De olho nos efeitos midiáticos que podem render frutos nesta ou na próxima eleição, que certamente serão marcadas pelo tema da segurança pública, as duas Casas do Congresso Nacional fingem enfrentar o problema com a aprovação de projetos sem tanto efeito prático. Medidas como a restrição das saidinhas de presos ou o reforço na Constituição da proibição do porte de drogas para consumo próprio, evidentemente, não vão resolver o problema. E podem até piorá-lo. O que realmente importa, que é uma melhora nos instrumentos para combater o crime organizado, enfrentando a lavagem de dinheiro e melhorando as ferramentas de inteligência, esses ficam em segundo plano.
Hoje, está claro que, embora o tráfico de drogas sustente as principais organizações criminosas no Brasil, é a capacidade de se infiltrar na sociedade, possibilitando a lavagem de dinheiro, que torna o negócio altamente lucrativo e difícil de ser combatido. Mas enfrentar o crime organizado que se alastra, inclusive em suas vinculações com agentes públicos, pressupõe a criação de novos mecanismos que também poderiam ser usados contra políticos, metidos historicamente em escândalos de corrupção.
Dificultar a modernização dos mecanismos de combate à lavagem de dinheiro inclui-se no mesmo pacote de estratégias que, nos últimos anos, dificultou a punição de agentes públicos por improbidade administrativa, que tenta impedir o fortalecimento do Ministério Público ou criar blindagens a determinados agentes, sempre sob o argumento de que é preciso proteger garantias.
Também não se interessam, Câmara e Senado, fortemente influenciados pela bancada da bala, por medidas que ampliem o controle sobre armas, cujos desvios por meio de CACs legalizados permitem engordar o arsenal que garante o controle territorial, talvez o aspecto de maior impacto a vida de milhões de brasileiros extorquidos e ameaçados cotidianamente pelos criminosos.
Enquanto isso, para passar a ideia à opinião pública de que enfrentam o problema, deputados e senadores oferecem pílulas que funcionam bem em discursos e postagens em redes sociais. A mais recente é o debate sobre a, vejam bem, “constitucionalização da proibição” do porte de drogas, aprovada na CCJ do Senado. Trata-se disso aí mesmo, a inclusão no texto constitucional do que já está expresso na Lei de Drogas de 2006 e que, na prática, não muda nada, pois nem mesmo a delimitação de critérios para a separação entre usuário e traficante essa mudança faz.
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O Senado aprovará a mudança apenas para reforçar seu posicionamento institucional diante do que considera um avanço indevido do STF sobre o poder de legislar. Contudo, estar ou não no texto constitucional a delimitação de que é proibido portar drogas não muda os debates que são travados na Corte, que estão ligados à constitucionalidade ou não de se punir alguém por algo que lesiona apenas a si próprio e à subjetividade de deixar que delegados daqui ou de lá tomem posições diferentes de acordo com a cor da pele ou a classe social do detido. A mudança aprovada no Senado não muda isso e nem impede o dever do STF de julgar o que fere ou não os direitos fundamentais do cidadão, cláusula pétrea da Carta Magna.
Já é proibido portar drogas, e o STF não quer mudar isso em sua essencialidade. O que determina a prisão de alguém por isso continua sendo a definição se tal cidadão estava ou não traficando, o que, repito, não mudará. Se mudasse, serviria para aumentar o encarceramento e o oferecimento de mais jovens para serem aliciados pelas facções criminosas que controlam as prisões brasileiras, o que pioraria o quadro em vez de melhorá-lo. Coisa que grande parte do mundo já percebeu e o Brasil, contaminado por debates ideologizados, não.
A discussão sobre a restrição à saidinha, já aprovada na Câmara, modificada no Senado e agora de volta ao debate entre os deputados, também é medida que não enfrenta efetivamente a criminalidade. Sua existência não é um beneplácito à criminalidade mas um incentivo ao bom comportamento do encarcerado, o que, se bem controlado, é benéfico à ressocialização. Episódios de fugas ou cometimento de crimes durante as saidinhas, não são a regra, mas a exceção. Igualar presos com bom e mau comportamento tende a elevar a tensão nas cadeias e alimentar o discurso de sedução que as organizações criminosas que controlam os presídios utilizam para cooptar cada vez mais integrantes.
Se fosse de fato o combate ao crime organizado o ponto central do debate no Brasil, uma estratégia nacional estaria sendo trabalhada entre Congresso, Judiciário, governo federal e gestões estaduais. Um debate técnico apresentaria mudanças legislativas que, em conjunto, funcionariam de forma complementar uma a outra para garantir que o Estado pudesse prevenir e desarticular as organizações em vez de enxugar gelo prendendo, trocando tiros, matando e morrendo diariamente país afora. Mas isso demanda tempo, medidas difíceis de explicar a cidadão e um trabalho por vezes silencioso, que não serve para as redes sociais e para a sempre próxima disputa eleitoral do ano corrente ou do seguinte.
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