Relembre o que diz a denúncia contra Bolsonaro que será julgada pelo STF

Denúncia da PGR narra que preparativos para tentativa de golpe tiveram início mais de um ano antes das eleições; após derrota nas urnas, entorno de Jair Bolsonaro mobilizou-se por ruptura institucional

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Foto do author Juliano  Galisi

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta terça-feira, 25, o recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete pessoas pela tentativa de golpe após as eleições de 2022.

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A denúncia foi fatiada em cinco núcleos, que serão julgados pela Primeira Turma, colegiado com cinco dos 11 ministros da Corte. O primeiro dos “núcleos” a ser julgado é chamado pela PGR de “núcleo crucial” e inclui, além de Bolsonaro, políticos próximos ao ex-presidente e militares de alta patente.

As defesas negam a participação dos denunciados em uma tentativa de golpe de Estado.

Paulo Gonet, procurador-geral da República Foto: Wilton Junior/Estadão

O julgamento desta terça analisará a abertura de ações penais contra Bolsonaro, Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência). “Deles partiram as principais decisões e ações de impacto social” para a tentativa de golpe, afirma a PGR.

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Ao todo, a PGR denunciou 34 pessoas pela tentativa de reverter o resultado da última eleição presidencial. Jair Bolsonaro, segundo a denúncia, foi o líder de uma organização criminosa que pretendeu romper a ordem institucional do País.

De acordo com as investigações, a trama golpista começou a ser planejada mais de um ano antes do pleito de 2022, com o uso indevido de órgãos públicos para a coleta de informações que descredibilizassem o sistema eleitoral brasileiro. Após a derrota nas eleições, o presidente e seu entorno planejaram um decreto que romperia com a ordem legal do País.

Uso da Abin

O levantamento de informações, mesmo que infundadas, sobre o sistema eleitoral, segundo a denúncia, constituiu “a primeira etapa de um plano de permanência no poder”.

De acordo com a investigação, a máquina pública foi aparelhada para a produção da narrativa contra as urnas eletrônicas. O principal articulador da empreitada foi o então diretor da Abin, Alexandre Ramagem, hoje deputado federal (PL-RJ).

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A Polícia Federal (PF) localizou arquivos no computador de Ramagem que indicam que o diretor da Abin instruía o presidente com informações infundadas sobre o sistema de votação eletrônico.

Segundo a PGR, Ramagem contou com “ação conjunta” do general da reserva do Exército Augusto Heleno. A PF, por exemplo, localizou na residência do chefe do GSI um dossiê de “diretrizes estratégicas” no qual foi registrado que era “válido continuar a criticar a urna eletrônica”.

Live de 29 de julho

A campanha contra as urnas ganhou corpo com uma transmissão ao vivo realizada por Jair Bolsonaro no dia 29 de julho de 2021. Para a PGR, ao participar da transmissão, o então ministro da Justiça, Anderson Torres, “contribuiu para a propagação de notícias inidôneas sobre o sistema eletrônico de votação”.

Na ocasião, Torres discorreu sobre recomendações de peritos da PF para aprimorar o sistema de votação. Mais tarde, em depoimento, o ministro admitiu que “não foi possível depreender do material que teve acesso a existência de fraude ou manipulação de voto”.

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A campanha contra as urnas continuou após a live de 29 de julho. Em entrevistas e em outras transmissões ao vivo, Bolsonaro voltou a atacar o sistema eleitoral e instituições do País. A tensão atingiu o ponto máximo em 7 de setembro, Dia da Independência: em discurso a apoiadores na Avenida Paulista, o então presidente afirmou que “não mais cumpriria” determinações de Alexandre de Moraes. No dia seguinte, recuou da declaração e pediu retratação ao ministro.

Reunião ministerial

A campanha do governo federal contra as urnas contextualiza a reunião ministerial de 5 de julho de 2022. A gravação do encontro, localizada pela Polícia Federal durante as investigações, releva que o então presidente cobrou de seu primeiro escalão uma “reação” contra a alegada fraude.

Anderson Torres prometeu atuar de forma mais “incisiva” nos propósitos apresentados por Bolsonaro, enquanto Augusto Heleno admitiu o uso da Abin para fins ilícitos. Além disso, o então presidente antecipou a seus aliados que organizaria um encontro com embaixadores “pra mostrar o que tá acontecendo”.

Para a PGR, “o encontro serviu para estimular a propagação de notícias falsas e para alimentar o ímpeto de rebeldia, antecipando situação de fracasso eleitoral”. “A reunião se encerrou com a mensagem clara de que a organização, sem aguardar o resultado das eleições, já executava atos para desmerecer a vontade popular e permanecer no poder de forma autoritária”.

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Uso da PRF

A denúncia também sustenta que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) foi aparelhada para impedir, no dia da votação, o trânsito de eleitores em redutos mais favoráveis a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), adversário de Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial. Os esforços não foram suficientes para influenciar o resultado da eleição e Lula foi eleito com 50,9% dos votos válidos, ante 49,1% de Bolsonaro.

Reação após derrota nas eleições

Após a derrota, o entorno de Bolsonaro, com a concordância do então presidente, passou a articular uma tentativa de reverter o resultado das urnas. O discurso de fraude eleitoral foi intensificado com o objetivo de criar, segundo a PGR, um “cenário de instabilidade social” que propiciasse a assinatura de um decreto que rompesse com as estruturas democráticas.

O tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, buscou por militares que concordassem em participar do plano de ruptura, além de estar presente em encontros que discutiram o esboço de um decreto que imporia um estado de exceção no País.

O “decreto golpista”, como é chamado pela PGR, foi apresentado pelo presidente aos comandantes militares nos dias 7 de dezembro de 2022. Dos três representantes das Forças Armadas presentes, um deles, segundo relatos colhidos na investigação, teria aderido ao plano de ruptura: o almirante Almir Garnier, então comandante da Marinha. O ministro da Defesa à época, Paulo Sérgio Nogueira, apresentou uma versão ajustada do documento aos comandantes uma semana depois, em 14 de dezembro, em reunião realizada no seu gabinete.

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Em paralelo, o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e candidato a vice na chapa do PL, pressionava militares em posição de comando a participarem do grupo.

Além disso, segundo a delação de Mauro Cid, foi Braga Netto o elo entre a Presidência e os acampamentos em frente aos quartéis, nos quais manifestantes incitavam militares a aderirem a um golpe de Estado.

O ex-ministro também participou da elaboração de um plano de execuções de autoridades chamado de “Punhal Verde e Amarelo”. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, era uma das quatro vítimas do plano, além da chapa eleita nas urnas no mês anterior, composta por Lula e Geraldo Alckmin (PSB).

A série de assassinatos pretendia criar forte comoção nacional para que, em seguida, fosse criado um gabinete de crise. Braga Netto estaria à frente do gabinete. A PGR aponta indícios de que Jair Bolsonaro também tinha conhecimento sobre o plano, que chegou a ser iniciado, mas foi abortado.

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