BRASÍLIA – Vem de uma igreja nova, sem templo próprio e “mais progressista” no meio protestante o reverendo André Luiz de Almeida Mendonça, ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga de ministro “terrivelmente evangélico” do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro deverá, se aprovada a indicação em sabatina no Senado nesta quarta-feira, 1, ser o sucessor do ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentou em julho. A indicação do reverendo e advogado André Mendonça teve o apoio da maioria dos líderes evangélicos próximos a Bolsonaro, aos quais o presidente prometeu a indicação de um ministro da Corte, como mostrou o Estadão. Ele teve como "concorrentes" para o posto o procurador-geral da República, Augusto Aras, católico, e o ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Martins.
Em uma linha divergente do pensamento dominante no meio evangélico – considerado mais conservador –, a Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília evita temas políticos, manifestou reservas a iniciativas do presidente, como a defesa de armas de fogo, e discute abertamente como “apoiar, capacitar e emancipar as mulheres em espiritualidade, liderança e serviço”.
“Nosso grupo dentro da igreja cristã é um pouco mais progressista, por isso, pegamos uma vertente diferente”, diz o pastor titular Valter Moura, fundador da Esperança de Brasília e amigo de Mendonça. “Trabalhamos sobre a questão de gênero. Em tantas igrejas que a mulher não é nada. Qual é a participação efetiva da mulher na história?”, questiona de forma retórica Moura, sem rodeios ao usar a expressão “gênero”, abominada pela ala mais ideológica do governo.
Criada há cinco anos, a Esperança tem 115 integrantes, dos quais costuma reunir pelo menos 60 nos cultos dominicais, realizados de forma improvisada no auditório de uma escola pública do Distrito Federal.
O ex-ministro é um dos pastores auxiliares do colegiado que comanda a igreja. Segundo assessores, não é remunerado. Mendonça coordena a formação espiritual das crianças, em atividades como retiro e recreação em fins de semana. “O perfil dele é de uma pessoa simples, sempre acessível e muito afável. As crianças o adoram. Ele poderia estar numa igreja enorme aí”, diz o reverendo Moura.
Mendonça também costuma pregar nos cultos, revezando-se numa escala entre os demais pastores, e falar em encontros reservados do grupo de homens, a confraria “Homens da Esperança”, que se reúne na casa de um casal frequentador da igreja. Nos bate-papos que liderou, Mendonça já falou sobre “família” e algo caro à carreira que exerce: integridade.
Em 2018, Mendonça não fez campanha aberta por Bolsonaro
O ex-minstro da Justiça não fez campanha aberta por Bolsonaro no ano passado. Em vez disso, um perfil dele nas redes sociais revelava entusiasmo com a eleição de Marina Silva, então candidata a presidente pela Rede Sustentabilidade. “Encontrei Marina Silva duas vezes em cerimônias religiosas, por ela também ser evangélica, mas nunca tratei de política com ela. Em uma delas, ela disse que não mistura política com religião, no que concordamos”, disse Mendonça ao Estadão, por meio de sua assessoria, sem responder se fez campanha pela candidata.
Em 2002, Mendonça havia publicado um artigo simpático à vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no jornal Folha de Londrina, quando era procurador da União na cidade. “Temos o primeiro presidente eleito do povo e pelo povo”, escreveu.
Diferentemente de igrejas pentecostais e neopentecostais de mais expressão, a Esperança não aborda temas eleitorais e político-partidários em cultos. No ano passado, a igreja usou as redes sociais para pregar tolerância entre os dois lados de uma campanha considerada pelos pastores como “conflituosa e violenta”.
Indagado sobre a avaliação do presidente, que quer um ministro evangélico no STF, o pastor Valter Moura é cauteloso. “O Estado é laico, e, independentemente disso, nossa igreja não faz força para colocar gente onde quer que seja”.
Técnico idealista e fala pausada
Mendonça é um técnico idealista. Possui uma fala pausada, calma, por vezes, intercalada com o juridiquês. Nascido em Santos (SP) e torcedor do time alvinegro do litoral paulista, foi criado numa família religiosa e viveu em diferentes cidades do Estado, inclusive Miracatu, reduto da família presidencial. O pai era funcionário do Banespa. Aos 48 anos, é casado e tem um casal de filhos.
Antes de ingressar na AGU, via concurso, foi advogado da Petrobrás Distribuidora entre 1997 e 2000. Em instituições privadas, cursou Direito em Bauru (SP) e Teologia, em Londrina (PR). Fez pós-graduação em Direito Público na Universidade de Brasília (UnB), mestrado e doutorado na Universidade de Salamanca, na Espanha.
Na AGU, foi corregedor-geral, adjunto do Procurador-geral da União e diretor do Departamento de Patrimônio e Probidade, por convite do ministro Dias Toffoli, do Supremo. Indicado pelo ex-presidente Lula, Toffoli é um dos ex-AGUs atualmente no Supremo e é apontado como um interlocutor favorável a Mendonça na Corte. O outro é Gilmar Mendes, indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na Controladoria Geral da União (CGU), Mendonça assessorou o ministro Wagner Rosário, dedicado aos acordos de leniência, dos quais é entusiasta. Tocou casos relacionados à Lava Jato e colecionou algumas rusgas. Em um destes desentendimentos, Mendonça “parou de falar” com uma colega e se recusava a participar de reuniões em que a desafeta estivesse presente, conta uma auditora, que, reservadamente, avalia a postura como “autoritária e até infantil”. Questionado sobre o episódio, Mendonça afirma que “podem ter havido diferenças de opiniões em determinadas análises técnicas”. “De minha parte, nada além disso”, disse.
Combate à corrupção
“Não é no âmbito criminal que se resolve o problema da corrupção. O caminho da recuperação não é o criminal, é o cível”, costuma dizer Mendonça. O trabalho mais notório dele foi o acordo com o Grupo OK, do ex-senador Luiz Estevão, condenado por fraudes na construção do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo. O acordo é um dos maiores da história, com previsão de devolução de R$ 468 milhões.
Ex-chefe de Mendonça, o ministro da CGU, Wagner Rosário, é apontado como um fiador da indicação a Bolsonaro. Antes de ser escolhido, Mendonça chegou a participar de uma seleção, mas ficou de fora da lista tríplice do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal, encaminhada ao gabinete de transição, em 2018. Fez uma reunião com o advogado e major da PM Jorge Oliveira, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, funcionário de confiança do presidente que analisava currículos. Por meio dele, foi ao encontro de Bolsonaro. No fim do bate papo, o presidente estava decidido, conta uma assessora do ministro. “Manda preparar o Twitter do rapaz”, ordenou Bolsonaro, para comunicar pela internet a indicação de Mendonça para a AGU.
“Ele é uma grata surpresa”, diz um influente político evangélico da Câmara, ao apontá-lo com um técnico discreto, servidor de carreira, que ganhou simpatia da bancada.
O ministro diz que a escolha por Bolsonaro o surpreendeu. Preparava-se para dar aula, uma das vertentes profissionais que mais gosta. Na academia, é professor visitante em Salamanca e na Fundação Getúlio Vargas. Costuma dar palestras com tom motivacional.
Como AGU e, principalmente, no período em que foi ministro da Justiça e Segurança Pública, Mendonça adotou uma linha de defesa política do presidente. Ficou notabilizado e se desgastou no Legislativo e no Judiciário por requisitar à Polícia Federal a abertura de inquéritos em série contra críticos e adversários políticos do presidente, com base na Lei de Segurança Nacional.
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