Otto Alencar (PSD-BA) é baiano e o único reeleito no Senado. Recebeu 4.218.333 votos, mais do que o candidato a governador da Bahia Jerônimo Rodrigues (PT). Ele vem de uma longa trajetória na política, começando a vida pública em 1985, como candidato a vice-prefeito na chapa do atual vereador de Salvador Edvaldo Brito (PSD). No ano seguinte, foi eleito deputado estadual, conseguindo renovar seu mandato duas vezes, sendo inclusive Presidente da Casa. O senador também já foi secretário de saúde e de infraestrutura da Bahia, governador e vice-governador do Estado. Em 2011, junto com o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, fundou o Partido Social Democrático (PSD), do qual é presidente estadual na Bahia.
Você é a favor ou contra o pacto federativo?
De alguma forma, sou a favor de uma revisão do pacto federativo. Até porque é uma promessa antiga, até do próprio presidente da República e do próprio ministro Paulo Guedes. Ele disse que era ‘menos Brasília e mais Brasil’, mas isso não aconteceu. Ainda há uma dependência muito grande dos estados, dos municípios. No caso do Centrão, na Câmara dos Deputados, é preciso estabelecer que hoje deputados carregam mais recursos nos Estados, e em alguns casos no Senado, do que os próprios governadores.
É o caso aqui da Bahia. Chegou a essa situação de dependência completa, então tem que resolver esse problema. É uma discriminação odiosa contra os municípios. É importante se ter a autonomia e que se faça um pacto federativo com mais autonomia para os estados e para os municípios, para acabar com essa dependência de Brasília. Deve ter uma legislação que não fique dependendo do humor do presidente da República, como é o caso aqui do meu estado. Enquanto continuar essa situação, vamos ter dificuldades enormes para o desenvolvimento igualitário dos estados. Uns são mais protegidos que os outros.
Como a próxima legislatura deve combater a falta de transparência no uso de recursos públicos?
O que nos falta no Brasil são investigações. Tem a nível de estados o Tribunal de Contas dos Estados, a nível federal federal, o TCU, tem Ministério Público, CGU, Polícia Federal para investigar todo esse desvio de recurso que aconteceu em grande escala aqui na Bahia. Agora, essa questão do orçamento paralelo, está muito claro para todo o Brasil e o Congresso saber que foi uma coisa que contemplou o Centrão da câmara dos deputados.
Mas o senhor indicou recurso para o orçamento, não?
Não indiquei recurso para orçamento secreto. O presidente do Senado Federal, o Rodrigo Pacheco, assim como era o Davi, claramente dava um valor para os Senadores indicarem. E eu indiquei exclusivamente para saúde. Se você for olhar, foi para hospital. Qual foi o hospital que eu botei mais? O hospital da Irmã Dulce. Trabalhei 12 anos lá e me perguntaram se queria indicar alguma coisa pra saúde, então eu indiquei.
Não estou aplicando recursos de forma incorreta. Não sou Bolsonaro, nunca apoiei, nunca troquei meu voto por Bolsonaro, fui da CPI e votei contra o impeachment da Dilma, não tenho nenhuma ligação com o governo. No entanto, se um presidente do meu colegiado me diz ‘olha, eu estou te dando aqui um recurso sem nenhum compromisso, você não precisa trocar o seu voto por isso, para você colocar em uma instituição’ não tem porque não colocar. O ruim é quem fez isso e votou a favor. Quem entregou o recurso pelo voto.
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Devem ser feitas reformas econômicas no próximo mandato? (teto de gastos, reforma da previdência, reforma tributária) De que forma?
Primeira coisa eu quero dizer: votei contra todo o corpo dessa reforma trabalhista. Votei contra um ou dois itens, trabalho intermitente e a questão de itinerário e horas trabalhadas em um ambiente da fábrica ou do comércio, onde for. Discordei e o resto da reforma modificou e andou alguma coisa.
Fui contra o trabalho intermitente e o itinerário, porque se você sai de casa para ir para o trabalho, tem um acidente de trabalho e, a depender da interpretação, não vai ter direito ao acidente de trabalho. Ele está no ambiente de trabalho dele, dentro da fábrica, vai trocar a roupa e teve um problema, uma indisposição, não conta hora trabalhada. O que se fez foi dizer assim ‘olha, você vai trabalhar mais o risco do trabalho de qualquer coisa que acontecer é seu’ e nem sempre é assim.
Reforma da previdência foi aprovada contra o meu voto, porque, em 2016, aprovamos a fórmula 86/96, na época da Dilma. A fórmula de contribuição de tempo de serviço da mulher é 86, do homem é 96. Contribuição e idade da aposentadoria, que ia gradualmente aumentando até chegar no que foi aprovado, 40 anos de contribuição e 75 anos de idade. Por que eu votei contra? Porque já tinha aprovado em 2016 essa fórmula 86/96 e é brincadeira ficar trocando toda hora de legislação para a aposentadoria das pessoas.
E, quanto a reforma tributária, esse governo não teve votos e não teve vontade para fazer a reforma. Primeiro, mandou para a Câmara aquela fusão que ficou parada na Câmara, que inclusive aumentava o imposto do serviço. Aí o [ministro da Economia Paulo] Guedes mandou a reforma do imposto de renda, parou na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, porque era uma reforma do imposto de renda que tirava, por ano, mais de R$ 20 bilhões de estados e municípios. Ficou lá na comissão que eu presido paralisada, porque não deu, não teve condição de se fazer isso.
Há condição de se fazer uma reforma tributária? Há, mas em um governo que comece isso no primeiro ano de governo. Ninguém faz reforma tributária no último ano de governo, com um governo fraco, fragilizado, muito rejeitado pela população como é o atual governo.
O senhor concorda com a proposta da reforma tributária que está tramitando hoje? O que você discorda?
Eu concordo com parte da reforma tributária que está correndo. Eu discordo de que no item, por exemplo, do aumento da carga tributária, sobretudo para a produção, acho que deve-se desonerar a parte da indústria, do setor industrial, e deve se colocar de forma gradual o aumento do imposto de lucros e dividendos.
O Guedes pensa nisso, exonerar o setor da produção, da contribuição das indústrias, das empresas, da pessoa jurídica, e aumentar o imposto de cobrança do lucros e dividendos, a começar pela Petrobras. É uma das que tem diminuído lucro e dividendo para abaixar o combustível. Então tem que entrar tudo isso na reforma tributária.
O teto de gastos que eu votei a favor na época do governo Temer, foi um momento em que nós tínhamos um recuo muito drástico do PIB. O PIB recuou 4% ou mais do que isso e precisava conter os gastos. Naquele momento, foi importante. Mas pode ser revisto agora no próximo governo, até porque, para o desenvolvimento econômico, para geração de emprego no Brasil, tem que ter um aumento maior da capacidade da União e dos estados de investir, sobretudo, nas atividades que são intensivas na absorção de mão de obra.
Por exemplo, Minha Casa, Minha Vida. Não tem atividade que absorva mais mão de obra do que a construção. Se você volta o programa, você vai gerar bilhões de empregos. Isso tem que ser dinheiro saindo do Estado. Então sou contra a política neoliberal do Guedes, que tem que fazer concessão para iniciativa privada Um País em desenvolvimento não dá pra fazer isso, o estado tem que investir também, tem que ter as duas coisas. O setor privado investindo, as concessões para estrada, para rodovia, para ferrovia, mas tem alguns setores que são intensivos na absorção de mão de obra, que tem de ter recurso investido do próprio estado. Uma delas é essa questão da habitação.
Você é a favor da permanência do Auxílio Brasil ou de outros programas de renda?
Quem começou isso foi o Lula com o Bolsa Família. Acho que deve continuar, sabe por que? Porque o Brasil tem um passivo muito grande de pessoas com mais de 50 anos que não tiveram na idade escolar, escola. Que não tiveram na idade escolar, escola técnica. Que não tiveram na idade escolar, universidade federal. Então essas pessoas não tiveram a oportunidade.
Surgiu a oportunidade de melhorar a educação a partir de Fernando Henrique [Cardoso], de 84 para cá. Aí avançou com Lula. E esse passivo, até 94, essas pessoas não tinham o ensino básico, muito menos o universitário. Como resolver essa questão? Só tem dois jeitos. Aposentadoria, que ficou em 60 anos, o que é muito importante. E agora o Auxílio Brasil, que deve continuar. E deve se fazer uma avaliação para fazer se esse auxílio brasil, com a inflação que está, é suficiente para acabar com a fome. E se não está sendo suficiente para acabar com a fome por causa da inflação.
Qual é o papel do estado na preservação (ou não) de pautas como liberdade religiosa, legalização do aborto e das drogas e defesa dos direitos humanos?
Na questão religiosa, acho que é da formação de cada pessoa. Sou católico e respeito todas as outras religiões, evangélicos, ortodoxos, religiões africanas. Tem que ter liberdade e respeito para todas as religiões. O pior de tudo é querer usar religião para angariar votos como faz o presidente da República, que é, do ponto de vista religioso, um homem de falsas crenças.
Não pode você achar que alguém que é religioso, que lê a Bíblia, que acredita em Deus e é católico e estimula a apontar uma arma pela mão na direção de alguém. Toda população armada é uma população oprimida e em alta tensão, como ele tem feito.
A legalização do aborto tem uma legislação sobre isso, eu sigo essa legislação. Eu sou legalista e sigo a lei que está aprovada pelo Congresso Nacional.
Sou contra a legalização das drogas. Não sou radical, até porque sou médico e estudioso, fui professor da Universidade Federal da Bahia, a maconha tem propriedades medicinais e deve ser utilizada como propriedade medicinal.
Direitos humanos sou totalmente a favor que a legislação proteja todos as classes sociais. Sou contra descriminação, contra o ódio, contra manifestação de qualquer forma que queira descriminar as pessoas. Qualquer manifestação de excludência... Isso é uma coisa que está na Bíblia. De pregação até de Cristo, Ele era contra a acepção das pessoas. Tem que ser respeitado o direito de cada cidadão, seja por manifestação política, ideológica, doutrinária, religiosa. O direito é dado a todos.
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