Relatório da Defesa requenta tese antiga de ministro contra urnas; entenda em 10 pontos

Ministro da Defesa havia falado antes das eleições do risco de ‘código malicioso’ e voltou a usar o argumento no relatório entregue ao TSE, mesmo sem provas para sustentar que exista de fato algo errado

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Foto do author Francisco Leali
Atualização:

BRASÍLIA - O relatório produzido pelo Ministério da Defesa com o resultado da fiscalização das urnas eletrônicas tem mais de 5 mil palavras reunidas em 22 páginas de texto. O termo “fraude” não consta no documento. E quando citam “crimes eleitorais” os militares avisam que o trabalho deles não tratou disso.

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O ponto mais sensível, a menção ao suposto risco de um “código malicioso” poder alterar o funcionamento dos equipamentos de votação, foi copiado de uma apresentação que o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, fez ao Senado em julho deste ano.

Antes mesmo que os militares tivessem examinado as urnas ou visitado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para conhecer os programas que fazem o equipamento funcionar, Nogueira já falava dos riscos que poderiam ocorrer no pleito sob alegação de que nenhum sistema é 100% seguro.

Assim, a ‘ameaça’ levantada em julho reapareceu no relatório final das Forças Armadas como uma possibilidade que os militares não poderiam descartar, mesmo sem ter provas para sustentar que algo errado pudesse acontecer durante a votação.

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Imagem da apresentação do ministro da Defesa no Senado em julho com referência a "código malicioso" Foto: Reprodução

Quando falou aos senadores, ainda em 14 de julho, o ministro da Defesa via risco em todas as fases da votação. Levantou dúvidas sobre a segurança da urna reproduzindo o discurso do presidente Jair Bolsonaro que, na época, atacava o sistema eletrônico. Na apresentação, o general traduziu assim o que é um “código malicioso” (malware): “Um programa que é inserido em um sistema, usualmente às escondidas, com a intenção de comprometer a confidencialidade, a integridade ou a disponibilidade dos dados, aplicações ou sistema operacional da vítima”.

Ao apresentar de novo a ameaça de “código malicioso” no relatório entregue ao TSE, segundo apurou o Estadão, ministros da Corte interpretaram como mais um gesto do general para atender Bolsonaro, que tinha o documento como última oportunidade de contestar a derrota para o petista Luiz Inácio Lula da Silva.

O coronel Marcelo Nogueira de Souza (à esquerda) e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, participam da sessão realizada pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) no Senado, convocada pelo senador bolsonarista Eduardo Girão (à direita) em 14 de julho. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Na audiência, Paulo Sérgio Nogueira disse que para evitar os riscos de inserção do “código malicioso”, as Forças Armadas estavam sugerindo que fosse realizado, no dia da votação, um teste com a participação dos eleitores. Eles seriam convidados a emprestar sua digital para acionar uma urna numa espécie de votação paralela para fins de testagem do sistema.

Imagem da apresentação feita pelo ministro da Defesa em julho no Senado Foto: Reprodução

Na época, o então presidente do TSE, ministro Edson Fachin, resistiu à ideia. Um mês depois, ao assumir a direção do tribunal, o ministro Alexandre de Moraes concordou com o pedido da Defesa e instituiu um programa piloto nos moldes que foram solicitados pelos militares.

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No primeiro e no segundo turnos do pleito, a “votação paralela” foi realizada sob o nome oficial de “Projeto Piloto com Biometria”. Mas o relatório final das Forças Armadas diz que ele não serviu. Os militares alegam que o número de eleitores que aceitaram participar foi baixo.

“Na vertente dos mecanismos de fiscalização do sistema no momento da votação, a incapacidade de o Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria reproduzirem, com fidelidade, as condições normais de uso das urnas eletrônicas que foram testadas não permite afirmar que o SEV (sistema eletrônico de votação) está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”, diz o relatório.

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, em visita ao TSE em setembro. Foto: Wilton Junior/ Estadão

O material que foi apresentado ao Tribunal com a assinatura do ministro da Defesa e mais três oficiais sustenta que não foi possível encontrar evidências de que as urnas estão imunes a falhas. Mas também não apresentam provas de como elas podem ter falhado.

No plano original definido pelo próprio Ministério da Defesa ainda em agosto deste ano, ao final da fiscalização, a equipe de oficiais encarregados da tarefa deveria produzir um “relatório executivo” apontando “achados”que deveriam ser classificados como “falhas” ou “vulnerabilidades” encontradas. O documento ainda teria que indicar uma avaliação de risco para a eleição.

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A versão que foi entregue à Corte eleitoral ganhou outro nome: “relatório técnico”. Ela lista sete etapas diferentes da fiscalização e em nenhuma delas há qualquer menção a provas de que ocorreram falhas durante a votação e apuração em ambos os turnos. O relatório acaba por admitir que parte dos testes acompanhados pelos militares mostraram que não houve falha alguma e que os votos registrados em boletins de urnas auditados foram exatamente os mesmos que apareceram na totalização divulgada pelo TSE ao final da apuração.

Veja os principais pontos do relatório da Defesa:

1) Crimes eleitorais

O trabalho da equipe das Forças Armadas se restringiu à fiscalização das urnas “não compreendendo outras atividades, como, por exemplo, a manifestação acerca de eventuais indícios de crimes eleitorais”, diz o relatório.

2) Sugestão de aperfeiçoamento

Apesar de falar em supostos riscos, ainda que sem provas, o documento da Defesa indica que o trabalho de fiscalização foi apenas para “apresentar à Corte Eleitoral contribuições para um eventual aperfeiçoamento, de forma independente e isenta, sob a ótica de uma entidade fiscalizadora”.

3) Código-fonte

A equipe técnica militar foi ao TSE entre os dias 2 e 19 de agosto deste ano. O relatório registra que o TSE “definiu limites de acesso ao sistema, o que dificultou a análise dos códigos-fonte”. O documento conclui que “apesar de ter propiciado algum avanço na transparência do processo, (a análise do código-fonte) não foi efetiva para atestar o correto funcionamento do sistema.

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4) Lacração das urnas

Os militares sustentam que no momento da lacração dos sistemas que fazem funcionar as urnas foi preciso usar a rede interna do TSE para ter acesso aos programas. Para eles, isso pode configurar um risco à segurança, mesmo estando todo o ambiente restrito a servidores do próprio tribunal.

5) Preparação das urnas

Os miliares visitaram 16 tribunais regionais eleitorais para acompanhar as cerimônias de preparação das mídias que são usadas para carregar as urnas eletrônicas com o programa de votação. O relatório registra que tudo funcionou bem. “Diante do que foi analisado, não foram identificadas inconformidades nos trabalhos executados pelos TRE nas localidades visitadas durante a preparação das urnas em ambos os turnos”, diz o documento.

6) Sistemas no TSE e “zerésima”

Nos dias 1º e 29 de outubro de 2022, foram realizadas cerimônias de verificação dos sistemas computacionais utilizados nas eleições, instalados na sede do TSE. Nessa etapa também é emitida a zerésima para atestar que não há votos registrados nas urnas. Mais uma vez os militares não encontraram falhas, mas reclamaram que tiveram que assistir os testes por meio de um telão instalado no auditório do tribunal que exibia o trabalho dos servidores. “Terminais de consulta poderiam ter sido disponibilizados aos representantes das entidades fiscalizadoras de forma a possibilitar observar o correto funcionamento do sistema”, sugere o relatório.

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7) Teste de integridade

Os militares acompanharam testes de integridade das urnas realizados nos TREs e dizem não ter visto problemas. “O Teste de Integridade (sem biometria) não encontrou, em todos os TRE, inconsistências nas urnas escolhidas e sorteadas. Conclui-se que o Teste de Integridade foi realizado em conformidade com o previsto”, diz o documento.

8) Projeto piloto com biometria

Atendendo pedido das Forças Armadas, o TSE realizou uma votação paralela para testar as urnas eletrônicas no dia da votação no primeiro turno e repetiu no segundo. Os eleitores foram convidados a emprestar sua digital (registro biométrico) para acionar as urnas que estavam sendo testadas. Uma vez ligada, servidores da justiça eleitoral registravam votos na urna eletrônica e também em papel. Ao final, foi impresso boletim de urna e conferido se os votos digitados estavam corretamente registrados na memória da urna. Os militares acompanharam os testes, mas reclamaram que da “baixa taxa de adesão por parte dos eleitores”. A participação era voluntária. “O Projeto-Piloto com Biometria adotado pelo TSE, constitui um avanço no processo de fiscalização do SEV. No entanto, devido à adesão aquém da faixa percentual de 75% a 82% dos eleitores aptos nas seções eleitorais; ao número reduzido de urnas submetidas ao Projeto-Piloto; e à escolha não aleatória e com grande antecedência, foi um teste inconclusivo para a detecção de eventuais anomalias no funcionamento das urnas”, diz o relatório.

9) Checagem de boletins de urnas

Os militares acompanharam o resultado da votação em 462 seções eleitorais no primeiro turno e 501 no segundo. Compararam os votos registrados nos boletins impressos pelas urnas ao final da votação com os dados divulgados oficialmente pelo TSE sobre os votos das mesmas seções. Não foi encontrada qualquer falha. “Conclui-se que a verificação da correção da contabilização dos votos, por meio da comparação dos Boletins de Urna (BU) impressos com os dados disponibilizados pelo TSE, ocorreu sem apresentar inconformidade”.

10) Urnas velhas e novas

O relatório da Defesa não faz distinção sobre modelos mais antigos e mais novos de urnas eletrônicas que foram usados nas eleições deste ano.

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