Não há dúvida da importância de se debater, no Brasil ou em qualquer lugar no mundo, o quanto órgãos judiciais e a própria sociedade podem ou devem avançar sobre a liberdade de expressão para coibir a prática de crimes ou ataques às instituições democráticas. Em tempos de polarização exacerbada e em um momento como o que vive o Brasil, após ataques físicos às sedes dos Três Poderes e relatos fartos da articulação de uma trama golpista, não é trivial debater o assunto. Mas quando Elon Musk resolveu despejar um misto de distorções e ataques direcionados nas redes sociais, em aliança com parlamentares bolsonaristas, tal discussão foi para o nível de briga na lama.
É inegável que Musk e o autointitulado “Twitter Files” aumentaram bastante o barulho sobre o tema, inclusive em nível internacional. Também trouxeram duas consequências de ordem inversa nos Poderes, com o enterro do atual PL das Fake News na Câmara, e a aceleração da discussão no STF sobre pontos do Marco Civil da Internet. Para o bolsonarismo, serviu também para reativar até mesmo as teorias da conspiração sobre as eleições de 2022.
Mas de concreto, efetivo, de prova, documento ou relato, o que se trouxe que tenha mudado o cenário fático do debate sobre liberdade de expressão x atuação do STF nas redes sociais? Ao que parece, nada. Há um amontoado de informações, algumas verídicas, mas já de longe conhecidas, como a pressão que o TSE impôs sobre as plataformas, via resolução oficialmente divulgada, para que fosse ágil na retirada de conteúdos que violassem a legislação.
Há também relatos totalmente distorcidos ou mentirosos, como a indicação de que foram “Alexandre de Moraes e outros funcionários do governo brasileiro” os responsáveis por ameaçar de processo o advogado do X Rafael Batista, como afirmou nas redes o autor do “Twitter Files”, Michael Shellenberger. A investigação era do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e tratava-se da exigência de revelar dados sobre integrantes do PCC, que o X rejeitava fazer. O caso foi levado pela Promotoria ao TJ-SP, que deu razão ao advogado.
Também é mentira que Moraes tenha soltado Lula da cadeia, como disse o próprio Elon Musk em sua rede. A decisão que tirou o petista da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba foi a que barrou a prisão em segunda instância. Alexandre Moraes votou a favor da prisão e, portanto, contra os interesses de Lula. Quando o petista já estava solto, ainda inelegível, surgiu a decisão que anulou os processos sob a alegação de incompetência da 13ª Vara em Curitiba. Nesse caso, Moraes votou nesse sentido, mas, repito: Lula já estava solto. Moraes não tirou Lula da prisão como diz Musk.
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Esse debate eivado de carga ideológica e com essas confusões e distorções, não contribui para o aprofundamento sobre os verdadeiros pontos sob os quais a sociedade brasileira deveria se debruçar. A guerra na lama atrasa o esperado fim do inquérito das milícias digitais, polêmico desde que foi aberto pelo STF, por incluir quase todo assunto que diga respeito ao bolsonarismo e ser relatado por aquele que talvez seja a principal vítima dos ataques perpetrados pelo grupo que é investigado. Também deixa pouca margem para que se busque um texto de consenso sobre como a sociedade e a Justiça devem lidar com as redes. E, mais que isso, ofusca os verdadeiros problemas e crises no País.
A reação do STF, com a inclusão de Musk no inquérito das milícias digitais e com a abertura de investigações pela Polícia Federal foi feita sem que a pergunta fundamental para que fizesse sentido fosse respondida: afinal, o bilionário e sua empresa descumpriram alguma decisão judicial ou só ficaram na bravata? Responder a essa pergunta deveria ser uma prioridade das autoridades brasileiras antes de aceitar a provocação e entrar na luta corporal proposta por uma figura exótica disposta a arrumar confusão por onde passa.
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