O silêncio quase absoluto do entorno de Jair Bolsonaro ou as respostas lacônicas ou diversionistas de grande parte dos aliados do ex-presidente não são por acaso. A operação da Polícia Federal da última terça-feira, 19, trouxe indicativos de que a costura dos investigadores sobre os episódios que culminaram no dia 8 de janeiro está cada vez mais sólida. E mais do que o plano para matar Lula, Alckmin ou Moraes, que era o centro da atual ação, as mensagens contidas no relatório que indicam atuação de militares junto a golpistas em acampamentos e dando orientações antes e depois dos episódios de terror do dia 12 de dezembro são o último fio que faltava para alinhavar um inquérito que deve ser concluído em algumas horas, como antecipou Eliane Cantanhêde aqui mesmo neste Estadão.
Esse fio foi oferecido por Mário Fernandes, não apenas um general de brigada do Exército mas o número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, a cozinha do Palácio do Planalto, durante o governo de Jair Bolsonaro. Tendo inclusive ocupado o cargo de ministro interino por breve período, Mário Fernandes não era tão próximo do dia a dia de Bolsonaro como Mauro Cid, então ajudante de ordens da Presidência. Mas mostrou-se uma linha de contato entre Cid e os golpistas que estavam diante de quartéis, reforçando a investigação de que o 8 de janeiro não foi um ato isolado de “tias do Zap”, mas um episódio final planejado e orquestrado de uma série de tentativas de impedir a transição de poder.
O militar de alta patente e integrante da cúpula do governo não apenas participou dos acampamentos, como revelam imagens que estavam em seu celular, como também orientava os golpistas, enquanto buscava fazer a intermediação com o presidente. Em uma dessas mensagens, no dia 9 de dezembro, ele pede que Mauro Cid agradeça a Bolsonaro por ter aparecido diante dos manifestantes que estavam no Palácio da Alvorada pedindo uma ruptura. E agradece por, segundo ele, o presidente ter aceitado seu “assessoramento”. Bolsonaro nada falou sobre isso, embora sempre tenha negado participação em tramas golpistas.
No mesmo dia, o general recebia áudios de um dos líderes do movimento na frente dos quartéis, que pedia que ele intercedesse junto à Polícia do Exército para a manutenção de uma tenda dos golpistas. Um dia depois, o mesmo líder dos acampamentos pede uma “orientação” sobre “aquele churrasco”.
Coincidência ou não, dois dias depois o que pega fogo em Brasília são ônibus e carros. Na véspera daquela noite de terror na capital, o líder dos acampamentos andava preocupado se eles teriam “segurança”, “já que amanhã é dia 12″. Já no dia seguinte aos atos de terror, logo às 6h da manhã, o líder golpista novamente perguntava se o general estava acompanhando e pedia uma orientação. Também há conversas em que ele pede e Cid concorda em dar a ordem de “segurar a PF” e impedir prisões da turma que estava na porta dos quartéis.
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Em outras conversas, há recados de que o general teria determinado que o grupo se deslocasse ao Alvorada, ou a intenção de mandá-los à casa de Arthur Lira, por exemplo. Sempre levando à conclusão de que não havia um protesto espontâneo, mas a condução de um grupo, seguidores de ordens, operados de dentro da cozinha do Palácio do Planalto para cumprir a missão de tumultuar a transição, pressionando as instituições e gerando as condições para uma ruptura.
Essas mensagens, a impressão do plano para matar autoridades no Palácio do Planalto, os depoimentos de comandantes das Forças pressionados a aderir a um golpe, a minuta golpista, as declarações públicas de Bolsonaro, as confissões e o caminhão de provas recolhido nos celulares de Mauro Cid, tudo isso somado, torna muito bem delimitado o roteiro que levará ao indiciamento do ex-presidente por atentar contra a democracia brasileira. Daí, virão, muito provavelmente, a denúncia, a condenação e uma ordem de prisão. A história de Bolsonaro hoje parece estar escrita, ainda que no cenário político e jurídico do Brasil isso queira dizer muito pouca coisa.
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