Relembre a relação de presidentes de Câmara e Senado com Planalto e entenda o que está em jogo agora

Convívio entre presidentes das Casas e chefes do Executivo foi marcada por crescimento do poder do Legislativo, conflitos de interesses e atritos políticos

PUBLICIDADE

Foto do author Gabriel de Sousa

BRASÍLIA – A Câmara dos Deputados e o Senado Federal vão escolher neste sábado, 1.º, os presidentes que vão comandar as Casas até 2027. Nos últimos anos, a relação do Executivo com os chefes do Legislativo federal foi marcada por pragmatismo e atritos durante crises políticas.

Fachada do Congresso Nacional, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

PUBLICIDADE

Os favoritos para substituir Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado são, respectivamente, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP). Os dois conseguiram firmar alianças que vão do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Como mostrou a Coluna do Estadão, a expectativa entre governistas é que a haverá uma inversão na relação entre presidentes das Casas e Planalto. Ou seja, os ânimos esfriarão na Câmara, com a saída de Lira e a entrada de Motta, e esquentarão no Senado, com o retorno de Alcolumbre no lugar de Pacheco.

Embora a legenda e o próprio governo tenham embarcado nas duas candidaturas, há uma avaliação de que senador usará mais o cargo para pressionar o Planalto.

Publicidade

Antes de Lira, a Câmara foi presidida por Rodrigo Maia, Waldir Maranhão e Eduardo Cunha. O último ficou marcado por ser o algoz da ex-presidente Dilma Rousseff ao abrir o processo de impeachment que culminou na queda da petista, em 2016.

No Senado, o antecessor de Pacheco é Alcolumbre, que deve retornar ao cargo após uma gestão marcada por atritos com Bolsonaro devido à condução do combate à covid-19. Antes dele, estiveram na cadeira da presidência Eunício Oliveira e Renan Calheiros.

Os últimos presidentes das Câmara e as relações com o Planalto

  • Arthur Lira (2021-2025)

Arthur Lira preside a Câmara desde 2021, quando foi eleito com o apadrinhamento de Bolsonaro, conquistando 302 votos. Em 2023, conquistou a reeleição com o apoio de Lula, alcançando o recorde de 464 votos.

Publicidade

Gestão de Arthur Lira foi marcada pelo escândalo do orçamento secreto, revelado pelo 'Estadão' Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Na presidência da Casa, a relação de Lira com os presidentes da República foi marcada por momentos de tensão e pelo crescimento do controle do Legislativo sobre as decisões de Brasília.

O escândalo do orçamento secreto, revelado pelo Estadão, ocorreu na gestão de Lira. O mecanismo consiste na distribuição de emendas parlamentares sem transparência em troca de apoio político.

Antes do término do primeiro biênio do mandato dele à frente da Câmara, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o dispositivo. No final da segunda gestão do deputado, o ministro do STF Flávio Dino suspendeu o pagamento de repasses por entender que continuavam a ser ilegais.

Também na gestão de Lira, Bolsonaro teve as principais derrotas no Congresso: a derrubada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso e a aprovação do texto que revogou a Lei de Segurança Nacional, para o então presidente reprimir opositores.

Publicidade

Também houve acenos de Lira para Bolsonaro, como a aprovação da PEC Kamikaze, que turbinou benefícios sociais às vésperas da eleição presidencial de 2022.

Com a vitória de Lula, o deputado decidiu se aproximar do petista ao garantir a votação da PEC da Transição, que aumentou os gastos públicos para que o novo chefe do Executivo pudesse desenvolver projetos de campanha.

Nos primeiros dois anos de Lula na Presidência, Lira possibilitou a aprovação de pautas econômicas do governo, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Também se envolveu em embates com o Planalto, com a aprovação do marco temporal das terras indígenas, a derrubada de inúmeros vetos do presidente e o engavetamento do projeto de regulamentação das redes sociais.

Em 2023, Lira esteve envolvido em uma investigação da Polícia Federal (PF) que apurou um esquema de desvios na compra de kits de robótica para escolas públicas de Alagoas. Em uma operação, os policiais apreenderam anotações manuscritas de uma série de pagamentos, que somam R$ 265 mil, a “Arthur”.

Publicidade

Na época, o presidente da Câmara disse que toda a sua movimentação financeira “tem origem nos ganhos como agropecuarista e da remuneração como deputado federal”. No mesmo ano, o ministro do STF Gilmar Mendes decidiu anular todas as provas que poderiam ligar Lira ao esquema.

  • Rodrigo Maia (2016-2021)
Rodrigo Maia foi aliado de Temer e teve intrigas com Bolsonaro Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ex-deputado Rodrigo Maia foi o único presidente da Câmara eleito três vezes seguidas. Em 2016, Maia foi escolhido para substituir Eduardo Cunha, que foi cassado em meio a escândalos de corrupção. Nas disputas de 2017 e 2019, ele foi reconduzido ao posto.

No período em que presidiu a Câmara, Maia era filiado ao DEM (atual União Brasil). Com uma agenda liberal e reformista, foi aliado de Michel Temer (MDB) e blindou o então presidente de pedidos de impeachment protocolados na Casa.

Publicidade

Maia também foi o fiador da aprovação de propostas como a reforma trabalhista e a PEC do Teto de Gastos. Mesmo assim, divergências com o ex-presidente culminaram com o fracasso da votação da reforma da Previdência.

Já na gestão de Bolsonaro, a relação foi marcada por atritos entre o Executivo e o Legislativo, motivados por uma tática de confronto institucional adotada pelo então presidente da República. Em uma entrevista ao Estadão, em março de 2019, Maia afirmou que o governo era um “deserto de ideias”.

Apesar das tensões, houve momentos de cooperação, como a aprovação da reforma da Previdência, também em 2019.

Tal como fez durante a gestão de Temer, Maia optou por engavetar pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Segundo um levantamento feito pelo Estadão, deixou a Presidência da Câmara com 56 requerimentos de cassação sem serem avaliados.

Publicidade

  • Waldir Maranhão (2016)
Waldir Maranhão teve passagem relâmpago e tentou impedir impeachment de Dilma  Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

O deputado Waldir Maranhão ocupou a presidência da Câmara interinamente entre maio e julho de 2016, num momento de crise política marcada pela cassação de Eduardo Cunha e pela tramitação do pedido de impeachment de Dilma no Congresso.

A ação mais emblemática de Maranhão no comando da Casa tem a ver com o afastamento de Dilma do cargo. Aliado da petista, ele anulou, no quarto dia como chefe da Casa, as sessões sobre a abertura do processo de impeachment. A medida não vingou: um dia depois, recuou da decisão em meio à pressão dos deputados.

A tentativa de salvar Dilma custou a cadeira de presidente da Câmara para Maranhão e solidificou a candidatura de Rodrigo Maia para a eleição suplementar realizada em junho daquele ano.

Publicidade

Assim como Cunha, Maranhão também foi acusado de ter envolvimento com escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato. Segundo delação do doleiro Alberto Yousseff, ele era um dos políticos do PP que participavam de um esquema de distribuição ilegal de propinas em contratos da Petrobras. Na época, o então deputado negou ter recebido quaisquer benefícios indevidos.

  • Eduardo Cunha (2015-2016)
Eduardo Cunha foi o algoz da ex-presidente Dilma Rousseff Foto: André Dusek/Estadão

Eduardo Cunha foi o candidato do então PMDB nas eleições para a presidência da Câmara, em 2015. A disputa ocorreu em meio à ruptura entre a sigla e o governo de Dilma. À época, o PT decidiu lançar o deputado Arlindo Chinaglia (SP). Cunha teve 267 votos e o petista, 136.

A falta de apoio do governo deu início a uma série de retaliações de Cunha ao Planalto, transformando o parlamentar no algoz de Dilma. Inicialmente, o presidente da Câmara se posicionou de forma contrária à cassação da petista, mas, após uma série de divergências e bate-bocas públicos entre os dois, decidiu, em dezembro de 2015, aceitar o pedido de impeachment pelo caso das pedaladas fiscais, revelado pelo Estadão.

Publicidade

Cunha conduziu a votação sobre a abertura do processo de impeachment e foi um dos 367 parlamentares que apoiaram a medida. “Que Deus tenha misericórdia dessa Nação”, disse o deputado ao anunciar o voto.

A permanência de Cunha no comando da Casa após a votação do impeachment de Dilma foi curta. O STF afastou o parlamentar da presidência 12 dias após a abertura do processo contra a chefe do Executivo. Em setembro de 2016, ele teve o mesmo destino da petista: foi cassado pela Câmara por 450 votos por quebra de decoro.

A cassação de Cunha foi motivada pelas descobertas da Operação Lava Jato, que apontavam relação dele com o pagamento de propinas na compra de navios-sonda pela Petrobras. Sem foro privilegiado, o ex-deputado foi preso em outubro de 2016, e solto em 2021, após decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

A condenação foi anulada pelo STF em 2023, porque a Corte entendeu que a 13.ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgá-lo. Em nota enviada ao Estadão à época, o ex-presidente da Câmara disse que foi vítima de um “processo de perseguição abusivo, parcial e ilegal e julgado por uma instância manifestamente incompetente”.

Os últimos presidentes do Senado e as relações com o Planalto

  • Rodrigo Pacheco (2021-2025)
O atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, procurou agradar Bolsonaro e Lula Foto: Andressa Anholete/Agência Senado

Rodrigo Pacheco foi eleito presidente do Senado pela primeira vez em 2021, quando estava filiado ao DEM (atual União Brasil). Naquele ano, foi apoiado por Jair Bolsonaro e recebeu 57 votos. Contando com a chancela de parlamentares que integram a base do governo Lula, Pacheco foi reeleito com 49 votos em 2023.

Ao longo do governo Bolsonaro, o senador facilitou a aprovação de pautas econômicas, mas procurou defender a posição do Congresso diante dos ataques promovidos pelo então presidente. Num gesto de aproximação, Pacheco tentou postergar a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, mas o colegiado foi aberto após uma decisão do STF que atestou a inércia do comando do Senado.

Por outro lado, teve tensões com Bolsonaro ao engavetar pedidos de impeachment contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e ao não conseguir demover o senador Davi Alcolumbre, presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da ideia de segurar por quatro meses a sabatina de André Mendonça para a vaga de ministro da Corte.

Durante os dois primeiros anos do governo Lula, Pacheco foi mais próximo do Planalto do que Lira. A aproximação entre eles nasceu de um acordo que estabelecia que, em troca do apoio para a tramitação da pauta econômica, o senador seria apoiado pelo Executivo nas eleições de 2026. Pacheco, contudo, adota tom de cautela ao mencionar o tema.

A segunda gestão de Pacheco também foi marcada por atritos com o Supremo. Após decisões da Corte sobre pautas consideradas importantes para o Congresso, deu aval à tramitação de pautas “anti-STF”, como a PEC das Drogas e a PEC que limita as decisões monocráticas dos magistrados.

  • Davi Alcolumbre (2019-2021)
Presidente do Senado entre 2019 e 2021, Davi Alcolumbre deve retornar ao comando da Casa neste sábado Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Entre 2019 e 2021, o presidente do Senado foi Davi Alcolumbre, que pode retornar ao comando da Casa neste sábado, 1.º. A gestão de Alcolumbre foi marcada pelo apoio à agenda do Executivo. Na época, era mais próximo do Planalto do que Maia. Mesmo assim, o senador também teve atritos com Bolsonaro. Em um dos momentos mais tensos, Alcolumbre disse ao então presidente que não toleraria mais ataques feitos por ele.

O presidente do Senado apoiou propostas estratégicas para Bolsonaro, como a reforma da Previdência e a indicação de Kassio Nunes Marques ao STF. Ele também avalizou a aprovação de medidas que buscaram amenizar os efeitos da pandemia de covid-19. Entre as pautas que foram priorizadas por Alcolumbre, estão as criações do auxílio emergencial e do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus.

Durante a pandemia, Bolsonaro e Alcolumbre tiveram os maiores confrontos. No início da transmissão da doença no Brasil, em março de 2020, Alcolumbre criticou acusações “que não levam a lugar algum” após o chefe do Executivo insinuar publicamente que os presidentes da Câmara e do Senado estavam articulando um processo de impeachment contra ele.

  • Eunício Oliveira (2017-2019)
Eunício Oliveira foi aliado de Temer, mas se distanciou dele com objetivos eleitorais Foto: Dida Sampaio/Estadão

Eleito presidente do Senado em 2017, o cearense Eunício Oliveira era do mesmo partido de Michel Temer. Essa foi a última vez que os comandantes do Congresso e do Planalto pertenceram à mesma sigla.

No período em que comandou a Casa, Eunício buscou colocar em votação as propostas de interesse de Temer, sendo um aliado crucial para garantir a aprovação da reforma trabalhista e do teto de gastos.

No fim do governo, em 2018, se distanciou do Planalto por causa de uma cisão no MDB. Enquanto Temer defendeu a candidatura à Presidência do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, Eunício decidiu se manter próximo de Lula e do ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes.

A estratégia mirava o apoio de Lula e Ciro à sua campanha pela reeleição ao Senado. O plano não funcionou: mesmo presidindo a Casa, ele perdeu a disputa para Cid Gomes (PSB) e Eduardo Girão (Novo). Em 2022, Eunício foi eleito deputado federal.

Outro conflito com Temer teve a reforma da Previdência como motivo. Enquanto Temer queria a discussão da proposta para deixar uma marca na Presidência, Eunício atuou para que ela ficasse para a próxima gestão. “A Previdência tem que ser discutida pelos candidatos à presidência da República para que as pessoas escolham a proposta que querem apoiar. Não é esse governo que tem que fazer a pauta da Previdência”, afirmou o senador em entrevista ao Estadão.

  • Renan Calheiros (2013-2017)
Renan Calheiros foi aliado de Dilma, mas atuou para impedir processo de impeachment Foto: Wilton Junior/Estadão

Renan Calheiros foi eleito presidente do Senado em 2013 e reeleito em 2015. Antes, esteve no cargo entre 2005 e 2007. Apesar da crise política desencadeada pela ruptura entre o PT e o PMDB, ele se manteve como um dos principais aliados de Dilma Rousseff. Mesmo assim, ficou contra o Planalto em alguns momentos, para agradar à oposição. Hoje, ele integra a base aliada do governo Lula.

No primeiro biênio à frente da Casa, Renan deu apoio a pautas de interesse de Dilma, como a PEC das Domésticas e as indicações da petista ao STF. Na segunda gestão, buscou equilibrar os interesses do Planalto e da oposição, que havia sido reforçada pelos correligionários do MDB.

Ao mesmo tempo em que não agiu para impedir a tramitação do processo de impeachment, Renan buscou dar governabilidade a Dilma.

Ele era presidente do Senado quando Dilma teve o mandato cassado. Enigmático, manteve uma postura de neutralidade ao longo do processo, mas votou a favor do impeachment. Por outro lado, foi um dos articuladores da manutenção dos direitos políticos da petista ao lado do então presidente do STF Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça.

Assim como Cunha, Renan também esteve envolvido nas investigações da Lava Jato no período em que presidia o Senado. Ao lado de outros cinco parlamentares do MDB, o alagoano foi acusado de receber R$ 864 milhões em propinas de contratos com a Petrobras entre os anos de 2004 e 2012. Em agosto do ano passado, o STF rejeitou a denúncia por considerar não ter provas comprovando as delações que citavam os nomes dos emedebistas.

À época, a defesa de Renan disse ao Estadão que o parlamentar foi alvo de uma acusação “vazia”. “Essa denúncia era simbólica para a Lava Jato, porque a ideia era justamente a criminalização da classe política”, disse o senador, em nota.

Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais