Reforma tributária: Aliados de Lula e de Bolsonaro disputam ‘paternidade’ da isenção da carne

Imposto zero em proteína animal era encampado por representantes do setor e obteve apoio de governistas e da oposição, que agora travam embate sobre autoria da medida

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Foto do author Juliano  Galisi
Atualização:

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 10, o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária. Um dos principais entraves nas negociações da proposta era a inclusão ou não de proteínas animais na cesta básica de produtos isentos de impostos. O embate, que contrapôs técnicos do Ministério da Fazenda à pressão do setor de alimentos e da bancada do agronegócio, obteve o apoio tanto de governistas quanto de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que agora disputam a “paternidade” da medida.

Os parlamentares de oposição argumentam que o governo, inicialmente contrário ao tema, cedeu à proposta diante de uma derrota iminente. Além disso, ressaltam que o destaque ao projeto de lei que incluiu a carne na cesta isenta de impostos é de autoria de Altineu Côrtes (RJ), líder do PL na Casa. Os governistas, por outro lado, destacam que a medida obteve apoio explícito do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de ter sido viabilizada pela relatoria do petista Reginaldo Lopes (MG).

Câmara aprova texto base da reforma tributária e apoiadores de Lula e Bolsonaro iniciam embate sobre 'paternidade' da isenção a carnes Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

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Lopes já havia ampliado a cesta básica com imposto zero incluindo itens como óleo de milho, aveia e farinhas. As carnes, na proposta inicial, constavam em uma categoria com desconto de 60% no Imposto de Valor Agregado (IVA). No entanto, houve mobilização para que proteínas animais fossem contempladas com a isenção. A medida encampada por representantes do setor, como a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Associação Brasileira dos Frigoríficos Brasileiros (Abrafrigo), que atuaram com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). A pauta também foi reivindicada por parlamentares de oposição.

Os técnicos da Fazenda, por outro lado, resistiam à proposta. Segundo cálculos da pasta comandada por Fernando Haddad, a desoneração de proteínas animais poderia aumentar em mais de 0,5 ponto porcentual a alíquota final do IVA. Esta também era a posição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Entretanto, à revelia da posição defendida por seu ministério, Lula afirmou ser favorável à medida. Em entrevista à Rádio Sociedade no início do mês, o petista defendeu uma diferenciação dos cortes que seriam contemplados com a isenção. Para o presidente, consumidores de carnes nobres poderiam pagar “impostozinho”, enquanto peças “do dia a dia”, não.

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Eu acho que nós temos que fazer uma diferenciação. Tem vários tipos de carne: você tem carne chique, de primeiríssima qualidade, que o cara que consome ela pode pagar um impostozinho (...) Tem outro tipo de carne que é a carne que o povo consome. Frango, por exemplo, faz parte do dia a dia brasileiro. Ovo faz parte do dia a dia brasileiro

Lula, presidente da República, em entrevista à Rádio Sociedade em 2 de julho

Após as declarações, a bancada governista passou a avalizar a isenção das carnes e o destaque de Altineu Côrtes foi aprovado por 477 votos a favor, três contra e duas abstenções, obtendo o apoio de todas as siglas. O relator Reginaldo Lopes, durante a votação, pontuou que a sugestão sobre proteínas animais era oriunda de “vozes das ruas” e foi acolhida “em nome de todos os líderes”.

Autoria da medida divide redes sociais

Após a aprovação, teve início um embate sobre a “paternidade” da proposta, tanto em discursos no plenário quanto na repercussão nas redes sociais. Jandira Feghali (PCdoB-RJ), discursando pelo governo, atribuiu a Lula a inclusão da demanda na Congresso. “É muito fácil a oposição, agora, dizer que foi ela que conquistou (a isenção das proteínas animais). Não é verdade; eles votaram contra a reforma tributária o tempo inteiro e têm nas suas costas a fila do osso sem carne para o povo brasileiro”, afirmou a deputada federal.

Em publicação no X (antigo Twitter), Jandira afirmou que a carne isenta se deve a “uma batalha conjunta de diversos líderes”, somada ao “empenho pessoal do presidente Lula”.

Ainda em plenário, o discurso de Jandira foi rebatido por Rodolfo Nogueira (PL-MS), a quem o governo Lula só mudou de posição nos últimos instantes. “Vitória da oposição. Vitória do PL. Vitória da FPA”, disse. “Esse governo cometeu estelionato eleitoral: prometeu picanha e só entregou pé de frango. E agora, aos 45 minutos, vendo que ia perder de lavada, mudou seu voto.”

“Vitória das famílias brasileiras”, afirmou no X o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA, reforçando que lideranças do governo, inicialmente, haviam retirado a matéria da pauta. “O pobre vai comer carne sem mais impostos graças a Jair Bolsonaro, não a Lula”, disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

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O deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) também qualificou a aprovação da isenção como um dividendo da oposição. “Lula queria a carne com imposto”, disse o parlamentar no X.

Na mesma linha, para Mário Frias (PL-SP), deputado federal e ex-secretário de Cultura de Jair Bolsonaro, foi “o trabalho da oposição” que pesou para a inclusão da carne na cesta isenta. “A direita pressionou”, disse o deputado federal Éder Mauro (PL-PA).

Entre os governistas, houve aclamação ao papel de Lula na articulação do pedido. Para Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT e deputada federal pelo Paraná, a regulamentação aprovada na Câmara é uma “reforma tributária do Lula”. A atuação do presidente também foi reforçada por Lindbergh Farias (PT-RJ), a quem a aprovação foi uma vitória “do governo”.

O Presidente da Casa, Arthur Lira (PP), por sua vez, minimizou o embate sobre a autoria da medida, reforçando que a aprovação foi obtida por meio de consenso entre os pares da Casa. “(O acordo) foi fechado ali dentro no plenário. Os líderes embaixo, depois vários subiram (à Mesa Diretora) na reta final, antes da votação dos destaques”, disse. “Eu acho que a posição é errada na alíquota e é certa com relação ao que eles pensam em itens da cesta básica. Quem manda nas discussões da Casa são os parlamentares.”