BRASÍLIA – Sete dos atuais 24 integrantes da comissão especial criada na Câmara para discutir mudanças na Lei de Improbidade Administrativa podem ser diretamente beneficiados pela nova legislação. Os deputados respondem a processos com base nas regras atuais e as alterações propostas têm potencial para livrá-los de eventuais punições. Na prática, os parlamentares terão a oportunidade de legislar em causa própria.
Levantamento feito pela ONG Transparência Brasil, a pedido do Estadão, mostra um total de 66 ações de improbidade contra os deputados do colegiado, criado em 2019. Os casos vão de irregularidades em licitações a nomeações em cargos públicos sem concurso. Todos os processos são relativos a funções anteriores ocupadas pelos deputados, como as de prefeito, governador ou ministro.
Este é justamente um dos fatores que pode levá-los a ser beneficiados pela mudança na lei. Pela regra atual, uma das punições possíveis para quem for condenado por improbidade é a perda do cargo. Mas, de acordo com a última versão do projeto, apresentada no fim do ano passado pelo relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), isso só poderá ocorrer se o gestor ocupar a mesma função de quando o ilícito foi cometido. Ou seja, um deputado condenado em um processo relacionado a um mandato anterior de prefeito não correria o risco de perder o cargo atual.
Outro ponto previsto no texto que, caso aprovado, poderia beneficiar os deputados é o que prevê a prescrição dos processos em cinco anos. Assim, uma ação por improbidade não poderá durar mais do que esse período. No caso dos deputados da comissão, 60% dos processos foram apresentados antes de 2016, o que abre margem para que sejam arquivados sem sequer irem a julgamento. Segundo Zarattini, porém, a prescrição em cinco anos só valerá para os novos processos, não atingindo os casos anteriores. “Não estamos promovendo nenhuma anistia”, disse.
O entendimento de tribunais superiores, no entanto, é o de que alterações em leis podem ser aplicadas quando beneficiam o réu. “É uma norma de direito material e uma norma de direito administrativo”, afirmou o advogado Fábio Medina Osório, ex-ministro da Advocacia-Geral da União no governo Michel Temer, em debate promovido nesta quarta-feira, 3, pelo Estadão.
Uma terceira mudança na lei que poderá ser usada pela defesa de parlamentares com pendências na Justiça é a que exclui a possibilidade de o gestor ser punido por violar os princípios da administração pública. Pelo texto em discussão, apenas caberá condenação por improbidade quando for comprovado algum prejuízo aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito.
No entendimento dos defensores da medida, a alteração é necessária para evitar excessos de promotores e procuradores, como pedir a cassação ou a perda de direito político de um prefeito até mesmo pelo fato de prestar contas fora do prazo. “Estamos vivendo um momento em que muitas pessoas deixam de participar da política com receio de sofrerem processos de improbidade, que muitas vezes os promotores iniciam com base em recortes de jornal, sem nenhuma comprovação”, disse Zarattini.
O levantamento mostra ainda que dos 24 líderes da Câmara, cinco são alvo de ações de improbidade. Na Mesa Diretora, órgão de comando da Casa, dois deputados também respondem com base na lei atual, entre eles o presidente, Arthur Lira (Progressistas-AL).
'Cuidado ético'
Para Roberto de Lucena (Podemos-SP), autor do projeto, deputados que respondem a processos por improbidade não devem participar da comissão especial formada para discutir seu projeto. “Por se tratar de um tema como esse, o próprio parlamentar, por uma questão de cuidado ético, poderia declarar-se impedido”, afirmou.
Alvo de sete ações por improbidade, o deputado Geninho Zuliani (DEM-SP) discorda do colega. Para ele, não há contradição em ser investigado e participar da comissão. “Todos os deputados federais, independentemente de sua origem profissional, ideologia partidária ou vida política pretérita, não estão impedidos de participar de comissões da Câmara”, disse.
Também integrante do colegiado, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), afirmou que as alterações na lei “são no sentido de exigir dolo e dano ao erário para caracterizar improbidade”. “Assim, acusações de improbidade sem fundamento diminuirão.” Ao Estadão, no mês passado, Barros defendeu o nepotismo, hoje punido com base na Lei de Improbidade.
Parlamentares alegam combater injustiças ilegais
O Estadão procurou todos os integrantes da comissão que respondem a acusações por improbidade administrativa. Só três se manifestaram: o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, e os deputados Geninho Zuliani (DEM-SP) e Vitor Lippi (PSDB-SP). O deputado Herculano Passos (MDB-SP) afirmou ontem, às 20h, que não teve tempo para responder.
Barros disse que já respondeu a vários processos de improbidade e ganhou todos – e que será inocentado nos três atuais também. “Na Justiça atual está muito distante ser acusado e condenado, por causa do ativismo político do Ministério Público e do Judiciário”, disse o parlamentar.
Lippi, que responde a seis ações relacionadas ao seu segundo mandato como prefeito de Sorocaba (SP), disse que nenhuma das acusações são sobre "desonestidade" e desvio de recursos. “Defendo pena maior para corruptos e desonestos e tratamento justo aos honestos, aos gestores de boa fé.” O deputado criticou a lei atual, que, segundo ele, deixa margem para injustiças. “Punir os honestos não diminui a desonestidade, ao contrário, afasta os honestos da vida pública.” O deputado citou uma pesquisa feita na região de Sorocaba (27 cidades) que mostra que 80% dos prefeitos foram acusados de improbidade nos últimos anos.
Geninho Zuliani, que também responde a ações pelo período em que foi prefeito, afirmou que o novo texto vai corrigir “os pontos mais sensíveis” da Lei de Improbidade. “Obviamente que o referido texto, quando submetido a plenário, poderá ser objeto de múltiplas emendas, fato que poderá sempre melhorar a atividade legislativa”, disse.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.