A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de rejeitar, por unanimidade, os recursos de PT e PL que pediam a cassação do senador Sérgio Moro (União Brasil) reforça a disposição do Judiciário de reduzir a temperatura na relação com o Congresso e, em especial, com o Senado Federal. Inicialmente dada como improvável, a reviravolta em favor de Moro veio após outra decisão que também deixou mais tranquilo outro senador de direita: Jorge Seif (PL-SC), que também é alvo de processo de cassação. No caso do catarinense, não houve rejeição ainda da cassação, mas um pedido de novas provas que empurrou para mais adiante uma decisão final. Seif, como Moro, também deve escapar de perder o mandato.
As duas decisões foram apresentadas com o verniz técnico no plenário do TSE. Até pelo fato de que o argumento central de que Moro teria utilizado uma pré-campanha a presidente para se promover na corrida ao Paraná era de difícil sustentação. Para isso, seria necessário entender que Moro nunca quis ser de fato candidato a presidente, que mesmo o Podemos, seu antigo partido, sabia disso e trairia Alvaro Dias, uma de suas principais lideranças e que concorreu ao Senado contra Moro por lá, e que o ex-juiz carecia de se tornar conhecido no Paraná, justamente seu Estado. Também ignorar que o próprio tentou concorrer em São Paulo antes de retornar ao Sul do país por decisão da própria Justiça Eleitoral.
Nenhuma conclusão em contrário, porém, seria suficiente se houvesse de fato interesse em cassar o mandato do senador. Decisões de tribunais superiores, como sabemos, porém, têm forte componente político. Tanto a de Seif como a de Moro ocorrem em um momento em que a cúpula do Judiciário, representada pelo STF e, em consequência, por ministros da Corte que também fazem parte do tribunal eleitoral, tenta controlar ânimos exaltados entre os senadores, que apontam avanço do Supremo sobre o Parlamento.
Como mostrou a repórter Vera Rosa no Estadão, o julgamento se deu em meio a alertas tanto do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que comanda a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa de que o caldo estava entornando na relação. Segundo a reportagem, Alcolumbre chegou a dizer a ele que, se estiver à frente do Senado no ano que vem e o ambiente com o STF continuar como está, não conseguirá segurar a pressão dos bolsonaristas para cassar um ministro da Corte.
Há uma interpretação de que, com a renovação de dois terços das cadeiras do Senado prevista para as eleições de 2026, a direita pode ampliar seu processo de fortalecimento registrado quatro anos antes. Assim, poderia ter maioria para, querendo, levar adiante pedidos para derrubar ministros da Corte máxima do Judiciário brasileiro. Moraes, presidente do TSE, seria o primeiro da fila.
No caso das duas cassações em análise no TSE, hoje, pesquisas e a conjuntura política indicam que seria bem provável que outros parlamentares do mesmo campo pudessem vencer eleições extemporâneas.
Essa conjuntura também ajuda a explicar o arrefecimento das pressões do PT para a cassação de Moro. Integrantes do governo federal, de boa relação com o Judiciário, não se esforçaram para derrubar o algoz de Lula na Lava Jato. Basearam-se na interpretação do próprio Lula de que talvez fizesse mais sentido manter Moro como um senador de pouco destaque no Parlamento do que transformá-lo em um mártir com sua cassação, reforçar a tese de que o Judiciário atua a favor do petista e, de quebra, abrir caminho para uma eventual vitória de Michelle Bolsonaro (PL) ou de um bolsonarista mais convicto em uma possível candidatura à sua vaga em eleição extemporânea no Paraná.
Também o PL passou a dar sinais trocados sobre o real interesse na cassação de Moro. Se a ala do presidente da legenda Valdemar Costa Neto e o grupo paranaense insistiram no recurso para tirar seu mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou a pedir que não houvesse tal esforço. Aí está também um cálculo eleitoral, mas relacionado ao prejuízo ao bolsonarismo de entrar em conflito com uma força relevante no antipetismo paranaense, cujos votos podem ser preciosos dois anos mais tarde.
Moro também fez o dever de casa. Moderou críticas ao STF, mesmo diante das seguidas derrotas da Lava Jato. Silenciou sobre o julgamento enquanto o TSE o analisava, evitando esticar a corda da existência de uma perseguição de qualquer tipo contra ele. Fez mais: foi à procura de Gilmar Mendes para conversa na qual ouviu desaforos em prol de uma relação razoavelmente civilizada contra aquele que é o principal crítico de sua atuação na operação baseada em Curitiba. Uma vez salvo pelo TSE, Moro mantém um mandato, até aqui, discreto, espremido pela polarização entre Lula e Bolsonaro e sem a aura que, um dia, o fez crer que viabilizava uma candidatura presidencial. O resultado do julgamento indica que seus críticos e adversários, ao menos momentaneamente, não acreditam nessa hipótese e suas derrotas parecem estar circunscritas à Lava Jato, movidas não contra ele, mas a favor daqueles por ele condenados.
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