Reuniões de prefeitos, deputada e advogados com ANP buscaram agilizar liberação de R$ 700 milhões

Nupec, entidade investigada por contratos sem licitação com municípios do Rio, teve encontro com Agência Nacional de Petróleo, Gás e Combustíveis; advogados ganham 20% sobre o valor dos repasses em honorários e podem faturar até R$ 140 milhões

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Foto do author Luiz Vassallo
Atualização:

Acompanhados de prefeitos e uma deputada federal, advogados ligados a uma entidade investigada se reuniram com a cúpula da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Combustíveis (ANP) para agilizar a liberação de R$ 700 milhões em royalties. Os honorários relacionados a somente dois casos podem chegar a R$ 140 milhões.

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No domingo, 11, o Estadão mostrou que o Ministério Público do Rio e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) investigam contratos sem licitação firmados por prefeituras com uma entidade sem fins lucrativos, a Associação Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultoria (Nupec). Ligada a esses advogados, a associação moveu ações em nome de 15 municípios que geraram pagamentos de R$ 1,5 bilhão e R$ 300 milhões em honorários.

Em ambas as reuniões levantadas pelo Estadão, os advogados se encontraram com o diretor da ANP Claudio Jorge Martins de Souza, nomeado em abril pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), após aprovação em sabatina no Senado.

Uma das reuniões teve como objetivo a liberação de R$ 639 milhões às prefeituras de São Gonçalo, Guapimirim e Magé. O encontro, no dia 26 de julho, foi realizado a pedido do prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson (PL). Segundo a ANP, estava prevista a presença do líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes, mas ele não compareceu.

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O encontro contou com a presença dos prefeitos dos três municípios, que firmaram contratos sem licitação com a Nupec e o escritório de Djaci Falcão, filho do ministro Francisco Falcão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os três contratos são investigados pelo MP. Como mostrou o Estadão, atuam também pela entidade os advogados Vinicius Peixoto, que é alvo da Operação Lava Jato, e Hercílio Binato de Castro, genro do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Sede da ANP, no Rio, local do encontro de advogados e políticos Foto: Fábio Motta/Estadão

A reunião foi realizada uma semana após o juiz federal de Brasília Frederico Botelho proferir uma decisão liminar favorável aos municípios. No mês seguinte, o dinheiro estava na conta das prefeituras. Os valores passaram a ser descontados dos repasses que antes eram destinados ao Rio de Janeiro, Niterói e Maricá.

No dia 19 de agosto, o prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson (PL), publicou um vídeo no Instagram para comemorar o recebimento de R$ 219 milhões em royalties.

Os municípios de Maricá e Niterói, no entanto, haviam conseguido uma decisão, no dia 10 de agosto, da Justiça Federal no Rio, para restabelecer os critérios anteriores da partilha. A decisão foi cassada no dia 16 de agosto pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), Messod Azulay. O desembargador acolheu um pedido da Nupec em nome de Magé, Guapimirim e São Gonçalo e determinou que a ANP executasse os pagamentos aos municípios.

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O despacho foi assinado cinco horas depois do recurso feito por advogados da Nupec chegar a seu gabinete. O Estadão apurou que o desembargador recebeu os advogados para conversar sobre o caso. No início daquele mês, Azulay havia sido nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro ao cargo de ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Nesta quarta-feira, 14, a presidente do STJ, Maria Thereza Assis Moura, atendeu a um pedido de Niterói e suspendeu a decisão de Azulay. Usualmente, estes valores não são devolvidos aos municípios, e acabam sendo descontados de parcelas futuras, mas a ANP enviou um ofício nesta quinta, 15, por meio do qual afirma às Prefeituras do Rio, Niterói e Maricá que a “Procuradoria-Geral Federal, que representa judicialmente a ANP, já está envidando todos os esforços para que os municípios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim promovam a devolução de todos os valores recebidos de royalties e participação especial”.

Depois de a ação chegar no tribunal superior, Luis Felipe Salomão Filho, filho do ministro do STJ Luis Felipe Salomão, também recebeu uma procuração para atuar ao lado dos advogados da Nupec em nome dos três municípios. Ele não é associado à Nupec e tem atuado perante o TRF-2 somente nesta ação. Sua procuração, no entanto, foi anexada ao sistema processual do STJ no dia 5 de setembro.

Em busca do enquadramento na partilha milionária dos royalties, o prefeito de Campos dos Goytacazes Wladimir Garotinho (União Brasil) deu procuração a Peixoto, Binato de Castro e Djaci Falcão. Apenas Djaci tem contrato com o município. Os logos dos escritórios e da Nupec estampam as petições em nome da Prefeitura na ANP.

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Municiados de uma decisão judicial a favor de Campos, advogados associados da Nupec se reuniram ao lado da deputada federal Clarissa Garotinho (União-RJ), no dia 25 de abril de 2022, com o diretor da ANP Claudio Jorge Martins de Souza.

Na pauta do encontro estava a liberação de R$ 68 milhões deferida por uma decisão liminar do juiz federal de Brasília Marcelo Monteiro que poderia ser revertida a qualquer momento nos tribunais. Segundo consta na agenda pública do dirigente da ANP, Vinícius Gonçalves representou o município. No entanto, uma foto do encontro também registra a presença de Antonio Binato de Castro Filho, primo de Hercílio, e filho do falecido desembargador Antonio Binato de Castro.

Menos de um mês depois, no dia 19 de maio, R$ 68 milhões foram liberados a Campos de Goytacazes em uma parcela única pela ANP, remanejados de pagamentos que seriam feitos a outros 171 municípios.

A juíza federal da 1.ª Vara de Niterói, Helena Elias Pinto, afirmou ver “fatos graves” em reportagem do Estadão a respeito do uso de uma entidade sem fins lucrativos para representar municípios em disputas bilionárias por royalties do petróleo. Em despacho, a magistrada abriu espaço para manifestação do Ministério Público Federal (MPF) em relação ao tema.

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Helena é responsável por julgar, em primeira instância, uma ação da prefeitura de Niterói (RJ) contra uma mudança na partilha de royalties do petróleo que reduziria os repasses ao município. A alteração nos pagamentos foi provocada por uma ação dos municípios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim, todos no Rio, em que obtiveram na Justiça Federal, em Brasília, uma decisão para enquadrá-los na partilha dos royalties.

ANP afirma que liberou valores por “obrigação” após decisões judiciais

A Agência Nacional do Petróleo afirmou que liberou os valores aos municípios citados na reportagem em razão da “força coercitiva” das decisões judiciais, mesmo que sejam provisórias. Segundo o órgão, os despachos “devem ser cumpridos, sob pena de multa, a ser paga pela Agência”.

A ANP afirma ainda que foi “obrigada a promover as distribuições dos royalties e da participação especial cumprindo estritamente os termos exarados nas aludidas decisões judiciais, favoráveis aos Municípios de são Gonçalo, Magé e Guapimirim”.

No caso de Campos dos Goytacazes, a agência justifica que liberou a quantia porque a Justiça determinou multa e sanção por descumprimento de decisão sobre os agentes responsáveis caso fosse descumprida a liminar a favor do município. E, que pagou a “parcela dos royalties que excede a 5% da produção marítima pelo critério de instalação de embarque e desembarque de petróleo e gás natural referentes aos meses de outubro de 2021 a abril de 2022″.

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Por meio de sua assessoria de imprensa, a deputada federal Clarissa Garotinho afirmou que “participou da audiência com autoridades municipais e federais, onde o único papel que teve foi o de cobrar da ANP o cumprimento de uma decisão judicial”.

O deputado federal Altineu Côrtes (PL) afirma que não compareceu à reunião na ANP, mas que os municípios têm “direito a esse enquadramento, isso está sendo feito errado há anos”. “São cidades paupérrimas. Pela primeira vez, eles tiveram o direito restabelecido. Se houve o problema em contratação no escritório de advocacia, esse é um assunto, mas Niterói está pegando esse assunto e confundindo com o mérito da matéria”, disse.

“Para você ter uma ideia da desigualdade, o município de Maricá recebe R$ 9 mil por ano por habitante, e o município de São Gonçalo recebe R$ 16 por habitante, por ano dos royalties. Eu sei que o critério não é o número de habitantes, mas temos razão da nossa argumentação, que se sustenta em critérios técnicos do IBGE”, diz.

O deputado federal afirma que “houve uma armação no critério de distribuição dos royalties anos atrás”. E afirma que, mesmo não tendo ido à agenda, é “normal que deputados acompanhem prefeitos de suas cidades nas agendas da ANP para pegar informações”.

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A Nupec defendeu a legalidade de sua atuação e afirma que os contratos são “vantajosos” para os municípios. Por meio de nota, a entidade diz ser “uma das poucas especializada em Direito Regulatório de Petróleo e Gás Natural” e que os “entes públicos, em virtude da excepcionalidade da demanda, optam por delegar a sua representação judicial, tendo em vista que a matéria discutida é interdisciplinar e foge da atuação corriqueira da Procuradoria”.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o prefeito de São Gonçalo afirma que o deputado federal teve “importância na conquista dos royalties” em razão de seu apoio ao município. “Todo o processo exigiu a realização de uma série de reuniões e encontros até a obtenção do primeiro resultado esperado e justo para o município”, diz.”A Prefeitura seguirá atenta para garantir que São Gonçalo se mantenha entre os beneficiários dos repasses dos royalties no Estado do Rio de Janeiro”, afirma.

A Prefeitura ainda afirma que a Nupec foi contratada “dentro dos trâmites legais, tendo em vista que a Procuradoria não dispõe de corpo técnico com a expertise necessária para litigar sobre o tema em questão”. “A licitação é inexigível, de acordo com o art. 25 da Lei de Licitações 8666/93, por ser um assunto específico, em que o objeto está caracterizado pela “inviabilidade de competição”, diz.

“A Procuradoria Geral do Município, desde o início da atual gestão, vem pesquisando sobre a divisão dos royalties entre os municípios, tendo em vista o valor ínfimo até então destinado a São Gonçalo”, afirma a Prefeitura.

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Por meio da assessoria de imprensa do TRF-2, o desembargador Messod Azulay afirmou que a “decisão no pedido de suspensão de liminar foi meramente processual, ou seja, não adentrou em qualquer questão de mérito do processo”. “O despacho somente preservou a eficácia de decisão anteriormente proferida pela primeira instância da Justiça Federal de Brasília, diante do prazo exíguo estabelecido pela Agência Nacional do Petróleo - ANP”, disse.

Procurados, Claudio Jorge, Djaci Falcão, Hercílio Binato, Antonio Binato e Vinicius Peixoto não se manifestaram. O município de Campos dos Goytacazes também não respondeu. Os ministros Luiz Fux, Francisco Falcão e Luis Felipe Salomão também não se manifestaram.

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