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Traduzindo a política

Opinião|Brasil atrasa debate de problemas reais enquanto líderes oferecem seus próprios embaraços ao País

Lula entrega crise internacional, Bolsonaro discute palanque para intimidar a Justiça, Lira quer mais emendas em um País já sem recursos, Pacheco aceita guerra de poder, STF rediscute corrupção, e debate sobre solução de gargalos fica para depois

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Foto do author Ricardo Corrêa

Não bastassem os históricos problemas enfrentados pelo País para garantir uma entrega eficiente de serviços públicos e um ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento de sua economia, o Brasil tem gastado cada vez mais tempo para enfrentar empecilhos que são trazidos à sociedade por seus próprios líderes.

Basta navegar por discursos, redes sociais, entrevistas, agendas ou quaisquer manifestações públicas ou articulações de bastidores das autoridades brasileiras nas últimas semanas para enxergar quanto tempo e energia se gastou com esses problemas oferecidos justamente por quem foi escolhido para destravar o País.

Autoridades como Lula, Lira e Pacheco oferecem ao Brasil o debate de problemas que não são prioritários para um país atrasado em tantas áreas Foto: Wilton Junior/Estadão

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A começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nos ofereceu a mais nova crise internacional em que nos metemos, ao causar desgaste com o governo israelense, com a comunidade judaica e com parte da opinião pública internacional. Ao proferir comentário profundamente infeliz com referência ao Holocausto, trouxe a necessidade de reuniões de emergência, com ministros socorrendo-o em redes sociais, debates no Parlamento e até um natimorto pedido de impeachment que os adversários apresentam apenas para marcar posição na Câmara.

A oposição, responsável por fiscalizar, combater erros e propor soluções que o governo não oferece, está mais preocupada com a montagem do palanque para que o ex-presidente Jair Bolsonaro faça uma demonstração de força, em desafio à Justiça, e uma defesa nos inquéritos em que é investigado por maquinar um golpe de Estado. Um palanque que promete ser recheado de governadores, prefeitos e deputados que, igualmente, trocam agendas mais relevantes ao país para planejar e prestar solidariedade ao aliado que parece à beira da prisão.

Na Câmara, Arthur Lira e líderes partidários vão se reunir com o Palácio do Planalto nesta quinta, não para propor soluções ao país ou anunciar projetos que vão resolver os gargalos que o cidadão enfrenta no dia a dia, mas para discutir como amealhar mais fatias do orçamento e um cronograma de liberação de emendas parlamentares que batem recorde em um país com contas estranguladas. E justamente quando o presidente da Câmara esforça-se para manter influência máxima na escolha de seu sucessor.

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Oposição liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro está às voltas com a organização de uma demonstração de força à Justiça brasileira em um palanque na Avenida Paulista Foto: Wilton Junior/Estadão

Do lado lado do Congresso, no Senado, umas das prioridades do ano é fazer uma guerra de poder com o STF, aprovando medidas que enfraqueçam as atribuições de ministros da Corte, em um movimento que inclui um interesse do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, de agradar a oposição também de olho na escolha de seu sucessor.

Enquanto isso, o próprio STF oferece pautas que turvam o debate na opinião pública, seja com decisões que reescrevem a história do combate à corrupção no Brasil, ignorando fartas revelações de malversação de recursos públicos, como se viu recentemente com Dias Toffoli, seja com a atuação errática ou polêmica em casos envolvendo seus ministros. Vejamos o gasto de energia e da estrutura pública em um inquérito de injúria contra o ministro Alexandre de Moraes pelo episódio do aeroporto de Roma que, ao fim e ao cabo, não gerou nem sequer um indiciamento. Ou o próprio fato de Moraes comandar inquéritos do 8 de janeiro e de toda a máquina de maldades bolsonarista sendo ele próprio vítima de tais ações.

Enquanto nossos líderes oferecem cascas de banana e atalhos para polêmicas e firulas a cada dia, seguimos como o 14º país mais desigual do mundo, segundo o Índice de Gini. Em 60º lugar em uma lista de 64 países no ranking de competitividade econômica global da suíça IMD. Especialmente, em 57º e tendo caído cinco posições no Ranking Mundial de Competitividade Digital, também em uma lista de 64 países avaliados.

No campo educacional, figurando em 53º em leitura, 61º em ciências e 65º em matemática no ranking do Pisa composto por 81 países. Na segurança pública, sendo líder mundial em homicídios segundo estudo revelado pela ONU em dezembro do ano passado, com 10,4% dos casos no planeta, e estando apenas em 25º lugar na qualidade de sua segurança entre 27 nações do G-20 e convidados para a cúpula do grupo, de acordo com estudo da Firjan. Tudo num cenário em que as facções dominam de presídios a contratos públicos, passando por territórios de grandes cidades onde só se entra com autorização de um estado paralelo.

Na saúde pública, com milhares de pessoas nas filas aguardando cirurgias eletivas ou enfrentando anualmente o drama da dengue que o país não consegue minimizar. Ou na Previdência, com mais de um milhão de pessoas na fila para se aposentar e aguardando a burocracia do Estado liberar um benefício a que já têm direito. Sem falar na capacidade de levar adiante uma agenda sustentável, enfrentando o desmatamento, o garimpo ilegal, a falta de saneamento básico e toda uma miríade de problemas que já diagnosticamos.

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Em suma, enquanto populismos, interesses paroquiais, disputas por poder e a polarização exacerbada continuam dando o tom do debate no Brasil, o que se viu de forma ainda mais nua e crua nas últimas semanas, nos atrasamos cada vez mais em enfrentar justamente o que alimenta o desalento do brasileiro e piora nosso futuro. Até quando?

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

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