Quem fosse colocado para assistir a live com a “sabatina” de Pablo Marçal com Guilherme Boulos (PSOL) sem ter acompanhado a campanha eleitoral em São Paulo poderia imaginar que, a despeito de divergências, os dois possuem bastante coisa em comum. Quem não soubesse que o primeiro divulgou um laudo falso de uso de drogas contra o segundo, poderia imaginar que seria possível que tivessem uma convivência pacífica. Era tudo, porém, um teatro que funcionou muito bem para os propósitos dos dois, o que indica ter sido, politicamente, uma boa ideia para Boulos ter aceitado o convite em princípio absurdo na reta final da campanha eleitoral em São Paulo.
Como aqui mesmo nesse espaço falei na última quinta-feira, a mudança de estratégia de Boulos visava dizer que ele era capaz de dialogar com qualquer um, para tentar driblar a fama de “radical” que tem com grande parte do eleitorado. Veio demorada e, por isso, tem poucas chances de fazer o jogo virar a favor do psolista contra o favorito Ricardo Nunes. Mas a ida à live tinha esse objetivo e outro bem mais concreto: converter votos de Marçal hoje a caminho de Nunes a se transformarem em votos nulos. Deu um passo para isso ao conseguir convencer, na live, que Pablo Marçal repetisse por diversas vezes que não conseguiria votar em Ricardo Nunes.
Boulos ainda fez acenos ao eleitorado evangélico e aos “empreendedores da periferia”, adeptos da defesa da “prosperidade” que representam importante parcela do eleitorado de Marçal. Tudo isso para uma audiência com pico de quase 500 mil pessoas apenas no Youtube durante a transmissão ao vivo. Sem falar de outras redes e da audiência rotativa. Por mirar diretamente no eleitorado que ele pretende alcançar, talvez tenha tido importância até maior do que o possa acontecer mais tarde no debate da TV Globo que encerra a campanha.
A postura de Marçal durante a live também ajudou. Embora fazendo perguntas que deixavam claras as divergências sobre os dois, o ex-coach pegou mais leve até do que jornalistas em sabatinas com os candidatos em algumas ocasiões. E deu bastante espaço para que Boulos pudesse convencer o eleitorado ao criticar a ausência de Nunes e elogiar o fato de o psolista ter ido. Chegou a dizer, em mais um arroubo da exagerada confiança que o marca, que ele e Boulos farão uma disputa como Lula e Bolsonaro nos próximos 30 anos.
As razões para isso foram muito claras na própria live em que Pablo Marçal afirmou que tentará ser candidato em 2026, ou ao governo do Estado ou à Presidência da República. Isso se não ficar inelegível até lá. Por isso também sobraram perguntas que pudessem constranger Tarcísio de Freitas. Para Marçal, depois de fazer uma campanha abaixo da linha da cintura que elevou sua rejeição a patamares proibitivos, a postura ponderada na entrevista visa começar a corrigir isso para a próxima corrida eleitoral, quando vai querer falar com o centro que o derrotou na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
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Mas e Nunes? É razoavelmente compreensível que ele não tenha ido. Marçal ao propor, e Boulos ao aceitar, colocaram o prefeito em uma situação em que precisava escolher o que era menos pior. Nunes, líder e favorito, evitou arriscar. Boulos, de nove a 12 pontos atrás, buscou o fato novo. Parece ter sido bem sucedido em criá-lo. É difícil que seja suficiente para uma virada. Dependeria de outros fatores, como abstenção, desempenho muito acima no debate de logo mais e alguma coisa a mais, mas talvez ajude a concluir a campanha com uma distância menor do que apontam as pesquisas, na busca por salvar seu futuro político.
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