Os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deixaram apenas um caminho estreito para ser percorrido pelas defesas dos agora réus por tramarem um golpe de Estado entre meados de 2021 e o início de 2023. Na sessão em que a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi aceita, embora enfatizassem se tratar apenas de uma análise preliminar sobre os indícios trazidos pelo Ministério Público Federal, os integrantes da Corte traçaram uma linha clara entre o que consideram que já é fato consumado e o que ainda pode ser objeto de argumentação e foco durante a instrução processual e posterior julgamento.
Leia também
O que já está claro para os ministros é que: sim, houve uma tentativa de golpe de Estado. E que para golpe de Estado basta a tentativa. Todos os ministros foram cristalinos sobre isso. Como também foram claros sobre não haver eventos estanques, mas um encadeamento fático que levou ao 8 de Janeiro. “Não se pode dizer que não aconteceu”, disse Fux. Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia foram os mais enfáticos quanto a isso. O de que a invasão e destruição da sede dos Poderes não se trata de vandalismo e nem surgiu por geração espontânea. Morais disse que “fica claro o iter criminis detalhado na denúncia da PGR”, citando uma expressão em latim que significa “caminho dos crimes”, para mostrar que eles superaram a cogitação. “(Houve) uma máquina do golpe que tentou desmontar a democracia e que é um fato. Todo mundo assistiu”, reforçou Cármen Lúcia.

Mas então o que resta às defesas? A definição de que houve de fato o crime, naturalmente, não completa o quadro para as responsabilizações. E nem o encadeamento proposto pela PGR. É preciso a individualização de cada conduta e o destaque do quanto cada etapa contribuiu para o resultado final: o 8 de Janeiro. Então, cada advogado dos réus, primeiro, vai tentar provar que, sim, houve tentativa de golpe, mas que seu cliente deu azar que um encontro ou mensagem tenha sido interpretado como parte dele. Ou que sua conduta não contribuiu em nada para o fim. “Foco agora é em quem fez o quê”, disse Fux.
Para o ex-presidente é mais difícil, naturalmente, pois era o grande beneficiário da ruptura. Segundo Moraes, “não há mais dúvidas de que o denunciado Jair Messias Bolsonaro conhecia, manuseava e discutia a minuta do golpe”. As interpretações sobre em quais crimes isso se aplica serão feitas na instrução penal, ele reforçou. E não basta dizer que não convocou conselhos de Defesa, após discutir a minuta, como afirmou após o julgamento, pois a acusação é justamente sobre o uso de um instrumento que é legal em algumas ocasiões, mas que estava aplicado de outra forma que a Constituição não prevê.
Mas há como discutir crimes e penas. Fux deixou isso evidenciado ao dizer que pretende propor outra dosimetria para o caso de Débora Rodrigues dos Santos, a cabeleireira que tem dois votos para ser condenada a 14 anos por participação no 8 de Janeiro. E ele cita dois argumentos para tal. Um deles, jurídico e que pode ser explorado pela defesa de Bolsonaro, ainda que já debatido outras vezes no STF: o da confusão entre os crimes de golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado democrático de direito. Parece razoável imaginar que o golpe, que é mais amplo, inclui a abolição. Como haveria o primeiro sem o segundo? Não poderia haver, neste caso, soma das penas, como tem havido. Fux parece, no mínimo, achar relevante esse debate.
O outro argumento de Fux tem mais a ver com o procedimento de Moraes e, até por isso, rende um debate naturalmente mais acalorado. Em resumo, citou a forte emoção de ter visto um STF aviltado e destruído como possível motivo para uma pena “exacerbada”. Valeria para qualquer dos réus se esse debate começar a ganhar corpo.
Também a delação de Mauro Cid tem espaço nas discussões da defesa. O mesmo Fux contestou as diversas mudanças de versão do réu colaborador. Deixou claro que, para ele, a delação não deveria valer. Outros ministros reconheceram a necessidade desse debate. E, por isso, o esforço de Moraes em enfatizar que a Polícia Federal trouxe elementos próprios mais fortes que o da delação para comprovar a trama do golpe.
O processo ainda está no início, mas é inegável que terminará em condenações. Não necessariamente de todos, nem por todos os crimes. Por isso, agora, mais do que antes, é cada defesa por si.