Não há dúvidas de que a mudança de lado de Marta Suplicy na disputa à Prefeitura de São Paulo pode agregar votos ao pré-candidato do PSOL, Guilherme Boulos, em regiões importantes na disputa contra o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Ela também consegue dialogar com setores da sociedade, principalmente na mais alta renda, que o deputado federal ainda tem dificuldades. Mas junto com o apoio virá também o risco de a pecha de “traidora”, como querem imputar a ela os aliados de Nunes, contaminar a campanha. O antídoto para os apoiadores de Boulos é atribuir a mudança de rota não à ex-prefeita, mas ao atual ocupante do cargo. Fato é que, independentemente de quem vencerá essa batalha de narrativas, o tema será central na campanha de São Paulo nas eleições 2024. E não é pouca coisa. Afinal, na política brasileira, traição costuma ser punida mais duramente pelo eleitor que a corrupção.
Basta ver que gente denunciada, acusada e investigada segue se reelegendo a cada nova disputa para os mais diversos cargos. O mesmo não pode ser dito de quem foi apontado como ingrato ou infiel aos seus aliados. Exemplos não faltam: João Doria, Wilson Witzel, Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Michel Temer, Antonio Palocci e tantos outros não tiveram uma segunda chance do eleitor.
Não significa que a transição de um lado a outro não possa ser feita. Geraldo Alckmin, por exemplo, conseguiu fazê-la sem sobressaltos ao aliar-se a Lula, embora haja dúvidas sobre seu capital político hoje. Mas foi justamente pelo fato de que conseguiu incutir no eleitor a narrativa de que ele não deixou o PSDB por ingratidão, mas por ter sido traído por João Doria, que tomou o controle do partido após ser alçado por ele à arena política.
Os aliados de Boulos e Marta tentarão fazer o mesmo agora. Apontando que quem teria abandonado a ideia que venceu as eleições com Bruno Covas em 2020 foi Nunes, que se aliou a Jair Bolsonaro. O ex-presidente chegou a causar estupefação ao atacar Covas após sua morte pela postura na pandemia. Por essa análise, Marta não teria traído o prefeito, mas sido obrigada a abandonar um barco que mudou de rota ao abraçar um político da extrema-direita.
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Fazer esse exercício de inversão da polêmica, porém, não é fácil, considerando que as conversas entre Ricardo Nunes e Jair Bolsonaro vêm de muito tempo e, mesmo assim, Marta Suplicy continuou no cargo de Secretária de Relações Internacionais de São Paulo, até que fechou um acordo com Lula e, só então, abriu mão de deixar a prefeitura. Embora tenha dito que “traição” era um termo forte para Marta, Ricardo Nunes disse nesta quarta-feira, 10, que a justificativa não cola justamente pois a proximidade dele com Bolsonaro já era pública. Além disso, o histórico também não ajuda Marta nessa tarefa. Ex-petista, ela deixou o partido e votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Naquele mesmo ano, chamou o ex-colega Fernando Haddad de pior prefeito da história de São Paulo. Quatro anos depois, entrou em embate com o Solidariedade para apoiar Bruno Covas quando sua legenda anunciou apoio a Marcio França. Nas duas ocasiões, seu nome foi ventilado como vice de seus adversários nas urnas, tal como agora, quando chegou a ser levantada a hipótese de ser vice de Nunes para, no fim, vai terminar com Boulos.
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