A inflação persistentemente alta como vista em fevereiro, o cenário externo desafiador gerado pelas incertezas trazidas por Donald Trump e as dificuldades políticas que fizeram com que só agora em março a discussão do Orçamento 2025 pudesse ser iniciada não deixam dúvidas sobre o tamanho do desafio de Lula e de seu governo para recuperar popularidade. A base é pequena, a direita parece mais organizada nas redes e o Executivo patinou nas ações e nas comunicações em sua primeira metade. Só um personagem tem ajudado Lula: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O ato deste fim de semana, em Copacabana, no Rio de Janeiro, é um bom exemplo de como, pelo puro interesse pessoal de não ir para a cadeia e para recuperar sua elegibilidade, Bolsonaro dá uma força a um governo nas cordas. O principal tema da manifestação é a anistia aos presos pelos atos golpistas de 8 de Janeiro. A sociedade se divide sobre esse perdão, mas rejeita majoritariamente o que se viu na Praça dos Três Poderes em 2023. Também rejeita, como mostram as pesquisas, qualquer iniciativa de enfraquecimento da Ficha Limpa, outro caminho para tentar salvar o futuro de Bolsonaro.

Se o ex-presidente fizesse essa movimentação sozinho, vá lá, mas ele obriga que sua base aliada trabalhe inteira com esse tema no topo das prioridades. Quem ousa desviar-se para outros assuntos, como Nikolas Ferreira na história do Pix, ou busca outras alternativas, por exemplo, é repreendido nas entrelinhas e lembrado de que pode perder o apoio e ver a máquina bolsonarista mudar de rumos. Quem ousa enfatizar a importância de Tarcísio de Freitas como opção para 2026 é acusado de “trabalhar pelo sistema”. A ordem é manter o candidato inelegível como prioridade. E se ele for substituído de última hora, o que é inevitável, que seja por um membro da família Bolsonaro.
A manifestação até poderia ser um pedido por impeachment de Lula, como queriam alguns apoiadores. E com o foco principal nas dificuldades econômicas sustentadas pelo país, por mais que não seja este o remédio para um governo ruim. Pregar a saída de quem está no poder (por meios democráticos) faz parte do jogo político. Mas Bolsonaro desautorizou e deu a ordem de que a pauta principal é a anistia e que só se pode falar na saída do presidente atual se for “Fora Lula em 2026″. É uma estratégia de deixar fazer o governo sangrar até lá.
Quando começou a discussão sobre a saída de Lula da prisão e a retomada de seus direitos políticos, Bolsonaro teve atuação discreta. Seus aliados diziam na época que era melhor enfrentar um Lula fragilizado após mais de 580 dias preso por corrupção do que um nome como o dos então governadores João Doria, Wilson Witzel ou do hoje senador Sérgio Moro, que bebiam da mesma fonte da antipolítica. Como se viu em 2022, não deu certo para Bolsonaro. Como não deu para os tucanos que também avaliavam, após o mensalão, que era melhor deixar Lula sangrar até as eleições de 2006 para derrotá-lo nas urnas.
Nos dois casos, Lula se recuperou. A situação agora parece mais complexa pois o desgaste do petista se dá em um campo que sempre dominou, o debate da pauta econômica. Mas Bolsonaro tem outras prioridades, que inclusive obrigam seus aliados a abraçarem Donald Trump, a despeito dos evidentes prejuízos políticos da vinculação a um político que tem causado desordem econômica mundial e taxado países. Trump vem gerando dificuldades sobretudo para os conservadores que com ele se alinham pelo mundo. Em muitos países esses grupos correram para se desvencilhar do presidente norte-americano, passando a criticá-lo. Bolsonaro, porém, exige fidelidade àquele que ele acha que tem algum interesse em salvá-lo. Mas quem vai salvar a direita dele?