O Supremo Tribunal Federal (STF) anulou nesta segunda-feira, 29, uma condenação da Lava Jato imposta a Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara. O ex-deputado foi um dos protagonistas do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016. Depois, ele foi cassado pelos colegas e se viu envolvido na força-tarefa que investigou desvios e corrupção na Petrobras.
A decisão da Segunda Turma reafirma a tendência dos ministros de revisar atos e condenações vindos da extinta força-tarefa que atuou em Curitiba. Relembre outros julgamentos afetados pela Supremo Corte:
1. Eduardo Cunha
Cunha, que teve sua condenação no âmbito da Lava Jato anulada pelo STF, foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. O ex-deputado tentou voltar à Câmara no ano passado, pois pôde se candidatar sob uma decisão liminar (provisória), mas não obteve êxito nas urnas. Agora, Cunha tem passe livre para voltar ao cenário político.
As maiores mudanças no destino dos condenados na Lava Jato vieram de decisões do Supremo sobre questões processuais. No próprio caso de Cunha, o motivo da anulação do processo é o reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral – e não da Federal, onde se deu toda a operação – para investigar e julgar os crimes dos quais ele é acusado. “A competência é algo muito importante no processo penal, porque, se o processo for conduzido por um juiz incompetente, a consequência é a nulidade”, explica o procurador regional da República Bruno Calabrich. “É preocupante uma decisão sobre competência ser tomada tantos anos depois”, diz ele, que também é professor de Direito Processual Penal.
2. Lula
O caso mais emblemático é o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em março de 2021, a mesma Segunda Turma da Corte, que reúne os casos da operação, deu uma liminar declarando que o então juiz federal Sérgio Moro (hoje senador pelo União Brasil-PR) foi parcial nos julgamentos do petista. A decisão do ministro Edson Fachin foi confirmada um mês depois no plenário e permitiu a volta de Lula para o jogo eleitoral. Nesse mesmo período foi decretada a incompetência da 13.ª Vara Federal de Curitiba.
Como a Lava Jato começou em 2014 e investiga crimes que foram cometidos antes disso (ou seja, alguns já estão próximos de completar uma década), uma consequência com a mudança de competência é a prescrição. Ao receber os casos vindos do Supremo, a Justiça Eleitoral terá de decidir se é possível ou não aproveitar atos processuais e provas que já foram produzidas. Caso decida rejeitar todos esses elementos, o processo volta à estaca zero, para as etapas de investigação. Quando a Promotoria estiver com as investigações em mãos e puder oferecer denúncia novamente, muitos crimes podem já estar prescritos.
3. Beto Richa
A decisão em favor de Lula teve efeito “cascata” que beneficiou políticos que também estiveram na mira da operação. Beto Richa (PSDB), ex-governador do Paraná, é um dos que conseguiram voltar às urnas e hoje exerce mandato como deputado federal.
Levantamento feito pelo Estadão mostrou que, até o final de 2021, ano em que o Supremo declarou Moro suspeito nos casos do atual presidente, a soma das condenações anuladas chegava a 277 anos.
4. Paes e Pedro Paulo
O primeiro caso da Lava Jato anulado por causa do entendimento de que a Justiça Eleitoral é quem detém competência foi registrado em março de 2019. O inquérito em pauta tratava do atual prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), e do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), que eram acusados de lavagem de dinheiro e caixa 2 em campanha. Na época, ambos eram do DEM, que, após fusão com o PSL, deu origem ao União Brasil.
O caso foi considerado um paradigma e gerou mais “efeito cascata” do que a declaração de parcialidade de Moro. Na época, o Estadão montou um placar com os argumentos de cada ministro na votação. Por 6 a 5, Paes e Pedro Paulo passaram a ser julgados na Justiça Eleitoral. Hoje Paes está próximo de Lula com vistas a uma eventual reeleição em 2024. Pedro Paulo se reelegeu como deputado federal.
5. Sergio Cabral
Outro político que foi condenado no âmbito da Lava Jato é o ex-governador do Rio Sergio Cabral. Com penas que somam 430 anos de prisão, vindas de diversas operações, ele teve as decisões dos casos da Lava Jato anuladas por decisão do juiz federal Eduardo Appio, recentemente afastado da 13.ª Vara Federal de Curitiba. A motivação é o entendimento de que Moro foi parcial nos processos.
Fábio Kerche, cientista político e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), avalia esses reveses do Supremo contra a Lava Jato como uma consequência da forma pela qual ela foi conduzida. “Essa ‘sanha’ de condenação que a Lava Jato teve, de condenar a qualquer preço e forma, às vezes passando por cima do devido processo legal, gerou esse efeito.”
Além da questão jurídica, Kerche também vê influências políticas na tratativa que a Justiça têm dado aos casos da Lava Jato. “A operação foi unanimidade por muito tempo, mas os desmandos e acordos ficaram tão evidentes que o clima virou. Todos os acusados passaram a buscar elementos jurídicos para anular e questionar as decisões do núcleo de Curitiba”, diz o professor. Ele avalia que, hoje, “o clima político não é mais favorável à Lava Jato”.
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