Tão logo o Senado comece a funcionar plenamente após o segundo turno das eleições, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) terá uma tarefa espinhosa pela frente: ela é a relatora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que define mandatos fixos para o ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, a permanência termina compulsoriamente apenas quando o ministro completa 75 anos. O texto original do projeto que chegou às mãos de Tereza Cristina propõe mandatos de 8 anos.
Há poucos dias, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma série de medidas que limitam os Poderes da Corte. No Senado, os trâmites estão em ritmo mais lento. Tanto é que a senadora disse não ter pressa para concluir seu parecer e está estudando situações semelhantes em outros países. Ainda assim, acredita que terá seu parecer pronto até novembro.
“É um assunto muito importante para banalizá-lo, então eu quero ouvir bastante para poder depois ter a minha convicção. E além do mais, é um assunto que vai mudar muito a estrutura do Judiciário”, avisa.
Uma das representantes da bancada do agro, Tereza Cristina diz, em conversa com Estadão, estar muito preocupada com as queimadas nas lavouras que terão o plantio de grãos, como o milho, atrasado. De acordo com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), os prejuízos estão sendo estimados ao redor de R$ 13 bilhões.
Sobre o tema, ela critica o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que cuida das responsabilidade pelas queimadas. “Porque um produtor rural que entra fogo na fazenda dele e de outra propriedade, ou da beira da estrada, enfim, tem muitas variáveis aí nesse assunto, ele hoje já começa como réu. E com multas muito pesadas. Eu acho que o governo, primeiro, tem que ter estrutura, que não tem, né?”, disse, prosseguido: “Hoje nós temos um problema que não pode ser tratado de uma maneira simples e leviana, como vem sendo tratado”.
Na entrevista, ela revela também a decepção com a posição do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições em Mato Grosso do Sul, diz que houve erros por parte do PL nas eleições, que racharam os conservadores, mas afirmou que as arestas já foram aparadas.
Veja os principais trechos da entrevista:
A senhora tem pela frente um projeto bastante polêmico. Será a relatora da PEC que prevê um tempo de mandato para os ministros do STF. Tem prazo para o relatório?
Agora, logo após as eleições, do segundo turno, eu vou começar a fazer as audiências públicas, vou chamar pessoas ilustres para ouvir e poder fazer o meu relatório. Pretendo entregar o meu relatório até o final de novembro. Eu espero entregar isso e, aí, a CCJ que terá que votar e ver se dá tempo ainda esse ano para levá-lo ao plenário. Aí não depende de mim, depende do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e do Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) que é o presidente da CCJ.
A senhora tem alguma posição sobre isso?
Eu não gostaria de dar minha posição, porque eu vou ouvir ainda as pessoas. Claro que eu tenho algumas ideias, algumas coisas eu tenho de ler, estou lendo o que outros países fazem, como funciona, mas eu não quero dar minha posição porque eu preciso ouvir gente com experiência, com maturidade, com senioridade no assunto para eu formar a minha posição final nesse relatório. É um assunto muito importante para banalizá-lo.
O que a senhora achou da criação da CPI das Bets?
Ela vai ser implantada daqui a duas semanas e aí vão começar os trabalhos. Porque todo mundo ficou apavorado, realmente, com a proporção que esses bets (casas de aposta online) tomaram e também porque o governo não fez o seu papel.
O Congresso passou por quê? Porque ele queria que tivesse uma regulamentação. E aí, quando não se regulamentou, a lei passou e foi esse excesso aí, inclusive de empresas que não estavam regularizadas junto ao Banco Central, eram clandestinas. E essas empresas ganharam muito dinheiro. Eu acho que precisa ser investigado, precisa ir a fundo nisso e precisa ser regulamentado no Brasil para que isso tenha um limite, um freio.
Então faltou a mão do governo?
A hora que você regulamenta, teoricamente deveria você ter regras e pôr limites. Eu acho que isso vai ter que ser muito bem discutido e o governo tem que conscientizar as famílias, tem também que proteger a saúde mental das pessoas, ou nós vamos ficar com pessoas como verdadeiros zumbis que a gente vê em outros lugares do mundo.
A senhora manteve sua posição e seu apoio à candidata a prefeita e ex-governadora Adriane Lopes (PP), mesmo depois de o ex-presidente Jair Bolsonaro mudar de lado e compor com Beto Pereira (PSDB). Adriane agora foi para o segundo turno contra Rose Modesto (PSD). Bolsonaro subestimou sua força política no Estado?
Eu confesso que fiquei decepcionada (com Bolsonaro), na época. Mas agora já passou. Até falamos pelo telefone. Eu liguei para ele porque essa iniciativa deve partir de quem pede apoio. Acertamos tudo e está tudo bem. Acho que o PL cometeu vários erros nessa eleição, e não é só minha opinião. Temos ouvido isso em muitos lugares, inclusive aqui no Senado. Mas, enfim, agora é um novo tempo, rachamos a direita no Estado, vamos dizer assim, os conservadores, o centro de direita, nós rachamos, mas agora estamos numa hora de reconstruir.
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Em muitos municípios, principalmente capitais, esse bolsonarismo que as pessoas costumam chamar de bolsonarismo raiz não foi muito bem na eleição. As pessoas queriam uma coisa mais bem-termo?
Eu não sei te dizer. No nosso Estado, o Bolsonaro tem, sim, o seu eleitor, que ficou desapontado com ele, de não ter ficado desse lado, mas ele tem, no Mato Grosso do Sul, ele é um dos grandes apoiadores para qualquer candidato. Para o lado que ele for, ele leva muita gente. É ele, o governador (Eduardo Riedel, PSDB), que é muito bem avaliado, e eu. Somos os três que, na pesquisa pelo menos aparecia isso, mais influenciamos votos no Estado.
Eu confesso que fiquei decepcionada (com Bolsonaro), na época. Mas agora já passou. (...) Acho que o PL cometeu vários erros nessa eleição, e não é só minha opinião. Temos ouvido isso em muitos lugares
Tereza Cristina
Em algumas capitais, mesmo aqui em SP com Ricardo Nunes, que não é um bolsonarista típico, Bolsonaro ficou ausente. Não foi?
Eu acho que o Nunes tem o (governador) Tarcísio como padrinho. Esse é o padrinho dele: Tarcísio de Freitas.
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Poderia haver uma chapa em 2026, a senhora e o Tarcísio?
Vamos deixar, vamos ganhar 2024 agora, e depois nós vamos pensar em 2026.
Mas já tem gente, como o governador Caiado, dizendo que vai ser candidato em 2026.
É, ele já colocou, sim. Ele tem dito aí, sem nenhuma reserva, que é candidato. E eu acredito que seja, mas tem espaço para muita gente. Eu acho que agora, esse ano de 2025, vai ser o ano das grandes conversas, e o ano para se ter os candidatos para pleito de 2026. Presidentes, governadores. Eu acho que 2025 vai ser um ano de muita conversa política para 2026. De reagrupamento de partidos.
O que a senhora achou desse decreto do governo que prevê embargo da terra (em propriedade com queima não autorizada de mata nativa)?
Tem que ter uma regra que seja cumprida, né? Ou vira qualquer coisa. Esse decreto do Lula que prevê embargo da terra com queimadas acho que foi excessivo. Por que? Porque, da maneira que ele foi feito, ele está punindo o agricultor. Um produtor rural que entra fogo na fazenda dele e de outra propriedade, ou da beira da estrada, enfim, tem muitas variáveis nesse assunto, hoje já começa como réu. E com multas muito pesadas.
Eu acho que o governo, primeiro, deveria ter a estrutura que ele não tem para viver esse momento de crise hídrica, de mudança climática, que nós estamos vivendo no País. Nós temos que ter aviões, nós temos que ter brigadistas, sejam eles do governo ou voluntários treinados para isso, mas nós temos que ter alguma coisa a mais. Mas o governo não fez a sua parte, chegou atrasado nesse assunto. Agora, fazer um decreto só cobrando multa, não vai resolver.
Esse decreto do Lula que prevê embargo da terra com queimadas acho que foi excessivo. Por que? Porque, da maneira que ele foi feito, ele está punindo o agricultor
Tereza Cristina
Por quê?
Vai cobrar multa e aquele produtor, ele não é o autor do crime, vai ficar com a sua terra embargada? Ele vai ficar sem crédito até o governo descobrir que não foi ele quem fez? Nós temos que ter muito cuidado com isso. Eu não sou contra, eu acho que tem que criminalizar os incendiários, os que colocam fogo, seja ele fazendeiro, andarilho, ribeirinho, pescador, seja o que for.
Mas do jeito que o decreto está parece que vai criminalizar todo mundo?
As pessoas têm que ter responsabilidade com isso. Agora, nós não podemos criminalizar o produtor rural. O que eu mais tenho ouvido, o tempo todo, é que o produtor rural é a maior vítima disso. Quando você queima a terra dele, ele perde anos de trabalho, de matéria orgânica que ele colocou no solo para produzir, ele perde a cerca, ele perde o curral, ele perde até a casa muitas vezes. Eu vi pequenos produtores nessa situação, lá no meu Estado (Mato Grosso do Sul), que perderam a casa, o fogo entrou, e entrou da estrada, de outro lugar, foi levando tudo: casa, aviário, as pessoas perderam praticamente tudo.
E o decreto prevê multas para quem ateia fogo...
Sim. Hoje eles estão com essa multa e com o crédito impedido. Nós não podemos deixar acontecer. Nós temos que ter leis, temos que ser duros. Mas nós temos que saber de onde veio o fogo antes de culpar alguém e embargar essa terra.
Mas tem como saber isso?
Hoje nós podemos fazer isso, por quê? Porque tem os satélites. Então você sabe diariamente. Então você sabe onde começou o fogo. Se começou no vizinho, se começou na estrada, se começou na mata. Eu mesma estou com a minha propriedade queimando desde ontem. O fogo entrou pela fronteira com a Bolívia.
E a senhora?
Eu estava no plenário e me ligaram de lá apavorados. Já tinha brigadista, já tinha bombeiro, mas foi um fogo que entrou ali na divisa com a Bolívia, e pegou fogo na minha fazenda. Aí tivemos que fazer Boletim de Ocorrência (BO), tudo para ver se não vem para cima de mim. Não tenho o menor interesse em pôr fogo em lugar nenhum. Hoje nós estamos vivendo um momento muito difícil por conta da seca. E aqui em Brasília, mais de 165 dias sem chover (até quinta, antes da chuva na sexta-feira). Lá no meu Estado houve algumas chuvas, mas muito pequenas, que não foram suficientes para apagar o fogo lá no Pantanal.
E os prejuízos?
É imenso. As pessoas estão sem pasto, tem gado morrendo, não tem onde colocar, porque como pegou fogo no dele, no vizinho, sei lá quantos mil hectares, hoje está faltando pasto. Onde tem pasto está seco. Hoje nós temos uma complexidade em um assunto que não pode ser tratado de uma maneira simples e leviana, como vem sendo tratado. Isso é um assunto muito sério, muito grave, que afeta a vida das pessoas e da produção.
Quais são as previsões de prejuízos para o ano que vem?
Para ano que vem eu estou muito preocupada com as lavouras que tiveram seus solos queimados e que a matéria orgânica foi embora. Estou muito preocupada com o plantio que está tardio esse ano. Nós vamos atrasar a safra de milho que vem. Pode faltar milho, pode ter menos produção de milho. É uma cadeia de produção. Eu tenho aí grandes preocupações. Falam na CNA (Confederação Nacional da Agricultura) que já há levantamentos falando em R$ 13 bilhões (em prejuízo). Você tem que produzir, fazer alimentos não é uma coisa simples. Não é para amador, é para profissional.
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