O Partido Social Democrático (PSD), legenda que elegeu o maior número de prefeitos no pleito municipal, avançou principalmente sobre redutos consolidados do União Brasil, MDB e PSDB, de acordo com levantamento do Estadão. A análise levou em consideração as fusões e incorporações partidárias, além dos resultados das eleições municipais desde 2000 —no gráfico abaixo, o tamanho dos círculos corresponde ao tamanho do eleitorado de cada município.
Entre as 887 prefeituras conquistadas pelo PSD (segundo o resultado divulgado oficialmente pelo TSE), 236 eram gerenciadas há 12 anos ou mais por um dos três partidos. Proporcionalmente, 26,61% dos prefeitos vencedores pelo PSD em 2024 elegeram-se em municípios tradicionais do MDB, PSDB e União Brasil (neste caso, considera-se também DEM e PSL, partidos que formaram o União Brasil por meio de uma fusão em 2021).
O maior prejudicado entre as siglas foi o PSDB, que teve 102 redutos capturados, principalmente no interior de São Paulo, região histórica de atuação tucana. A “desidratação” partidária para a legenda de Gilberto Kassab, entretanto, começou já após a eleição de 2020, quando prefeitos eleitos pelo PSDB migraram para o PSD visando disputar a reeleição com mais chances de vencer.
O presidente nacional do PSDB, Marconi Perillo, afirmou que essa movimentação entre as duas siglas minou a atuação do partido em São Paulo, mas sua avaliação do pleito ainda é positiva. “Nós saímos muito mal das eleições de 2022. Perdemos o governo de São Paulo depois de 28 anos, sete mandatos consecutivos. E, consequentemente, logo em 2023, perdemos quase todos os nossos prefeitos. Nós elegemos 174 prefeitos em São Paulo e ficamos com 23 (em 2020). Com isso, reduzimos muito o número de prefeitos no PSDB. Em todo o Brasil, foram eleitos 525 em 2020 e sobraram 296,” afirmou Marconi.
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Essa estratégia de migração partidária utilizada pelo PSD é uma das técnicas mais efetivas de expansão eleitoral, segundo a coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (Lappcom), Mayra Goulart. A pesquisadora acrescenta que, para este ano, o PSD priorizou candidaturas mais plurais, que pudessem abarcar grande parte do eleitorado da centro-direita e centro-esquerda. “O PSD montou nominatas com bastante maleabilidade, com pessoas de diferentes perfis ideológicos. Então é um partido que tem como estratégia a maximização eleitoral nos diferentes territórios do Brasil,” explica Mayra.
O MDB, partido que desde a redemocratização liderou em número de prefeituras, viu a maior parte dos redutos serem absorvidos pelo PSD no Paraná e em Santa Catarina. No total, o MDB perdeu 88 municípios para o partido de Kassab, sendo que 63 estão nas regiões Sul e Sudeste do país.
A queda de braço entre PSD e MDB pelo maior número de prefeituras é uma “verdadeira competição”, segundo o cientista político e coordenador do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), Vinicius Alves. Para ele, o MDB divide espaço na arena municipal com outros partidos de centro há alguns anos, e essa tendência de embate direto entre as grandes legendas vem crescendo nas últimas eleições.
O pesquisador, por outro lado, ressalta que os emedebistas ainda preservam uma competitividade significativa no plano nacional. Por mais que o MDB tenha perdido o posto de sigla com maior número de prefeituras, o partido cresceu em relação ao pleito de 2020, quando elegeu 793 prefeitos em todo o País. Neste ano, o MDB angariou mais 63 prefeituras, chegando a 856 municípios —e venceu no voto popular em São Paulo pela primeira vez.
Para Mayra Goulart, o MDB é mais uma aglutinação de lideranças locais do que uma agremiação com uma identidade ideológica demarcada. “Isso é uma opção que aumenta as possibilidades de lideranças locais fazerem arranjos de diferentes matizes, ou seja, coligações e alianças com diferentes partidos em cada município, em cada Estado, sem um alinhamento, uma vertebração ideológica ou nacional,” afirma a especialista.
Essa estratégia mais territorializada, na visão de Mayra, caracteriza também o PSD, mas a diferença entre as siglas está na figura centralizada de Kassab. “Então, diferentemente do que ocorre no MDB, quando há um conflito entre lideranças, esse conflito tende a escalonar, porque não tem um líder nacional que consiga centralizar a decisão, dizer quem está certo, quem está errado. O PSD funciona melhor porque, além de ter essa maleabilidade ideológica, ele se apropria de lideranças locais através de um cacique centralizado, que é o Kassab, que organiza os conflitos e as questões dentro do partido”, avalia a especialista.
O presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, foi procurado pela reportagem e não comentou o avanço do PSD em redutos consolidados do partido.
A terceira sigla mais atingida foi o União Brasil, com 46 redutos subtraídos pelo PSD, principalmente em Minas Gerais e Bahia. O vice-presidente do partido, ACM Neto, avalia positivamente a eleição para a legenda, que conquistou 584 prefeituras. “Nós elegemos quase 600 prefeitos em todo o país. Saímos com o número de prefeitos maior do que entramos no dia 6 de outubro. Então, eu acho que o partido saiu mais forte do que entrou e passou bem pelo seu primeiro teste nas urnas, considerando eleições municipais, especialmente porque essa foi a primeira eleição após a criação da União Brasil. Isso tudo amplia e fortalece a nossa expectativa sobre o futuro do partido,” analisa o ex-deputado e ex-prefeito de Salvador.
Questionado sobre o avanço do PSD em regiões da Bahia, berço político de ACM Neto, o vice-presidente da sigla disse que “não olha para o quintal do vizinho” e que prefere atentar às metas atingidas pelo União Brasil nesta eleição.
“Eu não vejo o PSD como nosso adversário. E o PSD tem uma dinâmica, uma lógica que não é exatamente a do União Brasil. Eu penso que o União, olhando para 2026, é um partido que tem uma relevância muito grande, seja para um projeto nacional, seja para os projetos estaduais. Então, não vou ficar olhando para o quintal do vizinho. A gente tem que olhar pro nosso. E todas as metas que nós estabelecemos foram alcançadas. Eu acho que o desempenho que o partido teve nas grandes cidades, nas capitais, é algo que projeta o partido com a força que precisa ter para 2026”, completou ACM Neto.
Um partido que ‘nunca teve crise’
Na avaliação de Vinicius Alves, coordenador do Ipespe, o grande triunfo do PSD neste pleito foi ter crescido em espaços mais pesados do arranjo federativo. Esse avanço na composição de prefeituras, juntamente com os vereadores eleitos, deixa o caminho ainda mais pavimentado para as eleições ao Parlamento e à Presidência em 2026, segundo o pesquisador. “Se o partido cresce em estados que têm mais cadeiras para deputado federal, por exemplo, muito provavelmente na eleição seguinte os votos para o Congresso serão puxados por prefeitos e vereadores”, explica Alves.
Em entrevista ao Estadão logo após o primeiro turno, o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, revelou o desejo de lançar o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), como candidato à Presidência da República em 2026. “Se nós tivermos um candidato, é o Ratinho. Nenhuma decisão, mas o que eu posso afirmar é que se a gente tiver, será ele. A não ser que ele não queira”.
Kassab, que também é secretário de Governo de São Paulo na gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), festejou o saldo positivo do PSD nas eleições deste ano: “Este é um partido que nunca teve crise”.
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