Basta passear pelo noticiário político apenas desta quarta-feira, 5, para se chegar à triste conclusão de que, cada dia mais, a política tem se transformado em um território dominado por desequilibrados, ávidos por exibir um barraco do qual fazem parte nas redes sociais. Com celular em punho ou nas mãos de assessores, políticos ou potenciais candidatos estão por aí arrumando encrenca para insuflar hordas que fazem da política um espaço de total falta de diálogo. Em um país em que a filiação partidária se dá em razão do ódio ao adversário, pouco importa o projeto que representam, mas o barulho que conseguem fazer.
Dois autênticos representantes da baixaria em que se transformou a política brasileira quase foram às vias de fato nesta terça na Câmara dos Deputados. Nikolas Ferreira (PL) e André Janones (Avante), à direita e à esquerda, foram os dois deputados federais mais votados de Minas Gerais nas últimas eleições. Suas campanhas foram baseadas, historicamente, nos berros nas redes e em eventos públicos, em muita dose de ironia, deboche, desrespeito e notícias falsas ou distorcidas. Foram premiados nas urnas e, por esta razão, não encontram motivos para mudar.
A mesma reunião em que a briga começou - uma sessão do Conselho de Ética que rejeitou um pedido de cassação de Janones pela prática de rachadinha - abrigou um bate-boca entre o relator, Guilherme Boulos (PSOL-SP) – que livrou Janones –, e o coach e empresário Pablo Marçal (PRTB), que não é deputado apesar do broche que carrega, mas estava lá para fazer o papel a ele designado nas tratativas com o ex-presidente Jair Bolsonaro na disputa em SP: o de encrenqueiro informal da campanha. Também por lá se viu Zé Trovão – deputado que se elegeu após fazer campanha por um golpe de Estado parando estradas do país – partir para a briga com assessores do mesmo Janones. Só não bateu em ninguém por ter sido segurado justamente por Abílio Brunini (PL-MT), deputado de presença marcante em atritos no parlamento mas que, dessa vez, ocupou lugar na “turma do deixa disso”. Por ali também sobrou um chute na canela de Rogério Correia (PT-MG), deputado que trocou socos com um deputado bolsonarista no palco de sua posse em 2018.
No mesmo dia em que parlamentares caminhavam pelos corredores como crianças de quinta série apartadas por colegas, o deputado Eder Mauro (PL-PA), também figurinha repetida em barracos na Câmara (e que teria sido o autor do chute em Correia), ameaçava e trombava com um militante político que foi lá só para disparar críticas contra Bolsonaro. Em meio à confusão, sobrou um braço de Eder Mauro pra lá e uns tapas de um assessor no rosto do homem. Até aparecer um folclórico deputado, pastor, sargento… Isidório (Avante-BA), com uma bíblia na mão, gritando para que a briga parasse.
Nem um problema de saúde de uma parlamentar de 89 anos foi capaz de acalmar os ânimos. Enquanto Luiza Erundina (PSOL-SP) era levada de cadeira de rodas a um hospital onde está internada em uma UTI, uma apoiadora da direita filmava e provocava na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, abrindo margem para nova discussão. A deputada Érika Hilton (PSOL-SP) e outros parlamentares e assessores bateram boca com a mulher não identificada acusando-a de não abrir mão das provocações nem àquela altura.
A própria Erika Hilton também mostrou repertório de baixo nível em discussão com a deputada Julia Zanatta – aquela que um dia ostentou uma foto com um fuzil e uma referência a Lula –, dizendo que a colega seria “feia”, “ultrapassada” e que precisava “hidratar o cabelo”. E aí ouviu Nikolas – aquele que já vestiu uma peruca para atacar mulheres trans e não sofreu punições – repetir o roteiro transfóbico do qual se orgulha: “pelo menos, ela é ela”.
Também nesta terça soubemos que, dias antes, justamente durante a Parada LGBTQIA+, cujo lema é o respeito às diferenças, o ex-deputado Jean Wyllys jogou cerveja na pré-candidata a vereadora Amanda Vettorazzo, ligada ao MBL. Os dois também já figuras famosas de barracos filmados nas redes. Ele, por cuspir em Bolsonaro na fatídica sessão do impeachment de Dilma Rousseff após o então deputado e hoje ex-presidente exaltar um torturador em seu voto. Ela, especialista em invadir eventos de público à esquerda para provocar militantes adversários, criar brigas e alavancar sua campanha. Em um deles, levou um tapa no evento de 1º de Maio organizado pelas Centrais Sindicais.
Sobretudo após Jair Bolsonaro fazer de seu destempero a principal plataforma eleitoral para se tornar presidente, tendo êxito, políticos fazem o que seus eleitorados radicalizados ou os movimentos que os sustentam pedem ou praticam. Sem constrangimentos. Nesta terça-feira, o MST reivindicou o ataque (e reivindicar ataque parece coisa de terrorista) feito por vândalos mascarados à sede do PL. É triste perceber que um movimento considere legítimo e democrático vandalizar a sede de um partido que vota contrário a seus interesses. E que não se constranja em assumir isso.
A política, neste caso, acabou virando caso de polícia, como se deu, também nesta terça, com a detenção de pessoas que distribuíam jornais proibidos feitos pelo PT e pelo PSOL com ataques ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo. Nunes, que chama seu adversário de “invasor de propriedades” e “amigo do Hamas”. É o nível a que estamos sujeitos. E que deve se agravar na campanha eleitoral deste ano. Certamente, episódios com atritos, enfrentamentos, confusões armadas, filmadas e nada espontâneas, também. Vence quem humilhar o adversário ou destruí-lo. Qual o próximo passo? E quanto tempo demorará para que, em um país em que não se pode aceitar quem pensa diferente nem nos espaços criados para isso, cheguemos à guerra civil? Talvez faça menos estrago quem, de outro lado, em meio aos lacradores, esteja, como César Maia mostrou na bizarra situação nesta terça em que participa de sessão sentado em uma privada, “só” tratando a política de forma jocosa e desrespeitosa ao decidir os rumos dos eleitores no banheiro.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.