Nesta quarta-feira, 4, no plenário do STF, o ministro Dias Toffoli desabafou: “É difícil ter segurança jurídica em um país que a cada 20 anos cria comissão no Congresso para rever o Código Civil, né?” A frase estava circunscrita ao debate sobre o pagamento de CSLL por empresas desde 2007, mas poderia servir para muitas outras situações alheias ao Código Civil que pululam no Brasil, muitas delas provocadas pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) em debates penais e constitucionais. Serviria para as decisões do próprio Toffoli suspendendo multas da Lava Jato, mas, também, para o debate do foro especial por prerrogativa de função, o popular foro privilegiado.
É que o STF, de novo, quer mudar a regra do jogo, que já visitou em 2018. Parte da Câmara dos Deputados – a oposição bolsonarista da Casa, sobretudo, com o apoio, por enquanto, de figuras do Centrão – também. Os dois lados querem ir para lados opostos, mas pecam pelo mesmo vício: o interesse de fazer prevalecer uma regra que melhor lhes favoreça. Para o STF, garantindo mais poder sobre parlamentares e outras autoridades. Entre os deputados, por ser mais adequada ao objetivo de garantir a impunidade de quem agora se sente ameaçado.
Em 2018, ao discutir o mesmo tema, a maioria dos ministros do STF decidiu que a Corte julgaria apenas crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas. Os demais, encerrado o mandato, iriam para outras instâncias, a não ser que já estivessem em fase avançada de tramitação. Agora, a proposta é manter os casos na Corte mesmo ao fim dos mandatos, exceto quando o crime for praticado antes de assumir o cargo público. O que mudou de 2018 para cá, além da composição da Corte? O acirramento das tensões com o Legislativo e, sobretudo, com a parcela bolsonarista que o compõe.
Ampliar o foro privilegiado por meio de um jeitinho jurisprudencial serviria tanto para fustigar esses parlamentares que foram ao ataque contra a Corte como os demais deputados que travam uma batalha institucional para esvaziar os Poderes do STF.
Deputados, sobretudo bolsonaristas, veem aí um grande perigo. Enquanto possuem mandatos, eles estão na mira de decisões do STF, mas também escudados pela proteção que impede uma prisão de parlamentares senão em flagrante delito e que precisa ser apreciada pelo Parlamento. No futuro, sem mandato, com a mudança de entendimento em debate na Corte, eles continuarão na mira dos ministros com quem estão em confronto, mas sem essa proteção. E isso em um cenário em que seus mandatos precisam ser renovados nas urnas a cada quatro anos, enquanto os de ministros de STF duram décadas, acabando só com a aposentadoria compulsória por idade.
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No passado, parlamentares sempre foram contra o fim do foro privilegiado, sob o argumento que haveria ameaças a sua liberdade de manifestação se estivessem sob a mira de juízes ou desembargadores em instâncias inferiores. A realidade, porém, era bem menos nobre: o STF não condenava ninguém e, então, era melhor ser julgado lá. Agora, porém, o STF é quem tem a mão pesada em alguns casos e com o agravante de que não se pode recorrer a não ser aos próprios ministros que condenam. Assim, deixou de ser vantajoso ser julgado por lá. Sobretudo após o fim da prisão em segunda instância. Os processos, naturalmente, demoram muito mais para tramitar se tiverem que subir toda a complexa escada do Judiciário brasileiro. E por isso a proposta agora é acabar com um histórico privilégio que se tornou um fardo para muitos deles.
De fato, como disse Toffoli em referência ao Código Civil, é difícil ter segurança jurídica quando um assunto é eternamente discutido, neste caso, em intervalos bem menores do que os de 20 anos citados por ele. Difícil ter segurança jurídica quando quem julga quer escolher a quem julgar, e quem é julgado quer escolher quem será o juiz.
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