Ao se reeleger em 1º turno, o governador mineiro Romeu Zema se consolidou como a principal liderança política do partido Novo e poderá se credenciar, dependendo de sua gestão, a disputar a Presidência em 2026. Pelo desempenho que obteve no segundo maior colégio eleitoral do País, seu apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) pode fazer a diferença no resultado final do pleito.
Nesta entrevista ao Estadão, ele fala sobre sua opção por Bolsonaro no segundo turno e a decisão do partido de se opor a Lula e de liberar os filiados para apoiar o presidente, votar em branco ou anular o voto. De acordo com Zema, porém, é “um equívoco” dizer que isso significa que ele e o Novo se tornaram “bolsonaristas”.
“No 2º turno, grande parte do partido está apoiando o candidato com as pautas mais próximas das nossas, que é o presidente Bolsonaro e não o PT. Vejo isso como algo natural”, diz. “Seria estranho se, em Minas Gerais, eu estivesse apoiando o Lula e não o Bolsonaro – e o mesmo se estende para as demais lideranças e para os filiados do Novo.”
Zema afirma, ainda, que ficou “decepcionado”, com a declaração de voto de João Amoêdo – fundador e ex-presidente do Novo – em Lula, e defende a sua saída da legenda: “Num partido liberal como o Novo, todo mundo tem o direito de discordar, mas, se a discordância for muito grande, a recomendação é ‘vai jogar no time adversário’. Se você quiser fazer gol contra, vai jogar do lado de lá e não do nosso lado”. Leia a seguir os principais destaques da entrevista concedida ao Estadão.
O senhor foi reeleito no 1º turno, mas o Novo encolheu nesta eleição. Só elegeu três deputados federais e cinco estaduais em todo o País. Como o sr. avalia o desempenho do partido?
O desempenho do Novo realmente ficou aquém do que planejávamos, mas isso ocorreu com diversos partidos, exceto com os que estavam em posições mais extremas. Então, nós encaramos que foi uma eleição que teve as suas particularidades. A eleição de 2018 foi claramente antipolítica e agora estamos tendo uma eleição que favoreceu os extremos. Mas eu continuo acreditando nas propostas do Novo e continuarei no partido. Nós somos um partido diferente, porque temos princípios. Se amanhã chover, se amanhã fizer sol, se amanhã nevar, se amanhã tiver seca, nós vamos continuar com os mesmos princípios. Não somos um partido nem temos candidatos e representantes no Legislativo e no Executivo que atuam ao sabor dos acontecimentos, de forma oportunista.
De forma resumido, o sr. pode dizer a quais particularidades do Novo se refere?
Uma das características que marcam a atuação do Novo é o combate aos privilégios no setor público, o combate à corrupção, o compromisso com a realização de uma gestão eficiente. Isso está acontecendo em Minas e em Joinville (SC), onde o prefeito é do Novo. É o que os nossos parlamentares fazem dentro de seus próprios gabinetes. Em vez de contratar vinte assessores, contratam oito ou dez, gastando menos recursos públicos. Nós queremos mostrar que o governo no Brasil é inchado, que custa caro e onera principalmente a população humilde. Há uma falta de consideração muito grande com a população. Nós acreditamos que o desenvolvimento econômico é alicerçado nos investimentos privados. O setor público tem de dizer quais são as regras, fazer as normatizações, a regulamentação, eventualmente investir no que o setor privado não consegue investir. Mas o grande ator do desenvolvimento econômico nos países que deram certo é o setor privado.
Tem gente no Novo dizendo que o desempenho negativo nestas eleições se deve às divergências de lideranças e mandatários do partido com o seu fundador, João Amoêdo. O próprio Amoêdo fez uma publicação nas redes sociais sugerindo que, quando ele estava à frente do partido, o resultado foi melhor. Como o sr. vê essa questão?
Realmente, isso causou uma perturbação interna que foi prejudicial. Na primeira eleição do partido, em 2016, nas eleições municipais, o Novo elegeu quatro vereadores. Depois, o partido teve um avanço expressivo na eleição de 2018. Infelizmente, me parece que, a partir de determinado ponto, na gestão Bolsonaro, o grande objetivo do João Amoêdo foi atacar o governo federal, independentemente de as propostas do governo terem aderência ou não às do partido. Me parece que se tornou algo pessoal. Com isso, o partido perdeu filiados e credibilidade. Talvez um pouco desse resultado nesta eleição de 2022 possa ser consequência dessas desavenças internas provocadas majoritariamente por ele, que lá atrás foi o grande protagonista e o idealizador do partido. Parece que ele escreveu a nossa Constituição, mas na hora de as coisas funcionarem ele queria fazer algo diferente.
No 1º turno, meu apoio efetivo foi para o Luiz Felipe d’Avila, candidato do Novo à Presidência
Embora o sr. tenha conseguido se reeleger em 1º turno, o que indica que as bandeiras do Novo têm certo apelo na sociedade, até que ponto há espaço no Brasil para um partido liberal robusto, que ocupe uma posição de destaque no cenário nacional?
Eu considero plenamente viável a existência de um partido como o Novo. Falo sempre que os bons projetos são os de longo prazo. Se você quer uma madeira boa, vamos plantar mogno, que vai levar 30 anos para produzir. Se você quer algo bem mais imediato, plante bambu, que daqui a três ou quatro meses já terá alguma coisa. O Novo é um partido recente, que foi formado majoritariamente, quase todo ele, por pessoas sem uma bagagem política prévia, como foi, inclusive, o meu caso. Isso nos torna mais suscetíveis de cometer alguns equívocos e até mesmo de sermos ludibriados por aqueles que já conheciam os meandros da área política. Mas continuo a acreditar que uma proposta séria, uma proposta coerente como a do Novo sempre terá o seu lugar. Em Minas mesmo, nesta eleição, posso dizer que houve um reconhecimento do trabalho que realizamos. O ex-governador do PT, que arrasou Minas, sequer conseguiu se eleger para deputado federal, o que demonstra que a população tem limite para ser manipulada, como alguns partidos fazem.
Agora, em decorrência de seu apoio a Bolsonaro no 2º turno e de o partido ter decidido se opor a Lula e liberar os filiados para apoiar o presidente ou votar em branco ou nulo, muitos analistas e até apoiadores do Novo ligados a João Amoêdo estão dizendo que a legenda virou “bolsonarista”. Como o sr. analisa essa avaliação?
Diria que é uma avaliação equivocada. No 1º turno, meu apoio efetivo foi para o Luiz Felipe d’Avila, candidato do Novo à Presidência, e no 2º turno grande parte do partido está apoiando o candidato que tem as pautas mais próximas das nossas. Não é o PT. É o presidente Bolsonaro. Vejo isso como algo natural. Seria estranho se, em Minas Gerais, eu estivesse apoiando o Lula e não o Bolsonaro – e o mesmo se estende para as demais lideranças e para os filiados do Novo. Num partido liberal como o Novo, todo mundo tem o direito de discordar. Mas, se a sua discordância for muito grande, a recomendação é “vai jogar no time adversário”. Se você quiser fazer gol contra, deve jogar do lado de lá e não do nosso lado.
Qual a sua visão sobre a declaração de voto de Amoêdo em Lula?
Fiquei decepcionado, como a grande maioria dos filiados do Novo, aqueles que acreditam no liberalismo. Vi como um equívoco, porque ele sabe perfeitamente que a pauta do PT se distancia muito mais das propostas do Novo do que a pauta do Bolsonaro.
Vai ficar no Novo quem acredita em propostas e não quem considera o Amoêdo um deus
Na semana passada, houve um abaixo assinado de lideranças do Novo pedindo para o Amoêdo se desfiliar e também a abertura de um processo na Comissão de Ética pedindo a expulsão dele, não só pela declaração de voto em Lula, mas também pelas críticas feitas à direção do partido e a seus mandatários nos últimos anos. O que o sr. pensa sobre isso? Vai atrapalhar a vida do Novo?
Na minha opinião, não vai atrapalhar, até porque a eleição já passou e o resultado para o partido já está sacramentado. Se nós fôssemos ter uma eleição daqui a seis meses, poderia atrapalhar. Eu acredito que vai ser produtivo. Haverá uma profilaxia no partido. Vai ficar quem acredita em propostas, quem acredita nos valores no Novo e não quem considera o Amoêdo um deus. Porque acho que deus não existe na Terra. Não considero Bolsonaro deus. Não me considero deus. Eu considero proposta, que é o que está escrito lá no estatuto do partido. Me parece que o João Amoêdo cometeu mais uma vez o equívoco de se considerar acima do que ele mesmo ajudou a escrever.
O sr. tem uma posição em relação ao que deve ser feito no caso do Amoêdo?
Eu sou um mero filiado, entre os cerca 30 mil filiados do Novo, igual qualquer outro, mas recomendo que ele não permaneça no partido, porque deixou muito claro que o posicionamento dele se assemelha muito mais ao do PT do que ao do Novo.
Se o sr. repetir a gestão que o levou a ser reeleito em 1º turno em Minas, vai se credenciar naturalmente a ser o candidato a Presidência em 2026. Caso isso se confirme, o sr. seria candidato pelo Novo? O partido tem estatura para abrigar uma candidatura competitiva?
Realmente, é algo que não me causa nenhuma angústia. Não é algo que me preocupa. Meu foco é fazer Minas, que ainda tem grandes desafios, continuar avançando. Essa preocupação com uma coisa que está num horizonte muito distante, tira até o foco e acaba lhe prejudicando agora. Isso é algo que nós vamos ter de conversar daqui a três anos e meio. O futuro a Deus pertence. Primeiro tem de passar no vestibular e depois escolher o emprego. Não dá para escolher o emprego se você nem sabe se vai passar no vestibular.
Ao longo de seu primeiro mandato, a sua relação e a de outros mandatários do Novo com o João Amoêdo nunca foi tranquila. Nesse período, houve muita especulação de que o sr. iria deixar o partido. Com a nova direção partidária, sem a presença de Amoêdo, o sr. fica mais à vontade para permanecer no partido?
Fico. Durante a eleição municipal de 2020, eu estive com pessoas do Diretório Nacional expressando a minha total discordância em relação à visão delas. Eram pessoas ligadas ao João Amoêdo que acabaram até saindo do Diretório Nacional depois. Naquele ano, consegui eleger bons prefeitos em Minas que não estão no Novo simplesmente porque o Diretório Nacional falou que o partido não iria ter representação naquelas cidades. Foi o caso, por exemplo, de Uberaba e de Patos de Minas. Num Estado que tem 853 municípios, falei para eles que eu não queria disputar a prefeitura em 500 municípios. Nem em 200. Queria disputar trinta ou quarenta. Só que, no fim, acho que disputamos em quatro ou cinco. Então, houve realmente uma divergência muito grande. Agora, pelo que eu observo hoje, posso dizer que a minha visão estava muito mais próxima do que se concretizou do que a deles. Eles tiveram a ideia extraordinária de criar um partido fundamentado em princípios, mas é preciso operacionalizar isso. Uma Constituição bem escrita não é suficiente, não. Você precisa colocá-la em prática e parece que o partido pecou nisso.
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