Na reta final de seu mandato como presidente da Câmara e ainda em busca de alianças para garantir a eleição de seu sucessor, Arthur Lira decidiu que não quer mais ser vilão sozinho. Após, em inúmeras situações, assumir o ônus de decisões impopulares enquanto os partidos que as alinhavavam permaneciam discretos, deu o grito em plenário. Mostrou que sentiu as pancadas que sofreu da opinião pública após decisões profundamente negativas da Câmara dos Deputados em período recente e deixou claro: agora, não mais.
A rebelião do presidente da Casa se deu durante a tentativa de votar a PEC da Anistia, que, para dourar a pílula, líderes passaram a chamar de PEC do Refis. A proposta isenta as legendas de punições por descumprirem cotas de repasses a mulheres e negros, agora por meio de um disfarçado refinanciamento que vai empurrar a punição para ser paga em 180 suaves prestações. Não colou.
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/3ZFRFJKV2FAU5MKBACBN4H6G5U.jpg?quality=80&auth=4022aa406725a8ce28e4509b3692c3b2c107257bd67e7de48cb736a1a0fb5cec&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/3ZFRFJKV2FAU5MKBACBN4H6G5U.jpg?quality=80&auth=4022aa406725a8ce28e4509b3692c3b2c107257bd67e7de48cb736a1a0fb5cec&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/3ZFRFJKV2FAU5MKBACBN4H6G5U.jpg?quality=80&auth=4022aa406725a8ce28e4509b3692c3b2c107257bd67e7de48cb736a1a0fb5cec&width=1200 1322w)
Mesmo assim, Lira tentou colocar o texto em votação como queriam os partidos. Mas, acostumado a ser responsabilizado sozinho pelo trator ligado em votações recentes na Câmara, exigiu que as siglas que articularam o salve geral expusessem suas digitais. Enquanto Novo e PSOL, únicas legendas contrárias ao texto, iam ao microfone tentar derrubar a votação de um relatório que acabara de ser protocolado, Lira disparou seu descontentamento com a posição de carrasco da sociedade: ”Vou ser bastante franco aqui com o plenário da Casa. Esta presidência não tem nenhuma vontade pessoal em votar essa PEC. Nenhuma. Relutei durante 3 semanas. Todos os partidos e presidentes de partidos e lideranças partidárias, com exceção do Novo e do PSOL, se posicionaram a favor da PEC. Portanto, aos líderes desses partidos, venham a plenário explicitar o posicionamento de cada partido”, reclamou.
Complementou demonstrando outra faceta de sua insatisfação: “Inclusive (o posicionamento) do presidente do Senado, que se comprometeu em pautar essa PEC”. E acrescentou: “Compareçam a plenário para não parecer o que não é”.
Em outras palavras, o recado de Lira era o seguinte: não vou assumir sozinho o ônus de ligar o trator que beneficia os partidos, enquanto eles se escondem atrás de acordos, fingem que não é com eles e o presidente do Senado depois sai como o herói que barrou o andamento de mais uma maldade do presidente da Câmara. Ele não está errado.
Leia também
A proposta acabou não avançando, justamente quando o líder da federação PT-PCdoB-PV, deputado Odair Cunha (PT) começou a fazer ressalvas ao texto, demonstrando que a legenda não assumiria o desgaste da posição que, como quase todas as demais, sustentava. O presidente da Câmara se irritou e decretou que a votação ficará para agosto. E olhe lá...
A postura de Lira indicou que a pressão da opinião pública funciona e que há como parar o trator que frequentemente é ligado na Câmara. Já estava visível que ele tinha sentido muito o baque das pancadas que levou por conta da votação afoita de um requerimento para acelerar o PL que dava pena maior à mulher estuprada que engravida e faz aborto do que ao estuprador. Só por isso o projeto foi recolhido.
Lira ainda precisa do apoio dos partidos para fazer seu sucessor. Por isso tem cedido a caprichos em prol de decisões retrógradas, como a do PL do Aborto, essa que perdoa partidos que descumpriram a lei ou a urgência do projeto que acaba com delações premiadas de réus presos para beneficiar Jair Bolsonaro. Mas agora traçou a linha de que não matará mais no peito todo o desgaste. Afinal, em breve sairá de cena o articulador de uma candidatura entre os deputados e entrará em cena outro Arthur Lira, o pretenso candidato ao Senado e que não pode chegar em 2026 desgastado por dirigir sozinho uma semeadora de ideias ruins. Vai preferir as pautas econômicas para explorar a imagem de que foi o presidente da Câmara que aprovou a reforma tributária. Enquanto o café de Lira esfria lentamente, ele começa a pensar em um futuro em que não será mais o todo poderoso da Câmara e que precisará de muito mais votos do que até agora conseguiu. Do cidadão comum e não mais dos líderes partidários.