” contra eles na apuração da morte de Adriano e de seu elo com a milícia de Rio das Pedras e organizaram uma ofensiva de ataque. Há vínculos entre o miliciano morto e a família Bolsonaro, embora todos neguem que tenham ciência de qualquer atividade criminosa.
Nóbrega era parceiro de batalhão de Fabrício Queiroz, o ex-PM que virou assessor do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e comandava, segundo o Ministério Público do Rio, um esquema de lavagem de dinheiro e peculato a partir da prática de “rachadinha” – nome popular para a apropriação de parte dos salários de servidores nomeados em gabinetes parlamentares. Quando o senador era deputado estadual no Rio, parentes de Adriano foram empregados em cargos de confiança no gabinete de Flávio. Além disso, o ex-policial -- que foi da tropa de elite da PM do Rio, o Batalhão de Operações Especiais (Bope), recebeu homenagem dos Bolsonaro em discursos no Legislativo, apesar de suspeito de cometer crimes enquanto vestia a farda.
O presidente tem sido abastecido pela rede de policiais fiéis à família com informações da investigação. Dias depois de a revista VEJA publicar fotos com detalhes periciais que lançaram dúvida sobre a circunstância da morte -- a versão oficial é que houve uma troca de tiros --, tanto Bolsonaro como Flávio deram sinais de acesso privilegiado a dados do inquérito. O pedido de nova autópsia por parte do Ministério Público da Bahia, por exemplo, foi antecipado pelo presidente e o senador publicou nas redes sociais um vídeo mostrando o corpo manipulado por legistas no Instituto Médico Legal. O ato do senador pode ser considerado um crime por expor o cadáver, avaliou o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas Michael Mohallem. "Agride a memória do morto", afirmou ele.
O Estado apurou que Bolsonaro concordou com a postagem do vídeo, sugerindo que Adriano foi torturado antes de ser morto, versão descartada pela necrópsia oficial.
Com receio do que pode surgir, o clã Bolsonaro passou a cobrar publicamente, depois de alguns dias de silêncio, a preservação do cadáver. Além de uma necropsia “independente”, eles também pedem uma “perícia imparcial” nos 13 aparelhos de telefone celular e sete chips apreendidos. Lançam de antemão, ainda, suspeitas sobre dados que poderão ser extraídos desses telefones, atualmente sob custódia do Ministério Público do Rio, responsável pela Operação Intocáveis. Não é só: com a estratégia, o próprio presidente ajuda a difundir dúvidas sobre o que ocorreu na cena do crime, a partir das lesões encontradas no corpo, que podem indicar não apenas um tiroteio com resistência à prisão, mas indícios de um assassinato e até tortura.
Para o advogado Paulo Emílio Catta Preta, representante da família de Adriano em Brasília, o laudo pericial contém uma “coleção de estranhezas” e “reforça a possibilidade de execução”. O defensor citou até mesmo uma perfuração no pescoço, um corte no tórax, outro na testa -- “a sugerir uma coronhada”, de acordo com ele --, sete costelas quebradas, além de marcas na pele que podem ter sido provocadas pelo contato do cano de armas longas com o corpo, um indicativo de tiros a curta distância.
Catta Preta advoga em Brasília e nega contato com os Bolsonaro, embora os discursos estejam afinados em alguns pontos, como na defesa da preservação do corpo -- inicialmente, a família havia optado pela cremação, como seria desejo do ex-integrante do Bope -- e de uma nova perícia.
Apesar de idas e vindas e também de decisões contraditórias das Justiças do Rio e da Bahia, a federalização do crime, por enquanto, não está na ordem do dia do governo, tampouco da família. Se isso ocorresse, faria com que a Polícia Federal -- subordinada ao ministro da Justiça, Sérgio Moro -- entrasse na investigação. Guardiã dos segredos e da intimidade de Adriano, a viúva Júlia Emília Mello Lotufo não pediu proteção ao governo federal nem à do Rio, de acordo com o advogado Paulo Emílio Catta Preta./COLABOROU TÂNIA MONTEIRO.
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