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Traduzindo a política

Opinião | Divergência no PT sobre Venezuela expõe risco de desagregação da sigla quando Lula sair de cena

Visões distintas sobre ditador venezuelano exemplificam tensões entre duas esquerdas presentes no partido e que só coexistem por conta de sua viabilidade

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Foto do author Ricardo Corrêa
Atualização:

Em dezembro do ano passado, durante evento interno do PT, o historiador Valter Pomar, líder da Articulação de Esquerda, uma tendência do partido, vaticinou: “A verdade é que o PT está muito perto de uma crise político-organizativa brutal. É mais fácil resolver essa crise agora do que quando a implacável biologia se impor. Se essa crise não for resolvida antes da implacável biologia se impor, o PT corre sério risco de fragmentação.” A análise é certeira, ainda que todo o restante do discurso, em prol de uma radicalização das ideias do partido, possa justamente acelerar essa desagregação esperada para quando Lula sair de cena.

Na crise deflagrada após a nota em favor da ditadura de Nicolás Maduro, é como se víssemos justamente as cenas desses próximos capítulos. Que começarão a ser jogados justamente quando Lula não mais puder agregar a legenda, o que já vemos daqui e dali nos debates já não tão silenciosos sobre sua sucessão.

Senador Randolfe Rodrigues se filia ao PT ao lado de Lula, Janja, Alexandre Padilha e Gleisi Hoffmann Foto: Ricardo Stuckert/PR

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Se no discurso do ano passado Pomar batia justamente no comando da legenda, na contenda sobre o apoio ao ditador, Pomar está alinhado a Gleisi Hoffmann e José Dirceu. Como mostrou a colunista Vera Rosa nesta quarta-feira, foi ele quem saiu em defesa da posição pró-Maduro quando Alberto Cantalice, presidente da Fundação Perseu Abramo, apontou “precipitação” com a posição que colocou o partido no alvo das críticas na opinião pública.

A posição expressa pela Executiva e defendida por grupos mais à esquerda na legenda traduz um pensamento mais antigo, cultivado ainda antes da fundação do PT, que tem no anticapitalismo e, em consequência, no anti-imperialismo, a mola que leva a sigla a posições opostas a qualquer pauta internacional defendida pelas grandes potências do Ocidente, ainda que para isso seja preciso sangrar apoiando autocratas ou grupos radicais.

Há, porém, no PT uma outra esquerda, representada seja por recém-chegados ao partido, jovens lideranças ou figuras que, embora já presentes na história da sigla, afastaram-se daqueles que a controlam e que expressam uma visão mais dissociada dessa ideologia herdada da guerra fria e mais alinhada com uma social-democracia, diante de um eleitorado brasileiro que pende mais à direita. Como mostrou o Estadão, a visão contrária a Maduro foi compartilhada, por exemplo, pelos senadores menos antigos na legenda Randolfe Rodrigues e Fabiano Contarato, pela promissora deputada Camila Jara, pelo pragmático deputado Reginaldo Lopes, ou por figuras históricas que perderam espaço no controle da sigla, como o senador Paulo Paim e Tarso Genro.

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Esses dois grupos em choque estão unidos por Lula, com sua história e viabilidade eleitoral. E, até por causa disso, o presidente transita entre as alas, ora agradando a esquerda radical da sigla, como fez nas últimas declarações sobre Maduro, ora tergiversando sobre o tema para não machucar tanto seus aliados moderados junto a um eleitorado que expressa nas pesquisas rejeitar esse tipo de posição.

Embora vitorioso na disputa à Presidência, diante da rejeição majoritária de Bolsonaro e do recall de imagem de Lula, a esquerda deveria saber que segue perdendo espaço para a direita. Foi assim na eleição ao Parlamento e, muito provavelmente, será assim mais uma vez nas eleições municipais. Apesar de Lula. Que, eleitoralmente, mostrou-se maior do que sua própria legenda nos dois mandatos anteriores justamente por tentar desvencilhar-se das posturas que, agora, abraça nos discursos cada vez mais desconectados com o novo eleitorado brasileiro. É o caso da defesa de Maduro, que deixa marcas com as quais o PT já sofre para lidar, com Lula, e que podem ser mortais para a sigla quando tiverem que ser enfrentadas sem ele.

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

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