Por desrespeitar "o direito à vida", a TV Globo foi condenada pela Justiça de São Paulo por ter noticiado um seqüestro em andamento, apesar dos apelos da família da vítima. Em março do ano passado, o menino Gonçalo Lara Campos Matarazzo, de 12 anos, filho do empresário Luiz André Matarazzo, de 52, ficou quatro dias em poder de seqüestradores. O bando libertou-o após pagamento do resgate de R$ 100 mil. A Globo foi processada pelo empresário na 17ª Vara Cível da capital. O juiz Teodozio de Souza Lopes considerou na sentença que a emissora "expôs de forma irresponsável e dolosa (com intenção) a vida de uma criança que estava em cativeiro, desrespeitando o direito à intimidade dela e da família". O valor da condenação será apurado por peritos. O magistrado determinou à Globo que pague o correspondente ao tempo que usou para noticiar o seqüestro. A perícia vai determinar o valor comercial do minuto e do segundo na emissora, que apresentou o crime por duas vezes no Jornal Nacional e uma vez no Jornal Hoje. "A ré (Globo) não tem o direito de, se escudando na liberdade de imprensa, violar a intimidade das pessoas, já vítimas de um crime", diz a sentença. Gonçalo foi seqüestrado com o pai - primo do senador Eduardo Suplicy (PT) -, por volta das 17 horas, em 6 de março de 2000, quando os dois iam para Indaiatuba, no interior do Estado, jogar pólo. Três homens fortemente armados interceptaram o carro importado, na estrada do Fogueteiro. Os bandidos libertaram o empresário para que reunisse o dinheiro do pagamento. Antes de ser solto, Matarazzo levou um tiro na perna. Segundo a ação de indenização, movida pelo advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, o empresário identificou-se para o bando como Lara, sobrenome da mulher, Taísa, para esconder o sobrenome Matarazzo, associado a poder e riqueza. O empresário afirma que, quando libertado, procurou diversos representantes da Globo. Teria sido tratado com "desdém e impiedade" e informado de que o caso iria para o ar. O Jornal Nacional revelou aos seqüestradores o sobrenome do menino. Os bandidos questionaram o garoto. Sem saber que o caso havia sido divulgado pela Globo, Gonçalo insistiu no Lara. Foi deixado sem água e sem comida até o dia seguinte, quando confessou ser um Matarazzo. Outras emissoras de TV e jornais respeitaram o pedido da família e não noticiaram o caso. Uma testemunha da Globo no processo afirmou que a rádio CBN e o jornal O Globo já haviam divulgado o crime. No entanto, ambos pertencem ao mesmo grupo. "Não há de se confundir interesse público com interesse do público", assinalou o juiz na sentença. O advogado da Globo Luiz de Camargo Aranha Neto recorreu da condenação ao Tribunal de Justiça. A emissora defende que o seqüestro é um "fato jornalístico" e passível de livre divulgação - o que até ajudaria na solução do caso. A Globo informou ainda que é "dona da própria ética" e não teve intenção de prejudicar as vítimas. O advogado dos Matarazzos também recorreu para que o valor da indenização seja maior e para que a emissora seja obrigada a divulgar a íntegra da sentença duas vezes no Jornal Nacional e uma no Jornal Hoje.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.