A celeridade na apuração das denúncias contra Wilson Witzel, afastado na sexta-feira, 28, do cargo de governador do Rio, se deve mais ao fato de os supostos desvios na área da Saúde terem acontecido em plena pandemia do que por influência política do Palácio do Planalto. A avaliação é do cientista político Ricardo Ismael, doutor em ciências políticas pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e professor da PUC-Rio. Para ele, o Rio vive um “vácuo” político – cinco ex-governadores do Estado eleitos desde a redemocratização já foram presos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O presidente Jair Bolsonaro é beneficiado pelo afastamento do governador Witzel ?
Witzel foi eleito naquela onda do Bolsonaro. Ele passou a maior parte da campanha na rabeira e começou a crescer no fim do 1.° turno fazendo campanha com Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). No segundo turno, ganhou com uma diferença de 20 pontos porcentuais. Depois, ele começa a se afastar de Bolsonaro e diz que poderia ser candidato à Presidência em 2022. Após a busca e apreensão na secretaria da Saúde, ele começou a se retrair. Com o processo de impeachment na Assembleia, ele ficou mais ainda na defensiva. O voo dele nacional já estava completamente inviabilizado. Com o afastamento, cresce muito a chance dele sofrer impeachment. Se ele for mesmo afastado e não voltar, Bolsonaro pode ter um aliado no governo para 2022.
Os Bolsonaros podem ocupar espaço nesse vácuo de poder do Rio de Janeiro?
O vice Cláudio Castro, do PSC, tem pouca experiência em política. Se não for comprovado nada contra ele, Castro fica com o mandato e, pelas circunstâncias no Rio, será forçado a se aproximar do Governo Federal, até para poder buscar recursos. A situação das finanças públicas no Rio é bem delicada. Seria uma tendência natural. Castro não iria sombrear Bolsonaro em uma tentativa para disputar a Presidência. O outro cenário é, se houver o afastamento do vice, que também está sendo investigado, pode ocorrer uma eleição direta. Nesse caso, o bolsonarismo não tem candidato. A pré-campanha para a prefeitura da capital mostrou isso. Bolsonaro se aproximou do Crivella e não tem um candidato.
Como o sr. explica a decadência da política do Rio, que já teve cinco governadores presos e agora um governador afastado?
Os casos de Cabral, Pezão e Witzel se parecem e envolvem desvio de dinheiro público. Os mecanismos de controle do Rio, como Tribunal de Contas e Ministério Público Estadual e Polícia Civil, têm falhado. Lembrando que o Tribunal de Contas é um órgão auxiliar da Assembleia Legislativa, que também tem função fiscalizadora.
Houve celeridade no caso de Witzel?
Sempre se levanta a hipótese que o governo Bolsonaro apertou os botões, mas governador tem foro privilegiado. Tudo foi feito com autorização do ministro Benedito Gonçalves, do STJ. Todos os procedimentos foram analisados por ele. Salta aos olhos no Rio que, durante uma pandemia, surjam uma sucessão de denúncias. Isso chama atenção da mídia e o processo ganhou mais velocidade. Foi a pandemia que fez andar mais rápido. É muito mais grave desviar dinheiro público nessa situação.
A queda de Witzel coloca em xeque o discurso da nova política?
Sim e não. Vamos começar pelo sim. Witzel foi eleito dizendo que representava a nova política e nunca tinha se misturado com políticos acusados na Lava Jato e vinha da Justiça Federal. O discurso casava com o momento do País pós Lava Jato de buscar políticos ficha-limpa. Nesse aspecto foi uma ducha de água fria. Rio e Minas Gerais apostaram em caras novas. Nesse sentido foi um revés. A população vai perceber que não adianta votar em alguém que não é da política, só indo atrás de outra atividade profissional. Por outro lado, o Rio de Janeiro vive um vácuo político. Estão fora do jogo todas as lideranças do MDB, Garotinho e Rosinha, o Witzel. O sentimento de renovação vai continuar.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.