“Bem, então, para ficar parecendo intelectual, eu vou colocar meus óculos e a Janja vai retirando as páginas aqui”, disse Luiz Inácio Lula da Silva, anunciando que iria ler seu discurso de vitória, no último dia 30. Aos prantos, a mulher do recém eleito presidente o ajudava a manusear uma pequena pilha de papéis. Desde que se lançou candidato, Lula recorreu a discursos lidos em momentos cruciais, quando busca passar uma mensagem clara, sem correr o risco de produzir falas desastradas – quando, por exemplo, se manifestou em encontro com aliados a favor de aumento de gastos e contra a “tal da estabilidade fiscal”, provocando estresse no mercado financeiro.
O trabalho de elaboração dos textos é coletivo, mas é um escritor mineiro radicado em Brasília o responsável por colocar em palavras as sugestões variadas que recebe e dar ao pronunciamento “a alma de Lula”, como diz um dos assessores próximos. José Rezende Jr. - ou apenas Rezende - é, segundo quatro pessoas próximas a Lula ouvidas pelo Estadão, a peça crucial na ampla engrenagem de comunicação do presidente eleito.
Quem dita a embocadura do discurso é Lula. Ele também cita, de cabeça, dados e informações que deseja ver contempladas. Para o pronunciamento da vitória, por exemplo, pediu uma mensagem de união, pacificação, não revanchista e com indicativos de que governaria para todos os brasileiros e não apenas para seus eleitores. Atribui-se a Rezende a expressão que condensa a mensagem pretendida por Lula e dita na noite da vitória: “Não existem dois Brasis”. O marqueteiro Sidônio Palmeira, que trabalhou na campanha do petista, também ajudou a escrever o discurso do dia da vitória.
O petista tem sempre um discurso previamente preparado, mesmo quando o descarta. Costuma fazer a última leitura do texto no carro ou no avião, no trajeto para o local de pronunciamento, e opta por improvisar na hora. Os momentos em que opta pela leitura de sua fala são momentos solenes, segundo o seu entorno, quando ele acredita que o discurso irá reverberar para outros públicos e, possivelmente, entrar para a história.
No domingo 30 de outubro, durante os primeiros minutos de discurso lido, Lula afirmou “esta não é uma vitória minha ou uma vitória do PT”, em uma toada que o levaria a pregar a união dos brasileiros, rachados politicamente na eleição mais acirrada da história.
Ele já tinha optado pela leitura do discurso em outro momento: o lançamento da chapa com Geraldo Alckmin (PSB), no dia 7 de maio, em São Paulo. Na ocasião, parte da plateia conversava enquanto Lula discursava, o que não é comum quando o petista improvisa no palco. Apesar do burburinho, ele seguiu com os olhos fixos nas folhas de papel à sua frente. A missão de Lula era clara: falar que sua união com Alckmin mirava a construção de uma frente ampla de centro - e ser ouvido para além da militância que o assistia no Expo Center Norte.
Também preferiu ler a improvisar na COP-27, seu primeiro pronunciamento internacional depois de eleito, e já tinha feito isso em dezembro de 2021, diante do Parlamento Europeu.
Quando estava na Presidência, Lula contava com uma equipe de quase dez pessoas para elaborar seus discursos. Uma delas era Rezende. Segundo pessoas ligadas ao presidente eleito, o escritor se voluntariou para ajudar novamente a redigir comunicações de Lula quando ele foi preso durante a Operação Lava Jato. Uma vez solto, Lula continuou a contar com a ajuda do escritor e jornalista.
Ganhador de um Jabuti em 2010 na categoria de contos e crônicas pelo livro Eu Perguntei pro Velho se ele Queria Morrer, o escritor e jornalista passou por redações de grandes veículos do País até se dedicar à literatura. Seu último livro, “Fábula urbana”, publicado em 2019, recebeu elogio público de Lula. No twitter, o presidente eleito escreveu que a obra, “do amigo José Rezende Jr”, é a história de um menino pobre que pede livro em vez de esmola”. “Nos faz refletir sobre o Brasil que queremos: um país onde a cultura seja tratada com prioridade. Indico a leitura”, disse Lula.
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O responsável pela comunicação do presidente, José Chrispiniano, é quem coordena o trabalho de elaboração dos discursos e também trabalha nos textos. Participam ainda da discussão sobre a linha a ser seguida o ex-ministro Franklin Martins, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, que foi um dos coordenadores da comunicação de campanha de Lula, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e Luiz Dulci, que por anos foi o responsável pela elaboração dos discursos do petista.
Aliados de outras áreas compartilham uma minuta para subsidiar o pronunciamento. O ex-chanceler Celso Amorim, por exemplo, envia informações que devem ser incluídas sobre política externa. Marina Silva e Izabella Teixeira, dados sobre a questão ambiental. Quando um material chega bem escrito, acaba aproveitado quase na íntegra. Rezende ajuda a montar o quebra-cabeças, sob a batuta de Chrispiniano. Lula lê com atenção e com frequência devolve para reelaboração, várias vezes, até chegar no ponto que deseja.
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