A discussão sobre mudanças na legislação eleitoral brasileira, ocorrendo às pressas no Congresso para ter validade ainda nas eleições de 2024, entrega mais uma dose de instabilidade a um processo que muda a cada novo ciclo de 2 anos. Assim tem sido desde a virada do século, com avanços e retrocessos a depender do quanto cada alteração beneficia a quem está no poder e no comando das legendas na disputa seguinte.
Notem o tamanho dessa instabilidade. A Lei das Eleições foi alterada em algum de seus trechos em 2002, 2003, 2006, 2009, 2010, 2013, 2014, 2015, 2017, 2019, 2020, 2021 e 2022. O Código Eleitoral foi modificado em 2001, 2003, 2013, 2015, 2017, 2019, 2020 e 2021. A Lei dos Partidos Políticos, em 2007, 2009, 2013, 2015, 2017, 2019, 2020, 2021 e 2022. A Lei da Inelegibilidade, em 2010 e 2021. E a Constituição Federal, nos trechos que tratam do tema, em 2009, 2017, 2021 e 2022. Isso citando apenas as mudanças aprovadas no Legislativo, sem desconsiderar que também há decisões judiciais que mudaram interpretações ou invalidaram trechos desses diplomas legais ao longo desse tempo.
Tantas mudanças nem sempre foram para melhor ou seguiram uma linha evolutiva razoável. Em muitos casos, mudanças vieram para desfazer ajustes anteriores. Há muitos retrocessos. Como no caso atual, em que há problemas de toda ordem.
A proposta de minirreforma eleitoral apreciada por deputados e que ainda precisa passar pelo Senado gera afrouxamento das regras de transparência em diversos aspectos. Por exemplo, ao liberar as subcontratações em campanhas sem a necessária prestação de contas. Uma empresa contratada que terceirizar o serviço vai ocultar o destino final do dinheiro público ou qual foi efetivamente o serviço realizado. Isso abre caminho tanto para a compra de votos quanto para o desvio de recursos. Também as doações por Pix feitas sem chaves relacionadas ao CPF jogam contra a transparência.
Haverá flexibilização nas regras de propaganda, com a liberação para campanha eleitoral nas redes (contanto que não haja impulsionamento pago) no dia da eleição. Trocando em miúdos, a boca de urna proibida no meio físico será permitida na internet no dia da disputa, com o cidadão sendo inundado por pedidos de voto ao abrir o celular na hora de ir às urnas.
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Candidatos também não precisarão apresentar o “nada consta”, ferramenta importante para que o eleitor e a sociedade civil conheçam a ficha corrida dos postulantes. E os recursos dos partidos advindos de fundo partidário e fundo eleitoral não poderão ser bloqueados ou penhorados, o que significa que quem tiver dívidas a receber de partidos políticos ou candidatos pode ficar sem ver a cor do dinheiro.
Também a mudança na regra do percentual de candidaturas por gênero é um passo atrás. Agora, no caso de federações, o cálculo de 30% considerará o conjunto de legendas que a formam. Com isso, um partido poderia concorrer sem ter uma mulher sequer na chapa. A regra de considerar o todo, porém, não vale na hora de punições, não podendo um partido da federação ser punido quando uma sanção foi aplicada a outro com o qual está federado.
PEC da Anistia prevê mudar o passado e será engordada com outra polêmicas
Não são apenas as mudanças nas regras que contribuem para a instabilidade e retrocesso na regra eleitoral. Além de alterar o futuro, parlamentares querem modificar o passado. Também em discussão no Congresso, a PEC da Anistia prevê que os partidos podem se livrar de multas de R$ 23 bilhões por descumprir regras de cotas que estão em vigor. E de quebra a PEC ainda vai abarcar pontos polêmicos retirados da minirreforma, como a que impede que sejam aplicadas sanções de perda de mandato de candidatos e candidatas que não tenham preenchido a cota de gênero quando a decisão implique na redução do número de candidatas eleitas.
Mudanças para enfraquecer ou tornar pouco rígido o arcabouço de regras eleitorais, garantindo a perpetuação dos donos do poder e menos problemas de ordem judicial no futuro aos que se aproveitam desse cenário, contam com uma sociedade que até aceitou discutir política mais recentemente, mas de maneira feroz, polarizada e radicalizada, sem se dar conta de que, no momento em que questões como essas estão sendo debatidas no Congresso, PT e PL (e quase todos os outros) votam juntos, de mãos dadas e quase em silêncio.
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