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Traduzindo a política

Opinião|Políticos nos lembram que se preocupam com PGR e tribunais, pois Defensoria é problema dos pobres

Com atenções voltadas para evitar um chefe do MPF e ministros das Cortes superiores que lhem causem problemas, governo e parlamentares deixam DPU há nove meses com interino no comando

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Foto do author Ricardo Corrêa

A decisão do Senado Federal de rejeitar o nome indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar a Defensoria Pública da União (DPU), tomada na noite desta quarta-feira, 25, ampliará o já longo período em que o órgão ficará sendo chefiado por um interino. Lá se vão mais de nove meses nessa situação. É que nossos políticos preocupam-se mais com o comando da Procuradoria Geral da República (PGR), que tem impacto direto sobre ações que podem surgir contra eles, ou com a composição dos tribunais superiores, onde são julgados, do que com a Defensoria, responsável pela defesa dos mais pobres no Brasil.

No mesmo dia em que rejeitou o nome de Igor Roque para a DPU após extensa espera para apreciá-lo, o plenário do Senado aprovou as escolhas do presidente para três vagas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), tribunal responsável, por exemplo, por julgar governadores de Estado. As indicações haviam sido aprovadas na CCJ apenas algumas horas antes, e menos de dois meses após chegarem à Casa.

Senado rejeitou nome de Lula à DPU e aprovou indicações ao STJ Foto: Jonas Pereira/Agência Senado

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No caso da defensoria, porém, o cenário foi diferente desde o início. A novela começou em 11 de novembro de 2022, quando um já derrotado Jair Bolsonaro (PL) indicou Daniel de Macedo Alves Pereira para ser reconduzido à função. Ele havia assumido em janeiro de 2021 para dois anos e recebeu o voto de 507 colegas, sendo o mais votado da lista tríplice entregue ao chefe do Executivo. Mas o novo presidente eleito tinha outros planos. Como o Senado ainda não havia aprovado o nome de Macedo, que deixou o cargo em janeiro, Lula pediu a retirada de sua indicação. A avaliação do Planalto era a de que o evangélico era próximo demais de Bolsonaro.

Daí até a próxima indicação passaram-se longos quatro meses, até que, em 19 de maio, o petista enfim escolheu o substituto: Igor Roque, o segundo mais votado na lista tríplice, com 290 votos. Depois, passaram-se mais quase dois meses até que, em 11 de julho, a CCJ enfim debruçou-se sobre a sabatina e a aprovação de seu nome.

Mas de julho até este 25 de outubro, os defensores viram, primeiro, o descaso do Senado para pautar a votação em plenário e, depois, uma mobilização de parlamentares conservadores para impedir sua nomeação. A oposição bolsonarista vinculou Roque a um evento organizado em setembro pela Defensoria e que discutiu a saúde da mulher e, em especial, o aborto. E outros adversários do presidente aproveitaram a votação para mandar recados de insatisfação com posturas do Executivo, como, por exemplo, no veto ao Marco Temporal.

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Defensor público Igor Roque teve o nome para comandar a Defensoria Pública da União (DPU) rejeitado pelo plenário do Senado Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Os mais de 9 meses de espera e a derrota fragorosa como recado ao Palácio do Planalto demonstram mais uma vez o desprestígio de um órgão fundamental em um país tão desigual. E justamente pois ela socorre os mais pobres e menos poderosos. Quando Cristiano Zanin foi escolhido por Lula para o Supremo Tribunal Federal (STF), seu nome foi aprovado pelo Senado em 20 dias. O mesmo deve se dar com o próximo escolhido, afinal, a longa espera de André Mendonça no ano passado foi um ponto fora da curva. Na PGR, Augusto Aras teve seu nome aprovado em 20 dias em 2019 e em 35 dias em 2021. O novo escolhido no MPF também não deve esperar demais.

Também falta estrutura. A Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2023, com dados do ano passado, aponta que, hoje, o Poder Judiciário no Brasil conta com 17.919 membros. O Ministério Público tem 12.876 membros, enquanto as Defensorias, em todo o Brasil, possuem apenas 7.200. Isso mesmo com um crescimento de 125% desde 2003, quando tinha só 3.190 integrantes.

Há ainda enormes gargalos para o órgão. Hoje, somente 49,8% das comarcas instaladas no Brasil possuem atuação integral de defensores. Ainda há outros 12,9% com atendimento parcial, excepcional ou por meio de convênios. Enquanto isso, 44,5 milhões de habitantes economicamente vulneráveis (com renda de até três salários mínimos) nas demais comarcas estão afastadas de qualquer hipótese de atendimento pelo órgão.

O desafio, portanto, passa por um plano de interiorização, que fica comprometido enquanto o planejamento trava à espera de um defensor público geral. Mas, se no comando do MP estiver alguém que possa evitar maiores problemas para os parlamentares, e nos órgãos superiores estiverem ministros em quem confiam seu futuro, a Defensoria pode continuar esperando.

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

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