BRASÍLIA – Apontado por dez entre dez governistas como responsável pela crise na articulação política do governo, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, privilegia sua base política na Bahia na agenda de trabalho. Costa já esteve com mais parlamentares e prefeitos baianos do que de qualquer outro Estado. A Bahia também é seu principal destino em compromissos oficiais.
Ex-governador da Bahia, o petista tem no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sua primeira experiência no primeiro escalão em Brasília. Sua atuação como gerente do governo tem sido criticada por políticos do PT e do Centrão por travar as demandas do Congresso. A agenda do ministro ajuda a explicar a crise.
Em seis meses de governo, Costa teve 91 encontros com políticos e autoridades da Bahia. O ministro também viajou 13 vezes para cumprir 28 agendas em seu reduto eleitoral. Em apenas três desses compromissos na Bahia ele esteve acompanhando o presidente Lula. Nos demais, fez agenda própria. De 1º de janeiro a 7 de junho, a agenda do chefe da Casa Civil registrou 450 compromissos, dos quais 396 foram em Brasília, 28 na Bahia e apenas 26 em outros Estados.
No último dia 1.º, durante uma crise política provocada pela cobrança de cargos e liberação de emendas que emparedou o governo na votação da medida provisória de reestruturação da Esplanada, Costa viajou para Itaberaba (BA), segundo dados do Portal da Transparência do próprio governo. Na cidade baiana, participou da inauguração do Hospital Regional Piemonte do Paraguaçu. Vinte e quatro horas antes, a MP quase tinha empacado na Câmara, só passando após longo processo de negociação.
Foi em Itaberaba, no dia 2 de junho, que Costa disse o que fez aumentar o tamanho da crise política. “Brasília é uma ilha da fantasia”, disse. “Brasília é difícil. É difícil porque lá fazer o certo, para muitos, está errado. E fazer o errado, para muitos, é que é o certo na cabeça deles.”
Na disputada agenda de coordenador do governo Lula sobrou espaço, ainda, para encaixar 62 reuniões com 55 prefeitos de municípios baianos e cinco deputados estaduais da Bahia, onde Costa foi governador por oito anos. De todos os prefeitos que o ministro recebeu até hoje, conforme os registros, apenas um não era baiano: o presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), que chefia a Prefeitura de Aracaju.
O mundo dele (Rui Costa) ainda está na Bahia
Danilo Forte (União Brasil-CE), deputado federal
O presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Adolfo Menezes (PSD), foi recebido pelo ministro em 14 de abril, por uma hora e meia. Costa também abriu sua agenda para receber o primeiro-cavalheiro Marcos Andrade, da cidade de Banzaê (BA), de 13 mil habitantes. Andrade é casado com a prefeita Jailma Dantas (PT). No dia do encontro, em 16 de maio, o chefe da Casa Civil também atendeu os prefeitos baianos de Várzea da Roça e Sítio do Quinto.
“Dia produtivo em Brasília, onde tratei das demandas de Banzaê”, escreveu o marido da prefeita numa rede social, em post ilustrado com uma foto ao lado de um sorridente ministro. Nesse dia, o governo enfrentava uma crise que opôs os ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) por causa da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Uma disputa que atinge diretamente o presidente por envolver Marina, que tem renome internacional na área do meio ambiente, o que exige atuação do chefe da Casa Civil.
Enquanto políticos do reduto eleitoral de Costa têm livre acesso ao ministro, deputados relatam dificuldades. Um deles, do União Brasil disse, sob reserva, que pediu para se reunir com Costa, mas acabou atendido por um secretário da pasta. Além de se queixar da terceirização das negociações, ele afirmou que o comportamento do chefe da Casa Civil não ajuda a distensionar a relação do governo Lula com o Congresso. O União Brasil é o terceiro maior partido da Câmara, com 59 deputados.
A situação se repete com deputados e senadores do partido Republicanos – dono de 41 votos na Câmara e cortejado pelo Planalto –, que não foram recebidos até hoje. Já o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), maior Estado do País, esteve uma única vez em agenda privada com o ministro. Em contrapartida, o governador Jerônimo Rodrigues (PT), aliado de Costa, foi recebido oito vezes no Palácio do Planalto.
Para tratar da conclusão das obras na ponte que liga Itaparica a Salvador, Costa chegou a se reunir com o CEO da concessionária que administra o empreendimento e o presidente da China Comunications Construction Company (CCCC), Zhimin Hu, um dos acionistas do projeto.
Ministro vira ‘inspetor de obras’
O ministro também dedicou seu tempo a eventos de visita e inauguração de obras em cidades do interior da Bahia, inclusive em momentos de votação de projetos prioritários do governo no Congresso.
Em um momento de fragilidade do governo, como na semana em que a Câmara derrubou o decreto do presidente que propunha alterações no novo Marco do Saneamento Básico e encaminhou o projeto para decisão do Senado, Costa viajou à cidade de Cocos, de 18 mil habitantes, para participar da inauguração do mercado municipal local. Foi o ministro quem propôs a Lula a iniciativa que custou a maior derrota do governo até agora.
Minha casa, minha vida
Em seis meses no controle da Casa Civil, Costa visitou a Bahia ao menos 13 vezes em viagens oficiais registradas na plataforma e-agendas da Controladoria-Geral da União (CGU). Já as viagens para outros Estados ocorreram nove vezes – em três delas ele acompanhou o presidente Lula.
As viagens à terra natal envolveram a inspeção e inauguração de obras, como a do colégio estadual na cidade de Aporá, sem qualquer relação com sua pasta. Em ao menos duas ocasiões, o ministro também visitou o Estado para tratar de “demandas” e “prioridades” do governador Jerônimo com o governo federal.
“O mundo dele (Rui Costa) ainda está na Bahia. Ele precisa entender que o ministro da Casa Civil precisa cuidar do Brasil como um todo. Ele precisa se ambientar a essa nova realidade dele. O mundo não é a Bahia”, disse o deputado Danilo Forte (União Brasil–CE) ao Estadão.
O deputado foi um dos poucos parlamentares a ter uma agenda com o ministro da Casa Civil. Mesmo assim, o encontro só ocorreu mediante um acordo. Forte retirou um pedido de convocação de Costa para que ele se explicasse na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, em troca da reunião privada com ele.
O acordo foi intermediado pelo presidente da CCJ, Rui Falcão (PT-SP), que telefonou para o ministro com o seguinte recado: “Ou você atende ou será convocado pela Câmara. O que você prefere?”. O União Brasil, partido de Forte, tem três ministros no governo e é um dos mais infiéis em votações na Câmara. Mesmo assim, o chefe da Casa Civil só se reuniu com quatro parlamentares da sigla.
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O PP, de Arthur Lira, só esteve com Costa uma única vez. A agenda comandada pelo ministro reuniu, em 26 de abril, os deputados Fernando Marangoni (União Brasil-SP) e Fernando Monteiro (PP-PE). Marangoni foi um dos poucos parlamentares do Centrão que conseguiram ser recebidos duas vezes pelo ministro. O deputado foi o relator da Medida Provisória do Minha Casa, Minha Vida, uma iniciativa de forte impacto para Estados como a Bahia.
A postura de Costa vai contra a orientação de Lula, feita ainda no primeiro mês de governo, para que todos os ministros mantenham as portas dos gabinetes abertas para atender parlamentares.
Nós não mandamos no Congresso, nós dependemos do Congresso e, por isso, cada ministro tem de ter a paciência e a grandeza de atender bem cada deputado ou senador que o buscar porque, se não quando a gente vai pedir um voto, ele diz: ‘Ah, não vou votar porque quando estive no tal ministério nem me receberam’
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República
Ao assumir a Casa Civil, Costa optou por priorizar a coordenação de grandes projetos de entrega de obras, como o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e as Parcerias Público-Privadas (PPPs). O ministro também tem concentrado suas atividades na articulação interna do governo. A mudança de perfil, porém, não agradou ao Centrão, que tinha o influente senador Ciro Nogueira (PP-PI) no controle da pasta durante o governo de Jair Bolsonaro.
A indisposição do Centrão com Costa também se deve ao fato de passar pelas mãos do ministro as indicações de emendas e cargos antes da publicação no Diário Oficial da União (DOU). Parlamentares têm se queixado do chefe da Casa Civil, que é acusado de travar as indicações do Congresso e, em alguns casos, de escantear nomes do Centrão para acomodar aliados petistas em cargos.
O ministro, por sua vez, se esquiva das críticas com o argumento de que a liberação dos pedidos dos parlamentares não está sob a sua alçada. “Emendas e cargos não são com a Casa Civil”, disse Costa no Senado, após participar da Comissão Mista de Controles e Atividades.
Outro lado
Procurada pelo Estadão, a Casa Civil afirmou que “estão registradas 24 agendas no E-Agendas”. “Num período de seis meses, o ministro esteve com 42 parlamentares, sendo 13 representantes baianos (30,95%) e 29 de diferentes Estados (69,05%)”, disse. O jornal pediu detalhamento da lista e a Casa Civil enviou novos números elevando para 14 o número de políticos baianos e para 43 saldo total de deputados federais, estaduais e senadores recebidos por Costa.
A relação apresentada pela própria Casa Civil atesta que a Bahia é o Estado com maior número de parlamentares recebidos pelo ministro. Depois dos 14 baianos citados pelo ministério, em segundo lugar vem, o Rio Grande do Sul, com 9 políticos, sendo que seis deles são do PT, os outros três são do PCdoB e PSOL.
Já os dados coletados pelo Estadão consideraram as agendas em que o ministro recebeu políticos sozinho ou na presença de outros colegas de governo. Os dados públicos indicam que foram 27 reuniões com a presença de 51 parlamentares, dos quais 16 são baianos, o equivalente a 31,3% do total de parlamentares recebidos. O privilégio concedido na agenda oficial aos conterrâneos de Costa inclui ainda as 63 reuniões com 55 prefeitos. Sobre esses, a Casa Civil não se manifestou.
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