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Traduzindo a política

Opinião|Lula e Bolsonaro saem das eleições com fraquezas diferentes, mas igualmente perigosas

Esquerda fraca e centro-direita forte nas urnas tende a tornar o Congresso atual mais hostil ao governo; ex-presidente, por sua vez, perdeu protagonismo na direita justamente quando vai enfrentar batalhas jurídicas

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Foto do author Ricardo Corrêa

A pergunta sobre quem sai mais forte das eleições, se Lula, virtual candidato à reeleição em 2026, ou Bolsonaro, inelegível mas até então considerado condutor único da direita no Brasil, faz muito menos sentido quando se chega a outra constatação: a de que ambos deixam a corrida atual mais fracos do que começaram. Por motivos diferentes, mas igualmente perigosos.

O de Lula é mais fácil de identificar. Ficou bastante claro que a esquerda sofre cada vez mais para falar com setores da sociedade com quem o petista sempre dialogou. Isso pode até fazer menos diferença para as eleições de 2026, se considerarmos que Lula venceu apesar disso em 2022 e que, com a máquina na mão, teria mais ferramentas para sustentar isso. Mas faz muita diferença na relação com o Congresso e na preparação de candidatos ao Legislativo em 2026.

Lula e Bolsonaro saem da eleição sem motivos para comemorar Foto: Wilton Junior/Estadão

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Lula depende hoje mais do Centrão do que antes da abertura das urnas no primeiro turno. Com a percepção de que a população está menos disposta a ouvir as pautas da esquerda, a tendência é que o Parlamento imponha ainda mais dificuldades ao presidente. Deputados e senadores de centro têm todos os motivos para dar um passinho mais à direita se olharem para o resultado da disputa municipal, sobretudo considerando que, em dois anos, serão escrutinados por esses mesmos eleitores que não querem saber dos dogmas da esquerda. E aí custará bem mais caro ao governo fazer valer suas vontades no Congresso.

O caso de Bolsonaro é mais complexo. Em uma eleição em que seu principal oponente foi derrotado e que a direita floresceu em muitos lugares, poderia ter saído com a percepção de que foi vitorioso. Mas a flagrante divisão em seu campo promovida em várias partes do Brasil e, em especial, o surgimento do fenômeno representado por Pablo Marçal, trazem uma dor de cabeça gigante.

Ela vai além da questão eleitoral que, por si só, já seria problemática. O ex-coach já aparece à frente de Tarcísio de Freitas nas intenções de voto para 2026, segundo levantamento da Quaest. Desautorizar o voto dos bolsonaristas nele não é tarefa fácil nem agradável, como se viu em SP. Não apenas uma parte do eleitor do ex-presidente fincou o pé na candidatura do ex-coach até o final como ficou profundamente irritado com Bolsonaro e seu entorno quando houve críticas públicas a Marçal.

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O problema maior, porém, é de ordem jurídica. A divisão na direita e o surgimento de outra liderança, com mais vitalidade e imagem mais moderna, esvaziou um pouco Bolsonaro justamente no momento em que uma avalanche de más notícias é esperada na Justiça. É dado como certo que, após o fim do período eleitoral, o ex-presidente será denunciado ainda neste ano pela participação em desvio e venda de joias do acervo presidencial. Bolsonaro já foi indiciado pela Polícia Federal junto com 11 pessoas por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Ele também já foi indicado em outro caso, a fraude do cartão de vacinas, apuração em que o procurador-geral da República Paulo Gonet pediu novas diligências já concluídas pela PF. Isso sem falar nas apurações que ainda não chegaram à PGR, como as investigações sobre a Abin Paralela, milícias digitais e, principalmente, a de uma tentativa de golpe de Estado. Tudo represado para não interferir no processo eleitoral, mas que deve ganhar novo impulso após o fim deste período.

Dado o cenário tenebroso do ponto de vista jurídico, Bolsonaro e seus aliados tinham como principal aposta para que ele não fosse preso a força política que poderia garantir uma mobilização popular contra o encarceramento. A avaliação é de que o STF talvez não tivesse coragem para fazê-lo após eventuais denúncias da PGR. Que se ele não fosse absolvido, ao menos o caso não fosse avante tão rápido, permitindo que uma mudança de conjuntura futura, com a eleição de Congresso e Executivo mais à direita, impedisse uma condenação final. Com novos players à direita, certamente haveria hoje menos mobilização para salvar o futuro de Bolsonaro do que antes da eleição. Parte dos eleitores e de aliados já migraram para Pablo Marçal, e grupos deste campo começam a desafiar a autoridade do ex-presidente. Tarcísio de Freitas também é mais bem avaliado que o ex-presidente e cada vez mais ganha interlocução, inclusive fora da bolha da direita mais extrema.

Há entre aliados de Bolsonaro quem diga que ele só pensa em si próprio e em seus filhos e que, para defender-se das acusações e manter seu legado, ele está sacrificando apoiadores. Esse grupo só continuou com Bolsonaro por entender que não haveria espaço na direita para outro caminho, e por entender que ele seria o indutor único na direita. Essas forças políticas continuariam no palanque de Bolsonaro desafiando o Judiciário até o fim por acreditar que seriam massacrados por seu próprio eleitorado por ordem do presidente se não fossem submissos até o fim, pois ninguém jamais sobreviveu na direita desafiando sua força. Isso foi colocado em xeque nessa eleição.

Também a demonstração de vitalidade do Centrão e mesmo de políticos à direita desautorizados por Bolsonaro mostra que montar a super bancada no Senado em 2026 para tentar derrubar ministros do STF pode não ser tão fácil assim. A polarização deu sinais de desgaste, o que é péssimo para essa estratégia de radicalizar o Senado. Só há uma coisa pior do que perder uma eleição e o controle de um governo: perder o papel de liderança de seu próprio campo político. É o que Bolsonaro parece começar a experimentar.

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

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