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Veja como foi o passo a passo da investigação da PF sobre o caso das joias, que indiciou Bolsonaro

A partir de uma série de reportagens feitas pelo ‘Estadão’, a Polícia Federal desvendou um esquema de venda ilegal de objetos de luxo da Presidência no exterior, comandada pelo ex-presidente e seus auxiliares

Foto do author Gabriel de Sousa
Atualização:

BRASÍLIA - Um par de brincos de diamantes, um relógio de luxo e um colar de ouro. As preciosidades estavam na mochila de um assessor do Ministério de Minas e Energia, que então era comandado por Bento Albuquerque. Era outubro de 2021. Dadas de presente a ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo regime ditatorial da Arábia Saudita, as joias quase entraram de maneira irregular no País. O esquema acabou caindo na fiscalização da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo, e foi revelado pelo Estadão em março de 2023. Nesta quinta-feira, 4, Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal por envolvimento no caso.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)  Foto: Wilton Junior/Estadão

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O caso colocou o ex-presidente e seus assessores na berlinda e virou objeto de investigação na Polícia Federal. A história começa com a primeira visita de Bolsonaro à Arábia Saudita em 2019. Na visita, o ex-presidente recebeu do rei Salman Bin Abdulaziz Al Saud um relógio da marca de luxo Rolex. O item ficou com o ex-chefe do Executivo e, posteriormente, a peça foi vendida por assessores da Presidência nos Estados Unidos.

Em março de 2021, foi exposto que três pacotes de joias entregues pelo governo saudita chegaram até o País de forma irregular. Um dos kits foi apreendido em Guarulhos e os outros dois foram entregues para o ex-presidente, que incorporou os itens no “acervo privado” dele. A prática é ilegal, tendo em vista que a legislação brasileira exige que os presentes sejam entregues para o patrimônio da Presidência da República.

Relembre a cronologia do caso das joias:

29 de dezembro de 2022 - Oficial da Presidência vai até a Receita Federal tentar reaver joias retidas

Dois dias antes do término do governo do ex-presidente, o primeiro-sargento Jairo Moreira da Silva foi até Superintendência da Receita em São Paulo com a intenção de reaver as joias que foram retidas em 2021.

No dia anterior, Bolsonaro enviou ao então Secretário da Receita Federal, Julio Cesar Vieria Gomes, um ofício ordenando o resgate das joias apreendidas. O documento foi assinado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito do ex-presidente.

O sargento Jairo Moreira da Silva tentando resgatar as joias apreendidas pela Receita em 2021, dois dias antes do término do governo Bolsonaro Foto: Reprodução/Jornal da Band

3 de março de 2023 - ‘Estadão’ revela primeiro pacote de joias que aliados de Bolsonaro tentaram trazer ao Brasil

No dia 3 de março de 2023, o Estadão mostrou que membros do governo Bolsonaro tentaram trazer ilegalmente para o Brasil, em outubro de 2021, um kit entregue pelo governo saudita que continha joias com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes. O pacote estava na posse de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e foi apreendido pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

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O Fisco reteve as joias porque é obrigatório que sejam declarados todos os itens cujo valor seja superior a US$ 1 mil. O ministro e o assessor ignoraram a opção de declarar joias como bens destinados ao patrimônio da União. Ao saber que o pacote havia sido apreendido, o ministro retornou à alfândega para tentar usar o cargo para liberar os diamantes.

O Estadão revelou que as tentativas também foram feitas pessoalmente pelo ex-presidente oito vezes, com até mesmo uma pressão na Receita e uma cartada de que as peças seriam para o acervo pessoal de Bolsonaro.

7 de março de 2023 - Segundo pacote de joias é revelado e foi recebido por Michelle

Quatro dias depois, em 7 de março, a reportagem mostrou que havia um segundo pacote de joias no “acervo privado” do ex-presidente. O estojo, que também vinha da Arábia Saudita, era constituído por um relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard.

Depois de ter afirmado reiteradamente que não tinha conhecimento de nenhum conjunto de joias enviado pelo regime da Arábia Saudita, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro admitiu que recebeu, no Palácio da Alvorada, este pacote.

24 de março de 2023 - Bolsonaro devolve segundo pacote para a Caixa Econômica Federal

No dia 24 de março, 17 dias após o Estadão revelar que Bolsonaro estava com o segundo pacote de joias, a defesa do ex-presidente entregou o kit para a Caixa Econômica Federal, após uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU).

27 de março de 2023 - Terceiro kit, que foi levado por Bolsonaro aos EUA, vem à tona

Três dias depois do ex-presidente entregar o segundo pacote, o Estadão trouxe à tona a existência de um terceiro kit saudita que a equipe de Bolsonaro não havia declarado ao Fisco. O conjunto tinha um relógio da marca Rolex, de ouro branco e cravejado de diamantes, e foi levado pelo ex-presidente aos Estados Unidos no final do mandato.

Relógio de pulso da marca Rolex recebido por Bolsonaro do regime da Arábia Saudita Foto: Reprodução/Acervo da Presidência

A reportagem apurou também que, diferentemente das outras duas caixas enviadas a Bolsonaro, o relógio foi entregue nas mãos do ex-presidente quando ele esteve com a comitiva em viagem oficial em Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019.

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4 de abril de 2023 - Bolsonaro devolve terceiro kit para a Caixa Econômica Federal

A terceira caixa, com o relógio Rolex de ouro banco e cravejado de diamantes, foi recebida pela Caixa Econômica no dia 4 de abril.

A devolução das joias foi informada pelo ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) e atual assessor de Bolsonaro, Fábio Wajngarten, em sua conta oficial no X (antigo Twitter). “A entrega reitera o compromisso da defesa do presidente Bolsonaro de devolver todos os presentes que o TCU solicitar, cumprindo a orientação do ex-mandatário do país, que sempre respeitou a legislação em vigor sobre o assunto”, escreveu Wajngarten.

5 de abril de 2023 - Bolsonaro presta primeiro depoimento à PF

No primeiro depoimento prestado à PF sobre o tema, Bolsonaro disse que soube das joias vindas da Arábia Saudita apenas em 2022, um ano depois da apreensão do estojo pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos. O ex-presidente também declarou que só houve intervenção de seus auxiliares para que fosse evitado um suposto “vexame diplomático” do Brasil com o regime saudita.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deixando a sede da Polícia Federal (PF) em abril do ano passado Foto: Wilton Junior/Estadão

De acordo com ele, tal constrangimento poderia ocorrer porque as peças tinham sido dadas como presente pela Arábia Saudita e poderiam ir a leilão. Em São Paulo, o tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente, também foi ouvido pela PF. Cid foi colocado como suspeito após ter montado uma operação, nos últimos dias do governo Bolsonaro, para tentar recuperar as joias que foram dadas para a então primeira-dama.

14 de abril de 2023 - Bento Albuquerque diverge de Bolsonaro e diz que joias eram da União

Nove dias depois do depoimento do ex-presidente, o ex-ministro de Minas e Energia foi ouvido pela PF. Aos investigadores, Bento Albuquerque disse que desconhecia o conteúdo dos pacotes e que estes seriam para a União. As afirmações iam em rota contrária ao que foi dito por Bolsonaro, que alegou que as joias eram “bens personalíssimos” que deveriam ficar no acervo do ex-presidente.

O ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque Foto: Dida Sampaio/Estadão

2 de agosto de 2023 - E-mails sugerem que Bolsonaro e Michelle receberam joias durante a campanha eleitoral

No dia 2 de agosto de 2023, o Estadão teve acesso a dois e-mails que sugerem que Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro receberam um envelope e uma caixa com supostas pedras preciosas na cidade mineira de Teófilo Otoni, na reta final da campanha presidencial de 2022. O pacote teria sido entregue ao casal quatro dias antes do segundo turno, onde o ex-presidente foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Em 27/10/2022, foi guardado no cofre grande, 01(um) envelope contendo pedras preciosas para o PR (presidente da República) e 01 9 (uma) caixa de pedras preciosas para a PD (primeira-dama), recebidas em Teófilo Otoni em 26/10/2022. A pedido do TC Cid, as pedras não devem ser cadastradas e devem ser entregues em mão para ele. Demais dúvidas, Sgt Furriel está ciente do assunto”, disse o conteúdo do e-mail.

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Na época, o ex-presidente confirmou que recebeu o pacote e que os itens valeriam apenas R$ 400. Ele se negou a responder se ainda está com as peças.

4 de agosto de 2023 - CPMI mostra e-mail onde Mauro Cid negocia Rolex por R$ 300 mil

E-mails enviados por Mauro Cid começaram a ser analisados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro, que investigou a participação de Bolsonaro e seus aliados em uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. As mensagens mostraram que o militar tentou vender, por R$ 300 mil, um relógio Rolex recebido em viagem oficial.

As negociações do artigo de luxo foram feitas no dia 6 de junho de 2022. No e-mail em inglês, uma interlocutora pergunta a Cid quanto ele quer no relógio e dá a entender que ele seria cravejado de platina e diamantes, um dos modelos mais caros da marca.

“Quanto você espera receber por ele? O mercado de Rolex usados está em baixa, especialmente para os relógios cravejados de platina e diamante, já que o valor é tão alto. Eu só quero ter certeza que estamos na mesma linha antes de fazermos tanta pesquisa”, diz o e-mail.

No e-mail, Cid também revela, sem dar detalhes, que não possuía o certificado do relógio, por ser “um presente recebido durante uma viagem oficial”.

11 de agosto de 2023 - PF deflagra operação para investigar possível venda ilegal no exterior e enriquecimento ilícito

No dia 11 de agosto, a PF deflagrou a Operação Lucas 12:2 para investigar se os aliados do ex-presidente teriam vendido as joias no exterior. Entre os alvos, estavam o general Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid, Frederick Wassef, que é advogado de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O ex-presidente, segundo a PF, teria atuado para vender as joias e recebeu valores em dinheiro vivo. A apuração dos investigadores atestou também que o grupo conseguiu vender um relógio Rolex para a empresa Precision Watches, que fica nos Estados Unidos.

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O item acabou sendo “recuperado” em março por Wassef e estava no pacote que foi entregue para a Caixa Econômica em abril. A PF acionou o Federal Bureau of Investigation (FBI) para avançar nas investigações do esquema internacional dentro do território dos Estados Unidos.

O advogado Frederick Wassef Foto: Taba Benedicto/Estadão

Em uma conversa revelada pela PF durante a deflagração da operação, auxiliares do ex-presidente disseram que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro “sumiu” com joias da Presidência.

A operação também trouxe o Exército, a Marinha e a Aeronáutica para o escândalo. A operação apontou a participação direta de homens do Exército em um “esquema internacional” de venda de presentes recebidos em viagens presidenciais. Além de Mauro Cid e o pai, foram citados o coronel Marcelo Câmara e o primeiro-tenente Osmar Crivelatti.

A pedido da PF, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes quebrou os sigilos bancário e fiscal do ex-presidente e da ex-primeira-dama.

17 de agosto de 2023 - Advogado de Mauro Cid diz que Bolsonaro é o mandante do esquema e depois recua

O advogado de Mauro Cid, Cezar Bittencourt, confirmou para veículos de imprensa que Cid iria confessar a participação no crime e apontar Bolsonaro como o mandante do esquema das joias. Um dia depois, ele recuou e afirmou que o cliente agiu para resolver “o problema do Rolex” que foi vendido dos Estados Unidos.

18 de agosto de 2023 - Bolsonaro diz ao ‘Estadão’ que Mauro Cid tinha ‘autonomia’ para vender as joias

Enquanto tomava café em uma padaria em Abadiânia, no interior de Goiás, Bolsonaro disse, em uma entrevista exclusiva ao Estadão, que Mauro Cid tinha “autonomia” para vender ilegalmente as joias.

“Ele (Cid) tinha autonomia”, disse. Na entrevista, Bolsonaro também afirmou ainda que deseja “clarear o mais rápido possível” o caso das joias.

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31 de agosto de 2023 - Bolsonaro e Michelle ficam em silêncio durante depoimento

No dia 31 de agosto de 2023, Bolsonaro, Michelle e Mauro Cid prestaram um novo depoimento à PF. O tenente-coronel falou com os investigadores por 12 horas. O casal, por sua vez, optou por ficar em silêncio.

24 de outubro de 2023 - Governo dos Estados Unidos permitem colaboração do FBI para investigar caso das joias

Em outubro do ano passado, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos autorizou o pedido de colaboração do FBI para investigar o esquema. O órgão ficou responsável por investigar possíveis envolvidos dentro do território norte-americano.

23 de novembro de 2023 - Documentos do FBI mostram que Wassef recomprou relógio nos EUA

Um mês após o FBI ser autorizado a colaborar com a PF, os investigadores brasileiros receberam documentos que provariam que Frederick Wassef recomprou o relógio da marca Rolex para atender a um pedido do general Mauro Cesar Lourena Cid.

O general Mauro César Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid Foto: José Antonio Teixeira/Alesp

As novas provas colocaram o depoimento do advogado em contradição. Inicialmente, ele disse que recomprou o artigo de luxo por livre e espontânea vontade. Posteriormente, Wassef admitiu que foi aos Estados Unidos para recuperar o relógio e que usou dinheiro vivo na transação.

13 de abril de 2024 - Agentes da PF vão para os Estados Unidos investigar comercialização no País

Em abril deste ano, a PF decidiu enviar um grupo de agentes para os Estados Unidos para investigar “in loco” a comercialização ilegal das joias. A viagem foi a etapa final para a conclusão das investigações.

26 de abril de 2024 - Cid é chamado para detalhar como foi a venda das joias nos Estados Unidos

No final de abril, Mauro Cid, que homologou uma delação premiada com a PF em setembro do ano passado, foi ouvido pela PF para dar mais detalhes sobre como funcionou o esquema ilegal no território norte-americano.

11 de junho de 2024 - PF anuncia que descobriu nova joia que aliados de Bolsonaro tentaram vender nos EUA

No dia 11 de junho, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, anunciou que a corporação encontrou uma nova joia que emissários do ex-presidente tentaram vender nos Estados Unidos. A descoberta foi possível após o envio de investigadores para o território americano.

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18 de junho de 2024 - Mauro Cid e o pai são ouvidos para explicar nova joia

Mauro César Cid e o general Mauro Lourena Cid foram ouvidos pela PF no último dia 18 de junho. Na oitiva, eles foram questionados sobre a origem da nova joia que os aliados do ex-presidente tentaram vender nos Estados Unidos.

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