Desde que o Brasil voltou ao regime democrático, causava arrepio em representantes das instituições do País a ideia de mexer com os militares encrencados. Prender um general de 4 estrelas, como se deu agora, ainda mais de forma preventiva, como Braga Netto, era dessas preocupações. Havia a certeza em muita gente de que isso iria causar uma fúria na caserna suficiente para que a estabilidade institucional fosse ameaçada. Essa era acabou. Braga Netto foi preso e ninguém deu um pio. Até pelo fato de que muitos dos militares que poderiam dizer algo foram também vítimas do plano que a PF diz que ele costurou. E isso é sinal de amadurecimento democrático.
Boa hora para falar da necessidade de se enfrentar outros lobbies corporativistas existentes no Brasil. Nenhum deles atualmente é tão ativo quanto o da magistratura e de representantes do Ministério Público, de olho em manter privilégios que chamam de direitos adquiridos. É do jogo que cada categoria lute por aquilo que é melhor para os seus. E ninguém há de negar o papel importante do Judiciário na sociedade. Não se trata disso. Mas falar que eliminar supersalários seria “ameaça à estabilidade institucional”, como disse uma nota do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) no início do mês, ou que seria um “atentado constitucional”, como afirmou o presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), parece ir muito além disso. Como se o que houvesse fosse chantagem justamente com o risco de que juízes possam tumultuar o andamento do País se eles não puderem, como ninguém pode, ganhar acima do teto definido para o funcionalismo público.
A situação das contas públicas brasileiras traz reflexos que vemos diariamente. O nervosismo do mercado e a pressão por corte de gastos que impactam até nos que mais precisam, como os que ganham salário mínimo ou BPC, dão a dimensão do que é preciso fazer. E, no caso do Judiciário, nem é muito: é basicamente fazer valer a Constituição, que limita os salários em R$ 44.008,52 mensais. Se os nossos juízes não são capazes de cumpri-la, ninguém há de conseguir fazer com que alguém a cumpra.
O problema é que a missão principal de enfrentar esse lobby poderoso é de um Congresso que está muito mais preocupado com seus privilégios. Como disse aqui na semana passada, ainda que para isso seja necessário quebrar o País. Na votação da LDO, nesta quarta-feira, por exemplo, como bem detalhou o repórter Daniel Weterman, nossos parlamentares rejeitaram cortes em emendas, aumentaram o reajuste do fundo partidário e contrariam o pacote fiscal. Com alguns deles encrencados daqui e dali, não querem mexer com um Poder que costuma ser também protagonista de seus destinos e interesses. Essa chaga o Brasil ainda não venceu.
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