BRASÍLIA - O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, assinou no último domingo, 7, despacho contra a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) no caso do penduricalho que permite juízes federais receber até R$ 2 milhões cada por causa do pagamento retroativo do chamado adicional por tempo de serviço (ATS). O pagamento milionário foi revelado pelo Estadão. O TCU solicitou que o corregedor apresentasse sua defesa por ser parte no processo que apura a liberação da regalia. No documento, Salomão optou por acusar a Corte de Contas de adentrar a “atuação administrativa” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“A competência do Tribunal de Contas da União para exercício de suas atribuições, lembre-se que essas não são ilimitadas, devendo ser restritas àquilo que está expresso na norma, bem como não adentrar aos limites da competência específica de outros Poderes”, afirmou Salomão. “A Constituição Federal trouxe espaços exclusivos de atuação para o TCU e para o CNJ, de modo que não cabe àquele intervir na esfera de atuação do outro”, prosseguiu o ministro.
A decisão que autorizou o pagamento de adicional por tempo de serviço atingiu todos os magistrados federais que ingressaram na carreira até 2006. A cada cinco anos de trabalho, eles tiveram o salário turbinado em 5%. Um juiz que ingressou na magistratura na década de 1990, por exemplo, teve o contracheque inflado em 30%. Ou seja, passou a ter direito a receber a mais cerca de R$ 10 mil todo mês por causa do benefício. Hoje, um juiz federal tem salário-base de R$ 33,6 mil, sem considerar os penduricalhos.
No despacho assinado no último domingo, Salomão se defendeu sob o argumento de que o TCU só deve exercer a função de validar e controlar os cálculos realizados por cada tribunal sobre o custo do penduricalho aos cofres públicos. O ministro do TCU Jorge Oliveira chegou a vetar o pagamento da regalia que permitia que juízes embolsassem até R$ 10 mil por mês.
“Penso que não é cabível o controle, pelo TCU, do ato administrativo decisório proferido pelo CNJ, em face dos postulados essenciais de harmonia e independência entre os Poderes da República. No ponto, parece mesmo evidente que não se insere no rol de competências do TCU a retificação de atos administrativos do CNJ”, argumentou Salomão.
A decisão de Oliveira foi tomada após Salomão determinar a suspensão do pagamento retroativo da regalia, na esteira das revelações feitas pelo Estadão. O ministro da Corte de Contas, porém, considerou que a medida adotada pelo corregedor “não encerrou o grave risco de dano ao erário”. Oliveira determinou, então, a adoção de medida cautelar “para suspender todos os efeitos provenientes da decisão adotada pelo CJF”.
Salomão foi responsável por um parecer que chancelou o pagamento do penduricalho. A regalia havia sido aprovada previamente pelo Conselho da Justiça Federal (CJF). A presidente do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, chegou a recorrer à Corregedoria Nacional de Justiça, pertencente à estrutura do CNJ e sob o comando de Salomão, para que o órgão dissesse se havia ou não impedimento formal para o início do pagamento aos juízes. O corregedor, contudo, alegou que só poderia ir contra o pagamento se houvesse uma ilegalidade no benefício.
Na contramão dos argumentos de Salomão, auditores do TCU consideraram irregular o pagamento do novo penduricalho , sob o risco de “dano irreversível ao erário”. Os técnicos da Corte de Contas identificaram que já teriam sido pagos R$ 157 milhões referentes ao penduricalho e ainda havia um saldo ainda a ser creditado na conta de magistrados de R$ 715 milhões, que totalizam R$ 872 milhões, podendo chegar ao custo de R$ 1 bilhão, conforme revelou o Estadão.
No despacho do último domingo, porém, o corregedor argumentou que no caso do penduricalho se observou “atuação da Corte de Contas para além de sua esfera de atribuições”. Ele ainda afirmou que o despacho do ministro Oliveira “adentra o próprio mérito da atuação administrativa do CNJ”.
“Por isso, as atividades do Tribunal de Contas, no exercício do controle externo dos atos do Poder Judiciário, devem estar ligadas ao controle de contas e à regularidade orçamentária e de responsabilidade fiscal dos atos praticados, para que não se configure a usurpação de competência que não lhe é devida ou atribuída pela Carta Maior”, disparou Salomão.
Um ministro do TCU afirmou em conversa reservada que, diferentemente do que alega Salomão, a Corte de Contas faz o controle externo das instituições. Ele ainda citou o artigo 74 da Constituição que obriga “os responsáveis pelo controle interno (de órgãos públicos), ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária”. Entre alguns dos membros do tribunal, a avaliação é que o corregedor teria descumprido essa obrigação.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.