BRASÍLIA – “Rodrigo Maia é o primeiro ministro. Se a reforma da Previdência passar, é mérito dele”. “O grande atrito que existe hoje no governo, as caneladas do presidente, são influência desse filósofo Olavo de Carvalho”. “Ninguém vai votar no governo porque o Bolsonaro tem olhos azuis. Ele precisa fazer um carinho na cabeça do parlamentar”.
Os tiros são da pistola 380, com 19 munições, do deputado federal Delegado Waldir, líder do partido do presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Ele os disparou, sem dó, em quatro horas de entrevista ao Estado, em seu gabinete, entre a tarde e a noite da última segunda-feira, dia da queda do ministro da Educação. “Você nunca viu na história um líder do partido do presidente firme e independente como eu”, disse. “Todas as pessoas mostram a ele só o ótimo. E eu mostro o amargo, o fel”.
O ótimo aí, para o líder do PSL, é dizer ao presidente da República que ele tem 308 votos na Câmara – número minimamente suficiente para a aprovação de emendas constitucionais como a da previdência. “Ele tem, estourando, 100 votos”, afirmou o Delegado Waldir. E deu um exemplo: “O parlamento é a namorada, o presidente é o namorado. Ele viu a menina. E em vez de dizer “oi meu amor, minha querida”, disse “nossa!, hoje você está uma bruaca”.
Waldir Soares de Oliveira tem 56 anos, três filhos do primeiro casamento, dois netos, e uma bebê de dois meses, do segundo casamento. É homem de 200 camisas, 200 gravatas e 60 ternos, disse. Já escapou, sem um arranhão, de um capotamento de carro com perda total. Tem um hobby que poucos conhecem: viajar pelo mundo desde os 45 anos. “Conheço uns 100 países”, contou. Citou a Europa inteira, toda a América Latina, parte dos Estados Unidos, parte da Ásia, e outros. Seu país preferido é a Itália, terra da avó materna. Viaja uma ou duas vezes por ano, por conta própria, com a mulher e/ou os dois filhos que moram com ele. “Eu mesmo pesquiso e procuro as opções mais baratas”, afirmou.
Está no terceiro mandato. No primeiro, pelo PSDB, em 2010, era suplente e assumiu por cinco meses. No segundo, 2014, foi o deputado federal mais votado de Goiás. Saiu do PSDB, entrou no PR e depois no PSL. Ganhou fama quando perguntou ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha – até hoje preso – se ele tinha conta no exterior. Na terceira eleição, ano passado, teve um novo recorde de votos.
Barba propositalmente sem fazer, o deputado-delegado, ou vice-versa, define-se como “extremamente polêmico”. E é. Paranaense de Jacarezinho, teve infância pobre, trabalhou duro desde menino – foi engraxate e preparador de mudas de café, por exemplo -, e formou-se em Direito. Foi, primeiro, escrivão concursado de polícia. Depois passou num concurso de delegado para a Polícia Civil de Goiás, e para lá mudou-se. Fez barulho no cargo, foi acusado de arbitrariedades, bateu de frente com a Polícia Militar – “os oficiais da PM de Goiás me odeiam”, diz, com orgulho.
Em 2016 tentou a prefeitura de Goiânia, mas perdeu. Passou a odiar o ex-governador Marconi Perillo, para ele o responsável pela derrota. Hoje está a poucos metros de uma colisão com o governador Ronaldo Caiado – a quem apoiou na eleição recente. “Ele está esquecendo os amigos mais fiéis que teve na campanha”, disse. “A deslealdade não tem preço”, avisa.
O delegado-deputado, ou vice-versa, usa sempre um coldre no cinto das calças – como se viu no bafafá da última terça-feira, na sessão da Comissão de Constituição e Justiça, quando alguns colegas o acusaram de estar armado. Não estava.
“A arma fica no carro”, explicava ao Estado na entrevista da véspera. “Deixo sempre o coldre no cinto, porque dá trabalho de botar e tirar”, disse. Para mostrar, tirou o cinto, puxou o coldre, e deixou-se fotografar. Explicou que sua pistola 380 tem uma segunda carga sempre disponível, com 19 munições.
Seus alvos principais, na entrevista que segue abaixo, foram o filósofo sem diploma Olavo de Carvalho e o próprio governo Jair Bolsonaro, igualmente do PSL, até aqui liderado pelo atirador.
O que o sr. achou da queda do ministro da Educação, Ricardo Vélez, e do novo indicado, Abraham Weintraub? O primeiro foi ministro porque era um olavete, indicado pelo Olavo de Carvalho. Com a indicação do outro o presidente deu sinal de que o Olavo está muito forte, porque ele é apaixonado pelo Olavo, continua apaixonado pelas teses de Olavo de Carvalho, o que enfraquece os setores técnicos e militares do governo.
O que o sr. acha do Olavo de Carvalho, tido como guru do presidente Bolsonaro? Zero à direita, zero à esquerda. Uma pessoa que fica dando palpite em nosso país lá de fora. Quantos votos ele trouxe? Que campanha que ele fez? Escreveu não sei quantos livros, dizem. Parabéns! Mas e daí?
O sr. já leu algum? Não tenho tempo a perder com isso. E eu duvido que o presidente Bolsonaro tenha lido um livro dele. O presidente tem muito o meu perfil. É operacional.
Como o sr. entende essa influência do Olavo de Carvalho no presidente? Eles dizem que é o profeta da direita. Aquele que trouxe os ideais do bolsonarismo.
E o que diz o sr.? Tudo besteira. O Brasil não precisa mais de sociólogos e filósofos. Precisa de pessoas que tenham operacionalidade e tirem o Brasil da miséria e da pobreza. É inadmissível que o Olavo ataque o PSL, os parlamentares, o governo e os militares, e lá de outro país. Indicou dois ministérios. Tem que largar a teta e vim pisar na favela, sentir a nossa poeira.
Que problemas a ligação com o Olavo tem provocado? O grande atrito que existe hoje no governo, as caneladas do presidente, são influência desse filósofo Olavo de Carvalho. Tem que afastar a influência dele do governo. Quem tem que ter influência é o presidente. Ele não pode ser o palpiteiro de plantão.
Essa é uma crítica direta ao presidente, que prestigia o filósofo. Não é a primeira que eu faço. Se você pegar os olavistas que me atacam nas redes sociais, eu dou aula pra eles todos os dias. Está na hora do Olavo de Carvalho parar de dar palpite no governo. Palpite é só no jogo do bicho.
O sr. sabe que esse estilo pode levar o sr. a sair da liderança em pouco tempo? Sei que eles vão trabalhar para me derrubar, porque eu sou muito independente. O governo quer alguém que seja manipulado, e eu não sou manipulável
Já são favas contadas que o sr. vai sair? Não. Eu tenho uma força, eu tenho cartas na manga. Seria bom um deputado como eu na oposição ao governo Bolsonaro? Um deputado de dentro da Casa, que conhece os segredos da Casa? Eu não sou submisso ao presidente. Eu não devo meu mandato a ele. Meu patrão é o eleitor.
Alguns de seus colegas tem dito que o sr., como líder, precisa seguir um manual de controle. Isso é nota plantada. Eu não sigo manuais. Eu não sou uma pessoa domesticável. Ninguém me coloca coleira. Fui forjado pelo eleitor, pela minha experiência de vida. Eu fui lapidado na periferia, no gueto, venho de mãe zelador, sem pai.
Como que o sr. virou líder do PSL? Primeiro, o presidente do partido, Luciano Bivar, quis me conclamar líder, por aclamação. Mas o presidente Bolsonaro, por influência de um ou dois parlamentares, pediu que eu não fosse aclamado. Depois eu fui indicado com a assinatura de 36 dos então 52 deputados.
Por que o presidente Bolsonaro não quis que o sr. fosse aclamado? Por influência. O presidente não faria isso sozinho, eu era da extrema confiança dele.
O sr. estranhou? Estranhei. O Bolsonaro teve quatro votos quando foi candidato a presidente da Câmara, em 2016. Um deles era o meu. Eu fui fiel. Sempre fui um parceiro inseparável. O presente desautorizou o presidente do partido. Se tivesse concordado não teriam acontecido aquelas discussões no zap. Porque não tinha a definição do líder, e aí começou uma guerra.
O sr. já questionou o presidente por conta disso. Não. Quem tem que responder é ele. Se em algum momento ele quiser me dar uma explicação, é líquido e certo que eu gostaria. Mas tenho total respeito. Em nenhum momento perdi a admiração.
Mas foi uma pergunta que ficou sem resposta. Ficou. Mas não tenho amor à liderança também não. Estou líder, enquanto me mantiverem. Mas sou um líder independente, crítico, talvez em razão das minhas falas muito duras, de que não devem ser usadas as expressões “nova política” e “velha política”. O Bolsonaro parou de falar isso por causa das minhas falas de que deveria respeitar o parlamento. Ele começa a dialogar com o parlamento.
O sr. também disse que o projeto de previdência dos militares era um abacaxi. Se arrependeu? Nada. Eu não sou da cozinha do presidente. Então, eu tenho que usar os meios para que o nosso governo dê certo. Alguém tem que dar o recado. Alguém tem que ser maduro nesse jogo. Alguém tem que ser muito duro e falar as verdades. Muita gente fala aquilo que ele quer ouvir. Alguém tem que falar o que ele não gostaria de ouvir, mas que é verdadeiro. Eu tenho essa missão. E pago o preço se daqui a pouco me destituírem da liderança. Eu não tenho amor a isso.
O sr. tem dito que o governo não tem base na Câmara dos Deputados. Onde é que está o erro? O governo não tem base, repito. O que está errado é a articulação política. O presidente escolheu ministros técnicos para o primeiro escalão apostando nas bancadas temáticas, e as bancadas temáticas só votam assuntos do interesse delas. O parlamento está ligado aos líderes partidários, e aos partidos.
E quem é que não está conseguindo articular a base? O Ônix (Lorenzoni, ministro da Casa Civil) articula, mas não está conseguindo fazer o convencimento.
E qual é o caminho? Para convencer os parlamentares, o presidente tem de chamar os parlamentares para governar.
E ele não está fazendo isso? Não. Ele tem experiência no parlamento, quer implantar um novo modelo de governabilidade, mas ele não pode criminalizar o parlamento.
O presidente está criminalizando o parlamento? Quando o presidente criou as expressões “velha política” e “nova política” ele criminalizou a conduta do parlamento.
Explique melhor. Eu não vivo na penumbra. Eu vivo na realidade. Não tenho como tapar o sol com a peneira. O presidente colocou todos os parlamentares no mesmo saco. Nós temos parlamentares que respondem a processos, mas temos parlamentares espetaculares. Ninguém vai votar no governo porque o Bolsonaro tem olhos azuis. Ele tem que fazer carinho na cabeça do parlamentar.
Como? Os ministros precisam atender bem os parlamentares. Eu tenho parlamentar do PSL que levou 45 dias para ser atendido por um ministro. E quem recebe as queixas dos parlamentares não é o presidente, é o delegado Waldir. Eu conheço o parlamento. Nenhum ministro pode se achar deus.
O presidente ainda está criminalizando os parlamentares? Ele criminalizou. Não está mais criminalizando. Não usa mais “velha e nova política”. Foi um erro que ele corrigiu, em razão das minhas críticas. Eu fui duro. Fui a primeira pessoa a mencionar isso.
O que fazer para que o governo tenha uma base? O presidente confia ainda na pressão popular, que foi muito forte na eleição do Senado.
O sr. confia? É uma ferramenta importante, mas que não vai convencer a maior parte do parlamento. O parlamento é muito corporativista. O governo já teve algumas derrotas.
O que é que vai resolver o impasse? O parlamento quer ser bem tratado. O parlamento é a namorada, o presidente é o namorado. Ele viu a menina. E em vez de dizer “oi meu amor, minha querida” disse “nossa!, hoje você está uma bruaca”. No primeiro encontro, chegou três horas atrasado. A mulher, que é o parlamento, quer ser bem tratada, bem cuidada. “Que unha maravilhosa!” “Que boca maravilhosa!” “O seu cabelo está lindo!”. É isso. Está faltando convencer, agradar. O parlamento é muito sensível.
Como assim, sensível? Cada parlamentar aqui é uma pessoa independente. Tem suas próprias convicções e um vínculo partidário. Se não seguir a orientação partidária, não vai ter fundo partidário. O presidente tem que convencer a mãe da moça, que é o presidente dos partidos. Ele está tratando a mãe da moça com desprezo. Nem quer saber quem é a mãe da moça, não está nem aí pra mãe da moça. Que se lasque a mãe da moça. Não quer saber se ela está doente. E a mãe da moça é a que sustenta, a que dá a fralda, a escola.
O presidente teve oito mandatos como deputado. O sr. quer dar aula para ele de como lidar com o Câmara? Não. Mas o presidente está com a estratégia equivocada do Olavo de Carvalho. Vai pro belicismo com o parlamento. Joga o povo contra o parlamento. Afronta o parlamento. Manda o parlamento tomar no cu. Estou usando as palavras do próprio Olavo de Carvalho ontem (domingo, 7). Ele disse: “Eu sou Bolsonaro, os filhos do Bolsonaro, e eu sou o povão. O resto vai tomar no cu”.
Como o sr. lê isso? Não leva a nada. E depois o maluco sou eu.
A se acreditar no sr., a reforma da Previdência vai continuar complicada. A reforma da Previdência não avança se o presidente quiser. Quem manda na reforma da previdência é o Rodrigo Maia, presidente da Câmara. O Rodrigo Maia é o primeiro ministro. Nós não temos o parlamentarismo, mas o primeiro ministro, neste momento, é o Rodrigo Maia.
Por que o sr. acha isso? Porque ele tem em torno de 330 parlamentares. O Rodrigo mostrou que é o primeiro ministro quando em uma hora ele aprovou em dois turnos a PEC do Orçamento. Qualquer coisa nessa Casa, só passa se o Rodrigo quiser.
O governo é refém do Rodrigo Maia, então? O Bolsonaro resolveu construir com o Olavo. O Rodrigo escolheu construir com o parlamento. É uma questão de escolha. E escolha você pode mudar a qualquer hora.
Quanto tempo o sr. acha que dura no cargo? Enquanto os parlamentares quiserem. Eu não nasci na liderança. Eu estou líder. Tenho várias ideias semelhantes às do presidente, mas não sou direitista de carteirinha, não dependi de movimento de direita para ser eleito, não dependi do presidente da República para ser eleito.
O sr. é o quê, de carteirinha? Um defensor do cidadão. Daquele que me elegeu, que é o meu patrão, que me paga o salário. Para esse eu devo satisfação. Você nunca viu na história um líder do partido do presidente firme e independente como eu. Todas as pessoas mostram só o ótimo. E eu mostro o amargo, o fel.
E por que ele tem que saber do fel? Porque está cercado de pessoas que querem mostrar o céu. Pessoas que querem dizer que ele tem 308 votos aqui, e ele não tem. Não tem 200 votos. Ele tem, estourando, 100 votos. Se a reforma da previdência passar, o mérito é do primeiro ministro Rodrigo Maia.
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