As perguntas direcionadas pelos senadores - em especial os oposicionistas - ao ministro Flávio Dino deixam claro que o legítimo objetivo de uma sabatina - questionar sobre a capacidade de um indicado de assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) - foi deturpado. Das indagações feitas ao indicado por Lula para a vaga, poucas versaram de fato sobre o notório saber jurídico, sobre a conduta ilibada ou sobre temas de interesse geral do país. Em regra, o foco estava em medir se Dino não usará o cargo para perseguir seus adversários. Da parte dele, embora houvesse um esforço de dissociar o atual político do futuro ministro, vieram argumentos para dizer que, bom, um político na Corte pode não ser ruim para a classe política. O nome de Dino foi aprovado na CCJ por 17 a 10 e por 47 a 31 no plenário.
Senadores de oposição gastaram pouco tempo para versar sobre a atuação de Flávio Dino na Pasta que ocupa ou em sua vida política. Polêmicas vividas entraram nas perguntas apenas como notas de rodapé. Os questionamentos sobre a atuação no 8 de janeiro ou a ida ao Complexo da Maré, antes principais críticas a Dino, foram lembrados discretamente. O episódio da presença da ‘dama do tráfico’ no prédio de seu ministério, em reuniões com seus assessores, nem apareceu.
É que o foco ali era outro. A oposição queria saber diretamente sobre como ele lidará com os adversários quando estiver sentado na cadeira de ministro do STF. Trocando miúdos: se precisariam se preocupar com a vingança ou com condenações. O senador Rogério Marinho (PL-RN), por exemplo, não deixou dúvidas disso ao perguntar, duas vezes, se Dino vai se declarar impedido em ações que tenham como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Dino não o respondeu. Flávio Bolsonaro levantou suspeitas de perseguição a adversários e indagou: “Imagina o senhor ministro do STF e dando as cartas ainda na Polícia Federal? Pois o chefe da Polícia Federal vai continuar sendo o amigo do Lula, indicado por proximidade”. Magno Malta falou em ‘ditadura do Judiciário’ para dizer que responde na Justiça por ataques que fez à Corte. Sergio Moro foi além, ao pedir que o ministro abra mão da representação criminal que já fez contra parlamentares, para colocar “uma pá de cal” nesses embates. Completou que eles precisavam ter a segurança de que Dino iria “vestir a toga, e não o contrário”. Seus colegas à direita bateram o tempo todo nessa tecla para questionar se ele lidará como Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, ministros que eles consideram ‘inimigos’ na Corte.
Dino percebeu logo que esse era o tom traçado para a sabatina. E, por esta razão, discorreu sempre que podia sobre políticos que já estiveram na Corte para dizer o quanto isso pode ser benéfico para a classe. Enfatizou que essa interlocução fica mais fácil, que entende o processo legislativo, que defende que só a colegialidade pode interferir na validade de uma lei e que a declaração de inconstitucionalidade é uma hipótese excepcionalíssima. Ou seja: que como político, ainda que já tenha sido juiz, poderia respeitar a atuação legislativa de forma mais plena do que um outro indicado advindo do meio jurídico.
No fim, Dino disse o que a oposição queria ouvir: que se atuar como político no STF, será em defesa de todos eles, e não em vingança a uma parte deles. E, contendo o deboche e os ‘coices’ que aplicou em oposicionistas nas idas anteriores ao Senado e à Câmara, tornou a sabatina bem mais morna do que se imaginava inicialmente. De ambas as partes. Ele, por causa dos votos, e os opositores, pelo medo da vingança.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.