RIO E SÃO PAULO - O Rio lidera o ranking de inquéritos por crimes eleitorais no Brasil. Levantamento feito por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) nos dados da Polícia Federal (PF) mostram que o Estado abriu entre 2013 e 2020 3.487 investigações. Dentro desse universo há delitos eleitorais clássicos, como a boca de urna, apontado pelos agentes como a principal conduta criminosa no Estado. Mas ela esconderia, de acordo com a Justiça Eleitoral, a ação de grupos armados, com domínio do território: milícias e facção criminosas.
Embora os números do País mostrem uma estabilidade do total de inquéritos ao longo da década passada, com picos de 4 mil casos em três anos distintos, há uma mudança detectada por investigadores no últimos dois anos: o aumento do casos de crimes eleitorais associados à lavagem de dinheiro, corrupção, peculato, tráfico de influência e organização criminosa.
Esses casos todos foram para a Justiça após a decisão em 2019 do Supremo Tribunal Federal (STF) de mandar os crimes conexos ao caixa dois eleitoral à Justiça Eleitoral dos Estados. No Rio, entre os inquéritos envolvendo políticos, está o que investiga o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O parlamentar, que já foi denunciado na Justiça estadual pelo Ministério Público no caso das “rachadinhas”, é também alvo de investigação sobre suposta falsidade ideológica eleitoral nas declarações de bens em 2014 e 2016.
A liderança do Rio no ranking dos inquéritos eleitorais da PF é constante desde 2013 – exceto em 2016, quando o Ceará registrou mais inquéritos abertos do que o Rio. O Estado também é o que tem a maior taxa de inquéritos por cem mil eleitores entre os Estados mais populosos do Brasil: 28,1 ante 7,3 de São Paulo, 6,8 de Minas e 5,1 da Bahia.
O ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Henrique Neves, que atuou na Corte entre 2008 e 2012, afirmou que “sempre houve preocupação no Rio com a ação de grupos armados”, que impediam que candidatos pudessem fazer campanha em áreas sob o controle dessas organizações criminosas. “Uma das grandes preocupações do tribunal sempre foi garantir a expressão da livre vontade do eleitor.” Além de impedir a campanha de adversários, esses grupos também cometeriam outros delitos eleitorais, como a compra de votos ou a boca de urna.
Coordenador da fiscalização de propaganda eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ), o juiz Luiz Márcio Pereira acredita que a presença do crime organizado – milícias e traficantes – gera a abertura de apurações. Elas são voltadas para investigar o cerceamento da liberdade eleitoral dos moradores de regiões sob domínio armado. “O número alto (de inquéritos) me parece ser em função dessa força, dessa atuação de um Estado paralelo do crime organizado, que acaba tendo uma repercussão no processo eleitoral que vem desde 2008”, aponta.
A eleição de 2008 é considerada um marco nesse sentido. Naquele ano, foi solicitado o auxílio das Forças Armadas, na Operação Guanabara, para coibir a atuação de milicianos e traficantes. À época, as reclamações se concentravam na dificuldade que candidatos de fazer campanha em áreas dominadas pelos criminosos. Representantes desses bandos tinham prioridade e coagiam eleitores para conseguir votos. Candidata à Câmara do Rio, Carminha Jerominho (PT do B) foi presa – e eleita mesmo assim. Ela é filha de Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, vereador preso em 2007. Ele passou mais de dez anos na cadeia por liderar a Liga da Justiça, milícia da zona oeste do Rio.
Segundo dados do Ministério Público e do TRE compilados antes da eleição de 2020, 672 locais de votação do Estado ficam em áreas controladas pelo crime. Isso equivale a 14% do total. Pelos registros do Disque-Denúncia, houve 438 reclamações, na eleição de 2018, de que milicianos exerciam pressão num raio de 200 metros dos locais de votação no Estado. O Comando Vermelho, maior facção do tráfico no Rio, gerou 423 denúncias.
Apesar disso, a procuradora regional eleitoral do Ministério Público Federal no Rio, Silvana Batini, acredita que os casos eleitorais envolvendo grupos criminosos não são expressivos. “Há um número muito grande de inquéritos instaurados sós com base em informações indevidas ou irregulares das prestações de contas de candidatos.” Para ela, muitos crimes políticos no Rio não são necessariamente eleitorais. É o caso da maior parte dos assassinatos de pessoas ligadas a legislativos municipais, especialmente na Baixada Fluminense.
Milícias
Em 2020, houve casos ligados à milícias que geraram inquéritos eleitorais. A família Jerominho é exemplo disso. O clã voltou às atenções da PF no ano passado. Na campanha, tentava retomar força política. Carminha buscou – sem sucesso – uma vaga na Câmara e teve 4 mil votos. Poucos dias antes do pleito, o clã passou por buscas e apreensões. As ações miravam um suposto esquema de lavagem de dinheiro na campanha.
Hoje enfraquecidos, os Jerominhos são acusados de fundar a Liga da Justiça. A partir desse embrião, o grupo se expandiu. Transformou-se no atual Bonde do Eco, nome dado em referência ao apelido de Wellington da Silva Braga, tido hoje como o miliciano mais procurado do Rio. Sob Eco, o grupo avançou para municípios do Grande Rio.
Em Duque de Caxias, uma dupla chama a atenção. O Legislativo da cidade da Baixada tem, ao mesmo tempo, o filho de Chiquinho Grandão, já apontado pelo MP como ligado a uma milícia da região, e a filha de Fernandinho Beira-Mar, líder do Comando Vermelho. Fernanda Costa (MDB) assumiu o cargo porque era suplente de um vereador que foi assassinado em março.
Roraima lidera ranking de crimes por eleitores
Unidades da Federação com menos eleitores em comparação às mais populosas assumem a dianteira do ranking de inquéritos de crimes eleitorais por cem mil eleitores. Por esse critério, Roraima com 97,6 inquéritos por 100 mil eleitores lidera a lista, seguido pelo Rio Grande do Norte (73,4) e Acre (59,2). Há um mês, a PF deflagrou em Roraima a Operação Déjà Vu, sobre compra de votos nas eleições de 2020. No Acre, a polícia apurou em 2016 a ação de caciques da etnia huni kuin, que proibiram a entrada em suas terras de candidatos não indígenas.
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