Qual reforma administrativa pode ajudar a mudar o Brasil? O governo está propondo inchar a Constituição com mais e mais normas sobre RH público. Nenhuma com efeito presente. Algumas de aprovação quase impossível. Com promessas vagas, algumas perigosas ou confusas, lançam-se dúvidas e incertezas sobre gerações futuras de servidores e abre-se espaço para constitucionalizar as distorções já existentes.
Tanto que não demorou para várias corporações pegarem carona nas discussões ainda na CCJ e pedirem mais vantagens, cravando-as na Constituição. Avançar nesse caminho é impossibilitar uma reforma necessária e urgente.
O inchaço adicional da Constituição, gravando em pedra privilégios inaceitáveis e consolidando a injustiça e a desigualdade dentro e fora do setor público, é uma afronta à realidade que vivemos, com os pobres sofrendo mais que os outros – sobretudo na pandemia.
Nenhum esforço de reforma – um trabalho de anos – terá bons resultados sem igualmente boas bases. Já tratamos disso em artigos aqui no Estadão e hoje reafirmamos alguns pontos.
Reforma administrativa não tem de ser contra ninguém e, sim, a favor da qualidade dos serviços, em especial para quem mais depende deles. Tem de ser ampla, sem criar diferenças entre atuais e futuros servidores.
Tem de reconhecer e estimular o bom trabalho dos servidores que fazem diferença para as políticas públicas e a população. Não é preciso acabar com a estabilidade constitucional. Não está nela a raiz principal dos nossos problemas. Mesmo porque a Constituição já autoriza a dispensa por irregularidade ou improdutividade reiterada, mesmo de servidores estáveis.
Faltam apenas leis e iniciativas governamentais para regular de modo justo e impessoal as avaliações de desempenho. Elas – e não o lobby corporativo ou o simples tempo de serviço – é que têm de nortear a evolução funcional, inclusive dos servidores atuais. Isso já está na Constituição. Modelo consagrado, já existe mundo afora. Mas falta regulamentar aqui.
Falta combater as enormes desigualdades dentro da máquina estatal. A gestão de pessoal em educação, assistência, saúde pública, cultura e meio ambiente funciona à base de improvisos e precariedades, enquanto serviços burocráticos pagam remunerações e indenizações sem limites, mesmo a integrantes improdutivos.
Passou pelo Senado, e agora depende da Câmara, o projeto de lei (PL) 6.726/2016, que torna efetivo o teto de ganhos dos agentes estatais. Falta colocá-lo em pauta.
Falta recrutar de forma eficiente. A Constituição exige concurso para servidores permanentes, o que é correto. Ela não é a responsável por falhas que leis e boas práticas podem evitar. Na Câmara, o relator do PL 252/2003 tenta construir uma regulação geral dos concursos. Por que não focar na melhoria deste projeto?
Falta dar espaço para formas alternativas de trabalho para o setor público. São importantes e têm de crescer. Organizações do terceiro setor têm ajudado as administrações em boas experiências de processos seletivos por competências para cargos em comissão, evitando escolhas arbitrárias. Por que não ampliá-las?
O número de temporários contratados vem crescendo, sobretudo nos Estados e municípios. É inevitável. Falta melhorar a segurança e governança dos contratos. Cabe à União editar normas gerais sobre contratações públicas. Por que não faz uma lei geral sobre os temporários?
São exemplos de reformas realistas e de grande impacto. Elas podem ter impacto fiscal no longo prazo, liberando recursos para investimentos sociais e contribuindo para o desenvolvimento acelerado e inclusivo. Por que insistir em um caminho complexo e fadado ao fracasso?
*ANA CARLA ABRÃO, ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN
*ARMÍNIO FRAGA, EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL
*CARLOS ARI SUNDFELD, PROFESSOR TITULAR DA FGV DIREITO SP
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