O debate realizado pelo podcast Flow na noite desta segunda-feira marcou uma nítida diferença de estratégias de candidatos de partidos que se posicionam mais à esquerda ou à direita na disputa eleitoral em São Paulo. Guilherme Boulos estava de olho no voto útil ou em uma herança no segundo turno. E Pablo Marçal queria a todo custo fustigar um Ricardo Nunes, que só precisava se defender, para tentar competir com ele por uma vaga na segunda etapa. Se de um lado psolista contou com as dobradinhas com Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB), de outro, Pablo Marçal (PRTB) e Marina Helena (Rede) miraram no prefeito enquanto competiam pelo eleitorado do ex-presidente Jair Bolsonaro. E teve confusão, claro, mas disso falamos mais adiante.
“Concordo com a Tabata”. “O Datena tem razão”. As frases de Guilherme Boulos deixam claro que o objetivo dele no debate era manter uma relação leve o suficiente para permitir, aos poucos, que os eleitores dessas outras candidaturas possam cogitar uma migração para ele, senão no primeiro, com o chamado voto útil, no segundo turno da disputa eleitoral. E como Tabata e Datena tinham também o prefeito como alvo, a tarefa ficou mais fácil. No fim, Tabata até percebeu o risco do voto útil, a que chamou de “voto por medo”. “Não faça isso”, pediu nas considerações finais. Enquanto isso, até mesmo na lida com Marçal, Boulos, agiu com bom-humor ao dizer que quem sabe até ele poderia dar-lhe um voto no dia da eleição.
Naquele embate foi reforçada a posição do ex-coach, que tinha como alvo definido o prefeito Ricardo Nunes. Isso estava claro desde antes da parte oficial do evento começar, quando eles trocaram impropérios nos corredores. “Vou concordar com o Boulos sobre o atual prefeito”, disse Marçal, que usou todos os seus embates para atacar o emedebista. E quando as dobradinhas eram com Marina Helena (Novo) a única disputa que havia era para tentar ver quem defendia mais as pautas e a pessoa de Jair Bolsonaro. Ele, dizendo que a gestão na pandemia foi feita “tentando acertar”. E ela criticando “método Paulo Freire”, pedindo “menos comunismo” e fazendo críticas ao governo Lula, da resposta à epidemia de dengue ao combate aos incêndios.
O prefeito só tinha uma missão: se defender das críticas que vinham até mesmo nas perguntas feitas por especialistas e a população na rua e evitar maiores polêmicas. Considerando que é dele a caneta atualmente, não haveria outra alternativa. Mas sem confrontos diretos entre os concorrentes, essa tarefa foi facilitada. Não significa que ele não tenha sido quem mais apanhou, mas com menos dureza nos embates e, em consequência, menos repercussão, ele também não pode reclamar.
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Sobre isso aliás, é bom dizer: as regras permitiram a discussão mais direta de propostas, mas tornaram também o debate engessado. Nem o sorteio ajudou. Não houve, por exemplo, nenhum embate entre Marçal e Nunes, os grandes antagonistas nesse momento do primeiro turno. Nem entre Nunes e Boulos, que as pesquisas indicam ser o confronto mais provável no segundo turno. O atual chefe do Executivo só precisou debater com Marina Helena, Tabata Amaral e José Luiz Datena, que hoje estão bem atrás nas pesquisas.
Parecia que o único momento mais áspero do encontro se deu já na reta final, quando José Luiz Datena disparou uma série de ataques a Pablo Marçal a respeito de sua condenação por golpes financeiros. Era também a única advertência aplicada pelo mediador Carlos Tramontina e o primeiro direito de resposta concedido. Nos 45 segundos que teve, Marçal usou apenas para se defender. Surpreendente considerando os primeiros embates da campanha, mas estratégico e suficiente para quem foge da rejeição na reta final da campanha.
Mas faltando poucos segundos para o fim do programa, o verdadeiro Marçal apareceu. Ele passou a vociferar contra o prefeito, dizendo que o prenderia. Foi repreendido pelo apresentador, bateu boca com Tramontina, foi excluído do debate faltando 10 segundos para encerrar sua fala. Deu-se uma confusão em que um assessor do candidato agrediu Duda Lima, aliado de Nunes. O sangue no rosto do marqueteiro ao fim do debate resumiu um pouco do que o próprio Marçal tentava esconder do eleitor. E fica de novo a reflexão da coluna após o debate da Rede TV: faz sentido que os demais candidatos aceitem debater com o candidato do PRTB nos próximos encontros?
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