RIO – Ex-policial militar do Rio de Janeiro, Élcio Vieira de Queiroz é o primeiro envolvido no assassinato da ex-vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes a assumir a coparticipação no crime. Ele foi expulso das fileiras da corporação em 2015 por fazer segurança ilegal em uma casa de jogos de azar na capital fluminense e passou a atuar à margem da lei. Após quatro anos preso, Queiroz decidiu falar. O ex-PM confessou em delação premiada que dirigia o veículo usado na execução, participou de todo o planejamento e deu detalhes do atentado.
O ex-sargento da PM tem um histórico de envolvimento com grupos paramilitares no Estado. Foi um dos 45 integrantes das Polícias Civil e Militar do Rio presos, na Operação Guilhotina, por envolvimento em corrupção, participação em milícias, desvio de armas e venda de proteção a bicheiros, narcotraficantes e contrabandistas. Na época, Queiroz atuava no 16.º BPM, em Olaria, na Zona Norte.
“A partir disso, Élcio teve de se socorrer a trabalhos esporádicos de segurança e serviço de escolta de cargas, o que lhe garantia o mínimo existencial, mas não lhe afastava de um cenário de dívidas e contratempos. Diante dessas intempéries, Élcio costumeiramente se socorria a Ronnie (Lessa), seja para a realização de serviços pontuais, seja para lhe pedir dinheiro emprestado, o que nunca lhe era negado”, diz a PF em relatório anexo à delação de Élcio.
Antes de ser preso pela PF na primeira vez, cerca de sete anos antes da execução de Marielle, Queiroz já era monitorado pelo setor de inteligência da Polícia Civil do Rio. Setores da polícia chegaram a informações, repassadas por um fonte protegida, de que o ex-policial faria parte de um grupo de extermínio e atuaria como miliciano desde 1998, na região de Quitungo, Brás de Pina, Vila da Penha e Cordovil, bairros da Zona Norte.
Élcio Queiroz foi preso um ano após morte de Marielle
Dois dias antes de a execução de Marielle completar um ano, Élcio Queiroz foi colocado pela primeira vez na cena do crime. Ele e o PM reformado Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos contra a vereadora e Anderson, foram presos em março de 2019.
Segundo a polícia e o MP, Élcio foi escolhido para ser parceiro de Lessa no crime por sua experiência de duas décadas na PM.
O vínculo entre Élcio Queiroz e Ronnie Lessa precede as fileiras da PM do Rio. Segundo a PF, eles se conhecem há mais de trinta anos. Durante a infância e adolescência, Queiroz morava na mesma rua que a esposa de Lessa. Eles se conheceram quando Lessa começou a namorar a atual esposa e passou a frequentar o local. Desde então, a relação entre os dois só se fortaleceu. Eles voltaram a se encontrar nos quadros da Polícia Militar.
A expulsão da corporação em 2015, por envolvimento com a milícia, aproximou ainda mais os dois. Queiroz passou a receber auxílio financeiro de Lessa: “Desenhado esse cenário, Ronnie se tornou uma espécie de divindade para Élcio, seja pela relação interpessoal construída entre ambos, o que ensejou, inclusive, o apadrinhamento do filho de Élcio por Ronnie, o que os tornou compadres”, destaca a PF.
Élcio confirma a versão na delação e diz que os dois construíram “uma relação de irmão”.
“Eu tive dificuldade financeira, perdi minha renda que era certa, fiquei somente com esses bicos que eu fazia, e na época o Ronnie que me ajudou muito. Vira e mexe ele me ajudava com dinheiro pra fazer uma compra. Às vezes, ele me emprestava e eu pagava parceladamente, conforme ia fazendo os serviços, muitas vezes também ele abria mão de alguma coisa ou outra. Nossa amizade foi baseada nisso daí, independente do dinheiro, mas a gente tinha uma relação de como se fosse irmão”, revelou o delator.
Os advogados de Élcio deixaram o caso após ele firmar acordo de delação. O Estadão não localizou a defesa atual do ex-policial.
O planejamento do crime e a execução
Élcio Queiroz foi cooptado por Lessa para o crime. Ele conta em delação que o primeiro fato relacionado com a execução de Marielle Franco de que se recorda foi por volta de agosto de 2017, poucos meses antes do crime. Segundo o ex-PM, ao avistar uma bateria de automóvel na casa de Lessa e a pedir emprestada, o comparsa respondeu que ela seria destinada a um “carro ruim”, uma “cabra”, jargões utilizados para veículos adulterados. Foi o primeiro contato dele com o que se tornaria a execução.
Após ser apresentado ao planejamento do crime, Queiroz ficou responsável, inicialmente, pelo monitoramento de vereadora. Segundo Queiroz, o suposto contratante do crime foi o então policial militar Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como “Macalé”, assassinado em novembro de 2021.
Segundo a delação, Lessa, “’Macalé' e ‘Suel’ - o ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, preso nesta segunda, 24 -, estavam ‘empenhados na vigilância e monitoramento de Marielle desde os últimos meses de 2017″.
Condenado por porte e posse de armas
O ex-policial foi condenado, em 2020, a cinco anos de prisão e pagamento de multa pelo porte de munição e pela posse de armas de fogo, munições e carregadores, no dia em que foi preso, em 2019. A sentença foi emitida em 11 de setembro pelo juiz André Felipe Veras de Oliveira, da 32ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
Em 12 de março de 2019, policiais civis e dois promotores de Justiça foram à casa de Queiroz para cumprir uma ordem de prisão (pela suspeita de envolvimento na morte da vereadora e de seu motorista) e outra de busca e apreensão, para recolher possíveis provas do crime.
Queiroz foi abordado ao sair de casa de carro, e dentro de seu Renault Logan foram encontradas oito munições de fuzil de calibre 5,56 mm, que estavam embaixo do banco do carona, embaladas em um saco plástico. Ao revistar a casa, os policiais encontraram dentro do guarda-roupas do quarto de Queiroz uma pistola Glock calibre ponto 380, com cinco carregadores e 46 munições, e uma pistola Taurus calibre ponto 40, com três carregadores e 72 munições. Queiroz, que já seria detido pela morte de Marielle e Gomes, acabou preso também pelo porte das munições encontradas no carro e pela posse das armas de fogo, carregadores e munições encontradas na casa dele.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.