Sabatina Estadão: Boulos fará reintegração de posse se houver invasão de terrenos; veja entrevista

Candidato do PSOL ponderou que sua gestão terá o menor número de invasões da história da cidade e defendeu diálogo no lugar de violência para lidar com este problema social

PUBLICIDADE

Foto do author Pedro Augusto Figueiredo
Atualização:
Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comGuilherme Bouloscandidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo

O candidato Guilherme Boulos (PSOL) disse nesta quarta-feira, 18, em sabatina realizada pelo Estadão, que, sendo necessário, fará reintegração de posse se houver invasões de terrenos e imóveis públicos em uma eventual gestão à frente da Prefeitura de São Paulo. O psolista foi coordenador-geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e liderou invasões realizadas pelo grupo no passado.

“Primeiro, nós vamos dialogar com os movimentos sociais”, disse Boulos. “Agora, havendo uma situação como essa, o prefeito tem coisas que não cabem. Não vou prevaricar. Senão eu sou preso. Pura e simplesmente. Você tem obrigações funcionais. E é disso que se trata. Agora, em qualquer caso, será com diálogo com as pessoas. Não acredito na violência como método para lidar com problema social”, continuou.

O candidato do PSOL aposta que sua administração registrará o menor número de invasões da história de São Paulo porque ele promete fazer o maior programa habitacional da cidade. “O movimento de moradia atua, ocupa imóveis abandonados, quando não tem política pública e diálogo com o governo. Aqui eu estou falando de movimento organizado. Outra coisa é movimento clandestino na periferia ligado ao crime”, afirmou Boulos, acrescentando que este último cresceu nos últimos anos por falta de fiscalização da gestão Ricardo Nunes (MDB).

O psolista negou ser exagero dizer que ele entregou 15 mil moradias populares como faz sua propaganda eleitoral. Ele reconhece que as casas foram construídas em parceria com o governo federal por meio de editais do Minha Casa, Minha Vida destinados a entidades como movimentos sociais e associações, mas afirma que o MTST, coordenado por ele, buscou o terreno, elaborou o projeto e coordenou a execução da obra.

Publicidade

“Essas obras foram feitas por gestão direta. Eu acompanhei cada passo, cada laje que era feita, desde a confecção do projeto até a entrega das chaves” argumentou.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL em São Paulo, foi sabatinado pelo Estadão nesta quarta-feira, 18 Foto: Werther Santana/Estadão

Confira a íntegra da entrevista:

Hoje saiu uma pesquisa da Quaest que mostra o senhor, Ricardo Nunes e Pablo Marçal em empate técnico. Muita gente, inclusive, diz que o senhor preferiria ir para o segundo turno com o Pablo Marçal. Isso é verdade?

Adversário não se escolhe. Isso é uma regra de ouro para quem está na política. Você tem que fazer a sua campanha, tem que dialogar com a cidade, e é isso que eu estou fazendo. Se você pegar o último período, verá que tenho trabalhado bastante. Saiu agora um levantamento de outro jornal sobre as agendas dos candidatos, e eu fui, de longe, o candidato que mais cumpriu agendas, principalmente nas periferias, desde o início da campanha, mais do que todos os outros.

Meu foco tem sido não em brigas na internet, como é o caso do Pablo Marçal, nem em mentiras, construção de fake news e ataques rebaixados a adversários por falta de propostas, como infelizmente tem sido o caso do Ricardo Nunes. Meu foco tem sido apresentar projetos para São Paulo. Veja o meu programa de televisão: nós temos muito menos tempo que os outros na TV, mas temos conteúdo. Nas últimas semanas, meu programa de TV apresentou o Poupatempo da Saúde, o Mais Médicos Especialistas, os CEUs Profissões e a escola integral. A minha linha de campanha é apresentar propostas para São Paulo, não ficar pautando os adversários.

Publicidade

Seu plano de governo tem 119 propostas em 27 áreas. Mas, em nenhum momento está indicado de onde vão vir os recursos para tudo isso. Queria saber se o senhor sabe qual o impacto que todas essas propostas teriam globalmente nas finanças públicas. O senhor pode dar esse número?

Eu já tive a oportunidade de dar esse número. Logicamente, ele não está no meu programa, assim como não está no de nenhum outro candidato, porque esse é um nível de detalhamento. Mas, quando fizemos a apresentação do programa de governo ao público, para toda a imprensa, eu apresentei o custo das principais propostas e de onde vêm as receitas.

Reitero aqui: se seguirmos a métrica da LDO, do crescimento das receitas, da receita corrente líquida em São Paulo nos últimos quatro anos, teremos recursos próprios de R$ 41 bilhões para investimento nos quatro anos seguintes. O nosso plano de governo tem um custo estimado, entre investimento e custeio, de R$ 51 bilhões, amortizados nos quatro anos.

Queremos contar com esses R$ 41 bilhões de recursos próprios, que é a previsão. Hoje, São Paulo — é importante ressaltar isso — tem o maior orçamento em termos reais da sua história. A situação de São Paulo hoje não é de falta de dinheiro, longe disso, é de falta de prefeito, que é outro problema: de incompetência, falta de transparência.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, em entrevista ao Estadão Foto: Werther Santana/Estadão

Se você comparar o orçamento da cidade de São Paulo hoje, em termos reais, só tem um paralelo no milagre econômico da ditadura militar, quando você teve as gestões do Prestes Maia e do Faria Lima como prefeitos biônicos à época, que deixaram um legado. E aqui, independentemente de considerações ideológicas, estamos falando de prefeitos indicados pela ditadura militar.

Publicidade

O Faria Lima iniciou o metrô na cidade, porque na época o metrô era municipal, e começou a levar serviços públicos para os então loteamentos clandestinos, que são as periferias. Prestes Maia completou o plano de avenidas, radiais e perimetrais, que ele já havia iniciado como prefeito antes.

O Ricardo Nunes teve essa janela de oportunidade, três anos e meio, com um ciclo financeiro muito favorável, e não deixou nenhum legado. O que está em jogo na cidade de São Paulo — e é isso que meu programa de governo traz — é como aproveitar essa janela de oportunidade favorável.

Como eu dizia, R$ 41 bilhões de recursos próprios; os outros R$ 10 bilhões queremos obter com o PAC, com o governo federal. Já temos esse diálogo construído com o presidente Lula, mas não só com o PAC, porque não dá para depender do ovo dentro da galinha.

São Paulo hoje tem grau de investimento, então podemos fazer operações de crédito. Você pode buscar, inclusive, e aí nós temos particularmente para o tema da contribuição previdenciária do corte, que acabar com a crueldade dos 14% de confisco [contribuição dos aposentados do município], nós temos uma receita muito bem definida, que cheguei a ela após exaustivas reuniões com auditores fiscais, servidores da Fazenda e procuradores da Prefeitura. Essa receita tem a ver com a recuperação da dívida ativa. São Paulo tem uma dívida ativa em torno de R$ 150 bilhões.

Publicidade

O que é recuperável, segundo os servidores de carreira da Receita, é um pouco mais da metade. A metade disso já era, é podre: empresas faliram, pessoas morreram, não tem mais como. Então, R$ 83 bilhões, segundo o cálculo deles, um pouco mais que a metade, é recuperável. Só que isso não é recuperável de uma vez só. O cálculo deles é extremamente conservador.

Mas não é uma receita constante...

A receita é constante anualmente se você tem uma política de recuperação. Fernando Haddad fez isso quando foi prefeito, informatizando, contratando mais procuradores. O problema que você tem hoje — e eu conversei sobre isso com os procuradores — é que um procurador da prefeitura, que é o advogado que faz a execução fiscal na Justiça, chega a cuidar de mais de 400 processos. Então, ele não vai conseguir dar conta de tudo no tempo hábil.

Se você melhorar a eficiência com inteligência artificial, com mais procuradores, com melhores técnicas, é possível recuperar R$ 1,5 bilhão por ano. Veja, R$ 83 bilhões é um cálculo conservador: R$ 1,5 bilhão por ano ao longo de quatro anos. Então, você tem uma crescente extraordinária de mais R$ 6 bilhões. Se isso der certo, estamos pensando em várias alternativas: recuperação da dívida, parceria com o governo federal, operações de crédito. Tem recurso para tudo.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, em entrevista ao Estadão Foto: Werther Santana/Estadão

E aí, te dou um exemplo muito concreto, só para fechar essa questão, que acho importante, porque é um questionamento recorrente. Eu digo que vou zerar a fila da saúde, resolver a questão da população de rua, fazer corredor de ônibus, construir CEUs, e é lógico que as pessoas se questionam se há dinheiro para tudo isso. O Poupatempo da Saúde, que é o meu carro-chefe, uma das principais propostas que estamos apresentando, entre custeio e investimento, nos quatro anos, custa R$ 4,4 bilhões.

Publicidade

Veja o cálculo geral. Escola em tempo integral, que é a proposta mais cara de todas, entre custeio e investimento, vai custar em torno de R$ 7 bilhões , porque você precisa fazer obras nas EMEIs e EMEFs para adaptá-las ao sistema integral. O Plano Periferia Viva, de urbanização de favelas, moradia e regularização fundiária, custará R$ 3,5 bilhões em quatro anos. Estou dando esses exemplos não para me alongar aqui, pois sei que não é um monólogo, é uma entrevista, mas para deixar claro que estudamos e cabe no orçamento.

O senhor tem uma proposta que é criar unidades de apoio para trabalhadores de aplicativo, onde eles possam ter lugar para esquentar a marmita, usar banheiro, tomar café, beber água. Mas isso não deveria ser uma função das empresas, dessas gigantes de tecnologia?

Deve ser uma responsabilidade das empresas, e eu vou chamá-las a essa responsabilidade para serem parceiras nessa construção. O problema é que o dever de ser uma responsabilidade até hoje não se traduziu em execução, porque é uma responsabilidade delas e elas não fizeram isso até agora. A ideia é fazer parceria e que eles entrem com recursos. A Prefeitura pode, por exemplo, disponibilizar um terreno municipal. Isso pode ser um grau de parceria para fazer com que esse projeto saia do papel de maneira mais rápida, porque não adianta só ter a ideia.

E é um problema público. Claro, a responsabilidade tem de ser das empresas. Tenho total acordo com isso. Mas é um problema público porque nós temos hoje milhares de jovens que ficam 12 horas em cima de uma moto, sem ter lugar para comer, sem ter lugar para ir ao banheiro, sem ter lugar para descansar, sem ter lugar para carregar o celular. Isso aumenta a tensão. Isso aumenta o risco de acidentes de trânsito.

Nós temos hoje milhares de jovens que ficam 12 horas em cima de uma moto, sem ter lugar para comer, sem ter lugar para ir ao banheiro, sem ter lugar para descansar, sem ter lugar para carregar o celular. Isso aumenta a tensão. Isso aumenta o risco de acidentes de trânsito.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL

Uma parte importante dos acidentes letais na cidade de São Paulo envolve motocicletas. Então, isso se torna um problema público, porque estamos falando do bem-estar da população e também da segurança no trânsito. Então, cabe à Prefeitura olhar para essas pessoas — e aqui estou falando não só de motoqueiros, mas também de motoristas de aplicativo — para que tenham esse espaço. Outras cidades do mundo têm feito isso, têm coordenado esse investimento.

Publicidade

Regulamentar é uma coisa, outra coisa é colocar recurso público numa atividade privada.

Não é uma atividade privada, não é um benefício para as empresas, é um benefício para os trabalhadores de aplicativo. O que eu defendo é que as empresas façam isso, e eu vou chamá-las, inclusive mandar um projeto de lei de autoria do Executivo, logo no início do meu mandato, para obrigá-las a assumirem essas responsabilidades.

O que estou dizendo é que, como nenhum prefeito fez isso até agora, não basta constatarmos que é uma responsabilidade das empresas — de fato, é. E o que elas fizeram nos últimos 10 anos? Nada. E esses trabalhadores estão ao léu, a deus-dará, sem nenhum amparo.

O senhor tem insistido muito na questão do aumento do efetivo da guarda. O senhor não acha que, em vez de aumentar o efetivo, seria mais importante torná-la mais eficiente? Ou seja, ao aumentar o efetivo, estaríamos apenas aumentando a ineficiência, em vez de melhorar a gestão e a forma de atuação dos guardas atuais?

As duas coisas precisam ser integradas. Minha proposta não é apenas aumentar o efetivo, mas precisamos partir do aumento do efetivo. Sabe por quê? Porque há uma defasagem óbvia quando fazemos uma comparação entre as cidades. Pegue o Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do Brasil. Tem metade da população de São Paulo, mas uma Guarda maior que a de São Paulo. A defasagem é evidente. Especialistas em segurança pública estimam que o ideal para a Guarda Municipal é ter um guarda para cada mil habitantes. Estamos falando de de 12 mil guardas, um pouco menos, na cidade de São Paulo. Quando falamos em dobrar o efetivo, ou seja, contratar 7 mil guardas, temos que considerar também a aposentadoria dos guardas efetivos.

Quando o Ricardo Nunes fala que contratou 2 mil guardas, isso não significa que há 2 mil agentes a mais nas ruas, porque, todo ano, guardas que estão na ativa se aposentam. Então, é necessário repor os guardas que saem e, ao mesmo tempo, cobrir o déficit que existe em São Paulo. Ainda mais quando os problemas de insegurança se tornam crônicos. A vida nunca foi tão insegura na cidade de São Paulo como está sendo hoje. Essa é uma percepção generalizada.

Publicidade

Um amigo meu chegou em Congonhas, pegou um Uber e, ao ligar o celular para falar com alguém, o motorista pediu: ‘Por favor, não faça isso. Alguém pode parar aqui, quebrar o vidro e roubar seu celular.’ Ele me contou, assustado, que nunca havia visto algo assim em São Paulo. Nenhuma outra cidade em que ele esteve tinha essa situação. É isso que estamos vivenciando.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, em entrevista ao Estadão Foto: Werther Santana/Estadão

A Guarda Metropolitana é a resposta que a Prefeitura pode dar. A Prefeitura não controla a Polícia Militar ou a Polícia Civil, isso é uma atribuição do Estado. O que a Prefeitura pode fazer é um policiamento de proximidade nas zonas de maior incidência criminal com a Guarda Metropolitana. Agora, isso é um ponto. O outro, eu concordo com você: precisamos melhorar a eficiência e o foco.

Qual é a nossa proposta no Plano São Paulo Mais Segura? Primeiro, a guarda na ronda escolar. Todas as escolas municipais de São Paulo, EMEIs e EMEFs, de educação infantil e de ensino fundamental, terão a guarda no horário de entrada, no horário de saída, na porta da escola e, durante o turno, fazendo a ronda de policiamento de proximidade no entorno das escolas, tornando o bairro mais seguro.

Quando falo de entorno, não me refiro apenas às ruas vizinhas. Você tem um raio maior de cobertura. Como as escolas são o equipamento público mais espalhado que temos — são quase 1.200, sem contar as creches —, conseguimos cobrir praticamente toda a cidade, elaborando um plano geográfico de ronda no entorno das escolas. Portanto, é necessário ter um método, uma linha de atuação. Não adianta fazer apenas metade do trabalho, e você tem razão quanto a isso.

Publicidade

O outro ponto é focar na lógica do policiamento de proximidade, um modelo internacionalmente consagrado. Acho que podemos inovar aqui em São Paulo com a Guarda Municipal realizando esse policiamento comunitário de proximidade. Vários países adotam esse modelo. Pegue o Japão ou cidades europeias, por exemplo, que têm o ‘guarda do bairro’, o ‘guarda do quarteirão’. Você conecta aquele agente de segurança com a comunidade. Assim, qualificamos melhor o trabalho da GCM.

O senhor quer criar um gabinete para a Cracolândia, com atendimento social nos Caps móveis, inspetoria da Guarda, geração de emprego... Mais ou menos o que gestões passadas tentaram fazer, sejam elas à esquerda ou à direita. Por que dessa vez dará certo?

A Cracolândia é um problema complexo. Eu não estou aqui, como fez, João Doria em 2016, que disse que ia acabar com a Cracolândia em um mês. A gente vê hoje, oito anos depois, um desastre. São 70 cracolândias espalhadas pela cidade, o fluxo aumentou, o Centro se tornou mais inseguro.

Até surgiu milícia na Cracolândia, debaixo do nariz do Ricardo Nunes nessa gestão. e com a leniência completa da Prefeitura, falta de fiscalização de ferros velhos clandestinos que compram peça de moto roubada, celular roubado, pagam com droga para os usuários. Uma coisa ali desastrosa que a Polícia Civil e o Ministério Público mostraram esses dias.

A Cracolândia é um problema complexo. Eu não estou aqui, como fez, João Doria em 2016, que disse que ia acabar com a Cracolândia em um mês.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL

Eu fiz formação em psiquiatria, meu mestrado é em psiquiatria na USP. Fiz especialização em psicologia clínica, estudei dependência química, adictos e sei da complexidade na prática por ter estudado esse tema.

A diferença que nós temos em relação a planos anteriores é o projeto do Caps Móvel. Isso não foi feito. Eu trouxe o Benedito Mariano, que foi o coordenador do De Braços Abertos, do Haddad, e o Arthur Guerra, o psiquiatra que coordenou o programa que veio com o Doria e o Bruno Covas.

Trouxe os dois pra conversar comigo na minha equipe de programa de governo. Inclusive, para vermos o que tem de continuidade. Um dos problemas envolvendo a Cracolândia é que o programa do Haddad teve resultados importantes de redução da dependência, e chegou o Doria e acabou com tudo.

Tinha dificuldades, tinha problemas, o próprio Benedito Mariano reconhece, nos hotéis sociais, por exemplo. Os hotéis sociais que foram feitos muito perto das cenas de uso favoreceram a reincidência porque o cara estava ali vendo a situação.

Então, um aprendizado que se teve é os hotéis sociais de abrigo dessas pessoas, porque ali é um programa que envolve população de rua, envolve falta de emprego, envolve droga, envolve crime organizado, envolve tudo num único lugar. Esses hotéis sociais têm que ser mais espalhados.

Mas a novidade que a nossa proposta traz é o Caps Móvel. Eu fui conhecer esse modelo lá em Bogotá. Estive com o secretário de segurança de Bogotá e o ministro da Defesa da Colômbia em um seminário da ONU no início desse ano. E eles explicaram como foi feito.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, em entrevista ao Estadão Foto: Werther Santana/Estadão

Eles enfrentaram uma cracolândia em Bogotá, conseguiam reduzir e se tornou residual lá. Bogotá é uma cidade menor que São Paulo, mas tem 6 milhões de habitantes. Não é um vilarejo. Enfrentaram isso e eles botaram esse modelo, lógico, lá não chama Caps Móvel, mas são os consultórios de rua.

E eu perguntei pra eles, ‘pô, mas e a adesão?’. Porque a adesão ao tratamento é uma das dificuldades. Eles falavam ‘a gente tinha uma dificuldade’. Tinha uma adesão, você botava o consultório de rua, a tenda, fazia a busca ativa, o assistente social, o psiquiatra, conversar com as pessoas porque, lógico, um dependente de crack não vai até o Caps marcar uma consulta. Você tem que ir até ele.

Ele falou que mais ou menos 40% topavam. A maioria não topava. Falei: ‘pô, mas como é que vocês fizeram?’, porque os resultados lá foram significativos. Ele falou: ‘a gente pegou e fez uma experiência. Ao lado da tenda de tratamento mental, a gente fez uma tenda de odontologia. Dentista. (A fila) virou um quarteirão’. Primeiro, porque tratamento odontológico para pessoas mais pobres é grave em qualquer lugar. Segundo, porque o usuário crack estraga o dente do cara. E aí as pessoas vão pra tenda de tratamento. Quando fez a tenda com dentista e levou as pessoas, fez o acolhimento, mais de 80% que foram ali naquele momento, pelo acolhimento, toparam ir para o tratamento.

Então tem técnica. Você não precisa inventar a roda. Olhar como o mundo enfrentou isso. Eu acho que tem solução. Reitero, não é uma questão simples, não é do dia pra noite, mas nós temos condições, juntando um time qualificado de especialistas como eu juntei, chamando a responsabilidade pra mim.

Eu já disse, dia 1º de janeiro, eu vou montar um gabinete integrado em relação à Cracolândia, ligado diretamente ao prefeito, com todas as secretarias envolvidas. Vou acompanhar isso diuturnamente.

Um tema que tem estado muito presente na campanha é a questão da infiltração do crime organizado na política. O PT, um dos partidos que apoia ao senhor, tem um vereador, Senival Moura, que de tempos em tempos acaba sendo envolvido em alguma investigação. Ele tem acompanhado o senhor em várias agendas. Como o senhor se relaciona com a presença dele na chapa de vereadores de um partido que lhe apoia? O senhor se sente confortável com a presença dele?

Eu acho que a gente precisa separar o joio do trigo. O Senival foi envolvido nas investigações. Nunca foi indiciado, comprovado, ao contrário de aliados do atual prefeito que foram indiciados.

Eu tenho assumido esse compromisso de maneira firme, em todos os lugares publicamente, que eu não vou aceitar a infiltração do crime organizado nos contratos da Prefeitura. É grave o que está acontecendo. Se fosse o papo de um opositor, ‘ah, é o Boulos falando porque ele é contra o papel prefeito’. Não. Ouçam o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco. Não precisa me ouvir. Ouçam o delegado da Polícia Civil que comandou a operação.

Eu acho que a gente precisa separar o joio do trigo. O Senival foi envolvido nas investigações. Nunca foi indiciado, comprovado, ao contrário de aliados do atual prefeito que foram indiciados.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL

Duas empresas que receberam mais de R$ 1 bilhão da gestão do Ricardo Nunes. Uma delas recebeu contrato sem licitação para ônibus elétrico, contrato sem licitação para o transporte aquático na Billings, [empresa] que já foi ligada indiretamente ao Milton Leite, presidente da Câmara e aliado de primeira hora do Ricardo Nunes. Essa empresa está comandada pelo PCC.

A outra, a UpBus, o cara foi preso com armamento pesado. No dia seguinte o Ricardo Nunes foi lá gravar um vídeo e atestar a lisura da empresa. Tem uma relação muito diferente.

Mas a Transunião, que era ligada ao Senival, também foi alvo de investigação, teve casos de assassinato envolvendo a empresa...

Qual é a diferença que eu quero apontar? O nome do Senival foi envolvido nas investigações. Se algo for comprovado contra ele, que é diferente do que foi na UpBus e na Transwolf, tanto é que a polícia atuou e prendeu pessoas, é uma coisa.

Nós não temos isso ainda hoje. Existem coisas comprovadas envolvendo o atual prefeito, que repassou recurso, que fez contratos sem licitação com essas empresas, que no dia seguinte de uma operação vai lá atestar a lisura dessas empresas.

A reação dele no Fantástico, inclusive, ficou célebre. Nós temos relações muito suspeitas de outro candidato, Pablo Marçal, com o crime organizado. É aquela história: focinho de porco, rabo de porco, orelha de porco...

O presidente do partido solta áudio dizendo que é ligado ao tráfico. O aliado dele, parceiro, troca carro de luxo por cocaína. O outro, do avião, transportava cocaína da Colômbia para o Brasil. São coisas muito diferentes.

O meu compromisso, e o que eu afirmo de maneira muito direta, transparente, doa a quem doer, independente do partido, da coloração política: eu não vou permitir infiltração do crime organizado. E mais, nós vamos fazer auditoria desses contratos. Vamos trabalhar em parceria com o Ministério Público, com a Polícia Civil, com a Polícia Federal, para que essa investigação seja feita.

É inaceitável. Sabe o que está virando? Eu li também a trilogia de um jornalista que passou por essa casa, o Bruno Paes Manso, do [livro] República das Milícias, aquele sobre o PCC, e o Fé e Fuzil. Foram livros que me marcaram muito para me atentar para a gravidade dessa questão.

O fato é o seguinte: o sistema do crime já se infiltrou de maneira umbilical na segunda maior cidade do Brasil, que é o Rio de Janeiro, através das milícias. Não só na cidade, mas no Estado como um todo. Quase todos os ex-governadores do Rio de Janeiro foram presos. E nós temos esse sistema do crime querendo se infiltrar na maior cidade do Brasil e da América Latina. Isso é grave e eu não vou permitir.

O senhor atuou na área da habitação por muito tempo, nos movimentos de luta por moradia. Inclusive, recebe críticas dos adversários sobre invasões. Mas agora, estando do outro lado, se eleito prefeito, como o senhor lidaria com a invasão de terreno ou prédio público, por exemplo, por esse movimento?

Primeiro, eu te asseguro uma coisa, e a gente vai voltar a conversar aqui depois, espero, na minha campanha para a reeleição daqui a quatro anos. E aí vocês vão poder ou me cobrar, ou eu vou poder apontar o dedo para essa questão e dizer: ‘Eu não disse para vocês?’.

É o seguinte: o meu governo em São Paulo vai ser o que terá o menor número de ocupações da história dessa cidade. Sabe por que eu digo isso? Porque eu venho do movimento de moradia. Eu atuei no movimento de moradia por 20 anos e eu conheço por dentro o movimento de moradia. O movimento de moradia atua, ocupa imóveis abandonados, quando não tem política pública e diálogo com o governo.

Aqui eu estou falando de movimento organizado. Outra coisa é loteamento clandestino na periferia ligado ao crime que ocorreu a torto e a direito na gestão do Ricardo Nunes, debaixo do nariz.

Vai lá na [avenida] Bento Guelfi, em São Mateus, onde o MTST, inclusive, construiu um conjunto de 216 apartamentos, o condomínio Dandara em parceria com Minha Casa, Minha Vida - Entidades. Do outro lado da Bento Guelfi era uma mata. Passa lá hoje. Totalmente desmatada. Loteamento clandestino feito pelo crime. Sem nenhuma fiscalização. A Prefeitura deixou acontecer. Isso eu não vou permitir.

Mas se houver [invasão] o senhor vai fazer reintegração de posse?

Primeiro, nós vamos dialogar com os movimentos sociais. Nós vamos fazer o maior programa habitacional da história dessa cidade. Não de marketing, como o atual prefeito, mas para valer. E isso vai gerar esse nível.

Agora, havendo uma situação como essa, o prefeito tem coisas que não cabem. Não vou prevaricar. Senão eu sou preso. Você tem obrigações funcionais. E é disso que se trata. Agora, em qualquer caso, será com diálogo com as pessoas. Eu não acredito na violência como método para lidar com problema social.

Liberação do aborto, descriminalização da maconha, jornada de 40 horas semanais e regime único da Previdência são bandeiras histórias do campo progressista mundial, mas passam longe, muitas vezes, dos palanques da esquerda no Brasil. O que um governo de esquerda em São Paulo pode fazer em relação a essas reivindicações históricas deste campo político?

Primeiro, é importante a gente apontar que nenhum destes temas estão na atribuição do prefeito. Então, é natural que isto não esteja no centro de uma campanha para prefeito. São temas que envolvem a legislação nacional, em sua maioria, e, eventualmente, uma atuação do presidente da República, mandando projetos para o Congresso, buscando atuar ali, levantando bandeiras.

Eu sou candidato a prefeito de São Paulo. Não que eu não possa ser questionado. Pegue, por exemplo, este tema que tem sido utilizado como uma fake news recorrente nos debates pelo atual prefeito em relação a mim colocando o tema das drogas, e que foi utilizado como fake news pelo Pablo Marçal, querendo imputar a mim o uso de drogas, de maneira absurda numa farsa que foi desmascarada porque ele usou um homônimo.

Um homônimo, um cara chamado Guilherme Bardauil Boulos, que tinha tido uma passagem policial por porte de droga, e querendo associar e gerar confusão disso comigo. Então, este tema apareceu por aí.

Mas qual é a dificuldade? Se nos Estados Unidos Donald Trump está defendendo a descriminalização da maconha, por que a esquerda aqui no Brasil não consegue?

Não se trata disso. Eu estou numa campanha municipal. Eu sou candidato a prefeito. Às vezes querem que eu fale, ficam me apertando, para falar da Venezuela. Eu não sou candidato a secretário-geral da ONU. Querem que eu fale da legislação de drogas e de aborto. Eu não sou, neste momento, candidato a deputado, a senador, a presidente da República.

Certamente. Tem que se cumprir a lei. É uma vergonha o que o Ricardo Nunes fez no Hospital Cachoeirinha. Uma vergonha. A lei tem que ser cumprida. O que a lei diz? O aborto, a interrupção da gravidez, é permitido em casos de estupro, e eles tentaram aquele vergonhoso projeto de lei colocando pena maior para uma menina de 12 anos que sofresse estupro do que para o estuprador.

Em caso de fetos anencefálicos, onde a criança não vai sobreviver, e risco de vida para a mãe. Isso tem que ser cumprido e será cumprido rigorosamente na minha gestão, dando todas as condições aos hospitais municipais para que o façam. Esse é o ponto. E isso cabe ao prefeito.

O atual prefeito descumpriu a lei, sistematicamente, para querer fazer jogo ideológico com o bolsonarismo. O caso das drogas é importante e faço questão de mencionar. Qual é a posição que eu defendo? Aquela que o Supremo Tribunal Federal consagrou no seu entendimento, que separa usuário de drogas de traficante. Isso é muito compreensível. Por mais que tentem fazer diferenciação, traficante é caso de polícia aqui, nos Estados Unidos, em qualquer parte. É caso de polícia, tráfico de drogas.

Usuário de droga e, particularmente, dependente químico, quem faz uso abusivo de droga, é caso de saúde pública. O STF estabeleceu 40 gramas, no caso da maconha, como o limite para separar usuário de traficante. Eu acho que a mãe da periferia ou qualquer um que teve algum dependente na família percebe claramente que, se você bota um usuário de droga na cadeia, o resultado é que ele sai de lá traficante, porque cadeia no Brasil é a escola do crime organizado. Isso não funciona, é um erro.

Mas tem o discurso demagógico de ‘prende, bate, mata, arma para todo mundo’, que é o discurso bolsonarista, que o Marçal e o Ricardo Nunes encarnam, que quer colocar tudo na mesma moeda. E quando você diz que tem que separar usuário de traficante, dizem que você está defendendo traficante, o que é um absurdo e uma desinformação.

Vamos voltar no tema de habitação: seu programa eleitoral fala que o senhor entregou 15 mil casas. O senhor não atua no Executivo nem foi secretário. Não é forçar um pouco a barra afirmar isso?

Não é. Essas 15 mil casas que foram conquistadas pelo MTST, lógico, em parceria com os programas federais, o movimento naquela época, eu à frente junto com outras pessoas, fez busca de terreno, elaboração de projeto, coordenou a execução da obra.

Não é assim ‘ah, falou, faz’ porque ali é o programa “Minha Casa, Minha Vida - Entidades”. Essas obras foram feitas por gestão direta. Quem trabalhou na obra, os engenheiros da obra, foram pessoas ligadas ao movimento. Eu acompanhei cada passo dessa obra, cada laje que era feita. A gente acompanhou desde a confecção do projeto até a entrega das chaves.

Estive e entreguei a chave na mão das pessoas, às vezes ao lado de várias autoridades que fizeram aquele investimento. Porque isso se deu através do programa Minha Casa Minha Vida - Entidades, que é quando a entidade assume a gestão do projeto. E a entidade ligada ao movimento fez essas entregas.

Então não há forçação de barra quando se diz isso. Sempre digo que fizemos essas entregas sem a caneta na mão e em parceria com programas oficiais.

Existe uma discussão na esquerda sobre a ênfase em reivindicações no passado e o que é hoje. Se diz muito que atualmente que existe uma ênfase, principalmente no seu partido, em questões identitárias. Os críticos dizem que a esquerda estaria trocando a defesa dos pobres pela mudança dos pronomes. Como o senhor pretende, se eleito, lidar com esses grupos que colocam ênfase nas questões identitárias?

Eu me considero alguém de esquerda antes de tudo. Para mim, ser de esquerda é lutar por justiça social e o combate às desigualdades, de todas as formas. Isso é o que me levou para a luta social. Isso é o que me levou aos dezoito anos de idade a sair da casa dos meus pais em Pinheiros, médicos, professores da USP, e viver junto com os sem-teto durante longos anos.

Isso foi o que me levou depois a entrar na política parlamentar e ser deputado federal. E os meus projetos são Cozinha Solidária, de combate à fome, combate ao golpe de consignado contra idosos e monitoramento das políticas de desigualdade. Esses são os três projetos aprovados que eu tenho em um ano de mandato.

Isso é o que me leva hoje a querer ser prefeito de São Paulo, fazer uma cidade mais humana. Existem lutas que se conectam e que às vezes fazem uma separação artificial. A luta contra a desigualdade social é também uma luta antirracista. A desigualdade social no Brasil se construiu também como uma desigualdade racial. Se você olhar os bairros mais pobres de São Paulo, são os bairros mais negros. Os bairros mais ricos de São Paulo são os bairros mais brancos.

Isso não sou eu que estou dizendo. É o mapa da desigualdade da Rede Nova São Paulo. A desigualdade social também se expressa em desigualdade de gênero. As mulheres, e mulheres negras, estão na base da pirâmide em relação, por exemplo, à média salarial.

Uma mulher recebe menos que um homem pela mesma função e uma mulher negra é a que menos recebe. Combater a violência contra a mulher é uma luta importantíssima. Essas lutas se conectam. Defender direitos civis, defender que alguém pela sua orientação sexual não seja espancado e agredido como acontece hoje.

O Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais no mundo. Isso é uma defesa de direitos civis, democráticos, de luta e eu assumo esses compromissos. Eu acho que essa luta se conecta de maneira direta com a luta contra a desigualdade. Eu acho ruim a gente estabelecer um enfrentamento.

E o meu partido tem essa trajetória. Se estabelecem caricaturas, lógico. Como se estabeleceu nesse tema do gênero neutro e tudo mais. E os adversários buscam fortalecer essas caricaturas para colocar a sua posição, a posição do seu partido, em uma caixinha.

Eu, como prefeito de São Paulo, serei o prefeito que terá como prioridade um, dois e três fazer da nossa cidade uma cidade mais humana e mais justa socialmente.

Eu queria que o senhor fizesse uma avaliação sobre a presença do presidente Lula na campanha. As pesquisas não mudaram tanto depois que ele começou aparecer mais na sua campanha. E não houve crescimento ainda na periferia, por exemplo. Ao que o senhor atribui isso?

No Datafolha da semana passada, eu cresci dois pontos. Na Quaest de hoje, eu cresci dois pontos.

Na margem de erro.

De uma semana para outra é difícil você ter uma explosão de alguém crescer cinco, sete pontos, que é o que seria fora da margem de erro. Mas existe um crescimento consistente e esse crescimento está se dando sobretudo no eleitorado que ganha menos de dois salários mínimos, que é o eleitorado periférico.

Isso está perceptível nas ruas, nas andanças que a gente tem pela cidade. O presidente Lula está comprometido e envolvido com a campanha. Esse crescimento vem muito na reta final, vem muito na chegada.

Eu estou confiante que não só nós vamos ter no futuro votos significativos na periferia. Aliás, há quatro anos, quando eu perdi a eleição para o Bruno Covas, vamos lembrar de uma eleição muito mais civilizada. Lembre-se dos debates há quatro anos.

Onde eu ganhei foi nas periferias da cidade. Eu ganho onde eu moro, no Campo Limpo, no Grajaú, no Parelheiros, em Capão Redondo, no São Mateus, em Cidade Tiradentes. Eu tenho muita convicção, muita confiança, que isso vai se repetir. Que não só no segundo turno, como vou ganhar as eleições com um caminhão de votos na periferia de São Paulo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.