Ao propor estudos para cortes em massa na máquina pública, incluindo a extinção de fundações e agências, redução do número de cargos e despesas com passagens aéreas e aluguéis de veículos, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) se oferece como um contraponto à política adotada no governo Lula. Enquanto o petista defende a recomposição dos gastos na máquina pública com o argumento de que o Estado precisa retomar serviços públicos e ampliar programas sociais, Tarcísio defende que recuperar a capacidade de investimento e destravar a economia depende do enxugamento do tamanho do Estado e de uma maior abertura à iniciativa privada.
A proposta de Tarcísio, antecipada nesta quarta-feira, 22 pelo Estadão, é embrionária, não foi detalhada suficientemente ainda, mas mostra-se aparentemente ambiciosa. E inclui não apenas os cortes na carne como também a recuperação da arrecadação – aí em linha também com o que se vê no nível federal – com a derrubada de incentivos fiscais oferecidos pelo governo estadual. Os dois temas tendem a oferecer desafios ao governador. Ele enfrentará o lobby dos setores beneficiados economicamente, a pressão de uma classe política que recheia fundações e, sobretudo, agências metropolitanas, e vai encarar o peso das corporações do funcionalismo. Uma empreitada bem mais complexa do que a privatização da Sabesp, por exemplo, até aqui o maior feito de sua gestão.
Esse tipo de desafio outros políticos à direita ou na centro-direita tentaram enfrentar. Governadores já em segundo mandato sofreram em diferentes graus. Eduardo Leite (PSDB) avançou às custas de muito desgaste com os opositores. No caso do gaúcho, houve cortes profundos, mas incluídos em um cenário de desespero fiscal no qual o Rio Grande do Sul estava inserido bem antes da tragédia climática que se abate sobre a região. Romeu Zema (Novo) não conseguiu sequer avançar na pauta das privatizações, principal bandeira de seu partido. Governou baseado em uma liminar que suspendeu o pagamento da dívida, mas quando se olha o cenário fiscal de Minas Gerais hoje, pouco corte de fato em despesas pode se observar.
Houve também quem, à direita, sabotou seus próprios esforços. Jair Bolsonaro foi eleito com uma promessa do ministro da Economia Paulo Guedes de modernizar a economia brasileira. Mas o presidente passou quatro anos arrumando encrenca e levando a polarização para a pauta ideológica. Ignorava o desafio econômico. Nunca foi um promotor da pauta liberal que abraçou apenas naquela campanha. Saiu do governo marcado não pela modernização, mas pela desastrosa ação na pandemia e pelos rompantes de autoritarismo que culminaram numa investigação por tentar dar um golpe de Estado.
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Tarcísio quer passar longe desse tipo de polêmica. Embora dê apoio explícito ao padrinho alvo de inquéritos de todo tipo, alegando que não poderia ser ingrato, busca uma relação mais harmônica com o governo federal e gasta seu tempo defendendo a pauta econômica que o elegeu. Suas polêmicas circundam a pauta da segurança pública, na qual operou ações necessárias contra o crime organizado – e cujo critério de manutenção inclui apoio popular indicado em pesquisas internas – mas, ao mesmo tempo, com indícios de abuso de autoridade. Ainda assim, naturalmente, também em busca de uma contraposição ao governo federal, que tem essa área como a de pior avaliação em sua gestão.
Tarcísio pode até dizer, como tem feito, que não pretende ser candidato em 2026. Como dito aqui neste espaço, ele só toparia concorrer se tivesse clara chance de vitória, o que dependeria ainda de uma piora nos índices de Lula. Se optar por fazê-lo ou se mantiver o interesse em concorrer à reeleição, já terá sua plataforma a oferecer à avaliação do eleitor. E se o debate for travado sobre a pauta econômica e o tamanho do Estado e não sobre as questões ideológicas que movem as redes, já seria um avanço na polarização brasileira.
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