BRASÍLIA – O ‘revogaço’ de decretos iniciado pelo governo não poupou textos históricos publicados nas últimas décadas pela República. Em sua ofensiva contra os atos que “incham o Estado”, o presidente Jair Bolsonaro tratou de riscar do mapa registros oficiais, como um texto editado na segunda-feira de 24 de setembro de 1956, pelo então presidente Juscelino Kubitschek.
Cinco dias depois de publicar a lei que transferia a capital federal do Rio de Janeiro para Brasília, Juscelino assinava o decreto n.º 40.017, criando a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil. A estatal, que viria a se chamar Novacap, seria a responsável por erguer a nova sede do governo federal. Bolsonaro extinguiu o decreto. A Novacap, porém, segue na ativa, porque passou anos atrás para o comando do governo do Distrito Federal.
Em sua ofensiva contra os decretos, Bolsonaro colocou servidores para fuçar todas as edições feitas pelo governo desde que o Brasil se tornou República, em 15 de novembro de 1889, data em que o marechal Deodoro da Fonseca tomava o poder das mãos do imperador dom Pedro II e editava o decreto n.º 1, que “proclama provisoriamente e decreta como forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa, e estabelece as normas pelas quais se devem reger os Estados Federais”. Até onde se sabe, este segue em vigor.
O ato mais antigo apagado pelo novo ocupante do Palácio do Planalto foi publicado em 1903 pelo então presidente Rodrigues Alves, que governou o País entre 1902 e 1906. Rodrigues Alves, que chegou a receber o título de “conselheiro do Império” pela princesa Isabel, teve seu decreto nº 5.039 apagado para sempre e, com ele, sua medida que previa “novas instrucções para o exame dos candidatos aos logares de segundo secretário de legação”, cadeira que existia no Itamaraty, então comandado pelo Barão do Rio Branco.
Poucos presidentes escaparam das centenas de decisões revogadas até agora. Não houve clemência sequer para o gesto de Getúlio Vargas, que em 5 de janeiro de 1934 decidiu publicar um decreto para conceder à senhora Maria Lopes Trovão uma pensão anual de viúva. Era um gesto de agradecimento não apenas a Maria Trovão, mas a seu marido, o doutor José Lopes da Silva Trovão. Médico, político e defensor fervoroso da República, Lopes Trovão chegou a bater na porta da casa do marechal Deodoro da Fonseca, em 19 de novembro de 1889, para lhe apresentar a proposta do que seria a nova bandeira constitucional do Brasil. Era verde e amarela, mas com traços muito parecidos aos da bandeira dos Estados Unidos. A bandeira não vingou.
Dos quase 30 mil documentos analisados para o “revogaço” de Bolsonaro até agora, foram revogados, efetivamente, 250 atos de caráter normativo.
Boa parte dos decretos extintos foi publicada por presidentes do período militar, entre 1964 e 1985, e está atrelada a temas corriqueiros. Em 11 de janeiro de 1967, o presidente Castelo Branco usou as páginas oficiais para aprovar tabelas que padronizavam a “ração comum” dos militares, ou seja, os alimentos que seriam servidos pelas Forças Armadas no primeiro semestre daquele ano.
As definições de salários e benefícios dos oficiais também eram pauta constante dos decretos verde-oliva. No dia 18 de dezembro de 1968, o presidente Costa e Silva publicou um decreto para fixar, naquele ano, as gratificações para as funções militares. Cinco dias antes, o general havia editado o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), o quinto e mais agressivo dos 17 grandes decretos publicados pela ditadura militar após o golpe de Estado de 1964.
Mas nem tudo é passado remoto na “faxina” dos decretos de Bolsonaro. As revogações feitas até agora atingiram um dos últimos atos da ex-presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. O Palácio mandou extinguir um ato editado por Dilma em 10 de maio de 2016, dois dias antes de descer pela rampa do Palácio do Planalto após ser alvo de impeachment.
O decreto de Dilma alterava trechos do chamado Estatuto do Estrangeiro, um marco legal criado em 1980, durante a ditadura militar, com foco em segurança nacional e uma série de restrições à imigração. No fim do ano passado, já eleito, Bolsonaro atacou a Lei de Migração, dizendo que “ninguém quer botar certo tipo de gente para dentro de casa”.
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